Raul Leal |
Tem sido recentemente referida, na blogosfera e em alguma imprensa, a publicação da Correspondência, trocada no período 1957/1960, entre Jorge de Sena e Raul Leal, editada por iniciativa dessa Senhora, incansável divulgadora da obra do falecido marido, e que tenho o prazer e a honra de conhecer pessoalmente, que é Mécia de Sena.
Não pretendo falar agora de Jorge de Sena, figura maior das nossas letras e o mais notável intelectual português da segunda metade do século XX.
Mas apraz-me escrever algumas linhas sobre Raul Leal, que nasceu em Lisboa em 1 de Setembro de 1886 e nesta cidade morreu em 18 de Agosto de 1964. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi colaborador das revistas Orpheu e Portugal Futurista. Em 1923, a editora Olisipo, de Fernando Pessoa, dá à estampa a sua obra Sodoma Divinizada, que iria contribuir para o avolumar do "escândalo" iniciado com a publicação, em 1922 e também pela editora de Fernando Pessoa, da 2ª edição das Canções, de António Botto (a lª edição saíra em 1920). Estala a polémica com o artigo de Álvaro Maia na revista Contemporânea: "O Sr. Fernando Pessoa e o ideal estético em Portugal", a propósito da obra de Pessoa, António Botto e o Ideal Estético em Portugal. Aliás , um bando de estudantes, pretensamente moralistas, encabeçados pelo futuro ministro e embaixador Pedro Teotónio Pereira, manifestara-se já contra aquilo a que chamavam "literatura de Sodoma". Em Março de 1923, em plena Primeira República, o governador civil de Lisboa mandou apreender e queimar os exemplares das Canções, de Botto, de Sodoma Divinizada, de Raul Leal e ainda o livro de poemas (alegadamente lésbicos) Decadência, de Judith Teixeira. As repúblicas "democráticas" em Portugal tiveram sempre uma exagerada preocupação com a chamada "moral pública", nada ficando a dever, nessa matéria, ao Estado Novo. Era preciso garantir, como escreve Jorge de Sena na última carta (24/12/60) enviada a Raul Leal, a "chamada paz das famílias".
A edição original de Sodoma Divinizada, encontra-se esgotada há décadas, e só muito dificilmente, e a peso de ouro, se conseguirá encontrar um exemplar em algum privilegiado alfarrabista. Mas a editora Hiena publicou uma reedição, em 1989, organizada por Aníbal Fernandes, donde consta não só o texto do ensaio, mas a biografia de Raul Leal, todas as peças da polémica e a cronologia dos factos, material do maior interesse social, político e literário mas impossível de referir neste post.
Parece que, estando também esgotada esta reedição, foi efectuada recentemente uma nova publicação do texto, mas, neste momento, não disponho de confirmação.
2 comentários:
Para quando uma edição da Obra Completa de Raul Leal?
As últimas obras,ao que consta esotèrico-desvairadas,talvez não tenham o interesse das primeiras,nomeadamente a "Sodoma". Quanto ao desaparecimento da nova edição,não é de surpreender,pois na grande argúcia dos nossos editores,é comum realizarem minúsculas edições, no pressuposto do analfabetismo generalizado, que se esgotam ràpidamente, dada a imbecilidade das previsões,e não se lembram de reeditar,quando os responsáveis não desaparecem do mundo da edição,em muitos casos com total justiça. Mas se o Raul Leal já entrou no domínio público,porque ninguem mais se propõe editá-lo,preferindo obscuros charlatães? Tudo sinais de um país que não tem emenda desde finais do século XVIII.
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