quarta-feira, 22 de setembro de 2010

INTERRUPÇÃO

A actividade deste blogue será interrompida durante alguns dias.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O SELECCIONADOR NACIONAL

O futebol português é habitualmente notícia de primeira página dos noticiários. Mais ainda quando se trata da selecção nacional. Mas há limites para tudo.

A telenovela que nos vem sendo contada sobre a demissão de Carlos Queirós, a suposta proposta a José Mourinho, a escolha final (?) de Paulo Bento, as vicissitudes de Gilberto Madaíl e da Federação, a recusa de cedência de Mourinho pelo Real Madrid, o processo-crime intentado por Queirós, etc., ultrapassam o que é humanamente suportável.

Sabemos que o futebol, originário da pérfida Albion, se tornou no "desporto-rei" e é aclamado em todo o mundo, todas as culturas confundidas. Infelizmente!

Serve, também, de distracção para as massas que, entretidas com ele, não pensam em coisas sérias. Todos os regimes se aproveitam do futebol, ainda que algumas culturas, embora lhe sacrificando, tentam tapar os braços e as pernas dos jogadores. Há sempre olhares cobiçosos, isso é verdade.

É claro que se muita gente gosta de futebol, há também quem não goste ou quem lhe seja indiferente. Por isso, não se deveria tomar a nuvem por Juno, e assumir que todos os portugueses (neste momento refiro-me aos portugueses) deliram com o futebol.  Assim sendo, este desporto deveria ocupar na informação o lugar que lhe é devido e não a monopolizar quase por completo.

A sucessão de acontecimentos das últimas semanas justificam que se grite: BASTA. Resolvam os assuntos mas não chateiem todo o mundo. Tem o país problemas muito mais graves e prementes para resolver. Haja, pois, respeito e decência.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E AGORA?



Segunda noticia a imprensa de hoje, Manuel Maria Carrilho, embaixador de Portugal na UNESCO, foi substituído por Luís Filipe de Castro Mendes. Remodelação não totalmente inesperada, já que a saída de Carrilho daquela organização internacional fora ventilada quando o mesmo se recusou votar para o cargo de director-geral da organização no candidato egípcio Faruq Hosny, a quem nos referimos em post de 23 de Março deste ano.

Em princípio, segundo as rotações habituais do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Carrilho deveria permanecer no cargo até 2012. Não sendo embaixador de carreira, regressa a casa mais cedo.

Coincidência ou não, é hoje posto à venda o novo livro do ex-ministro da Cultura, intitulado E Agora? - Para uma Nova República, que iremos ler com atenção.

Manuel Maria Carrilho, goste-se ou não dele e do seu feitio, é uma das poucas pessoas que, nos nossos dias, tem reflectido sobre Portugal e sobre o estado a que o país chegou. É um serviço prestado à Nação, independentemente das "propostas" dos partidos políticos para a "salvação" da pátria.

Aguardam-se os próximos episódios da crónica desta demissão anunciada.

NOVA GUERRA NO LÍBANO

 


O jornalista e investigador inglês Robert Fisk, correspondente de vários jornais britânicos e um dos melhores especialistas do Médio Oriente, afirmou em entrevista transmitida ontem pela RDP 1 que prevê uma nova guerra no Líbano no próximo ano.  Autor de várias obras sobre os teatros de guerra que tem acompanhado, Robert Fisk é nomeadamente autor de The Great War for Civilisation - The Conquest of the Middle East, um volume de 1368 páginas onde expõe o seu pensamento sobre o conflito que ameaça eternizar-se naquela região do mundo. Instalado em Beirute há trinta anos, Fisk é um observador privilegiado da cena internacional e um analista lúcido da política infeliz prosseguida pelas grandes potências numa zona do globo que se tem caracterizado por uma instabilidade permanente.

Argumenta Fisk que a evolução da situação política no Líbano é propícia ao desencadear de uma nova guerra. Tendo a Síria recuperado a sua influência no país (o próprio primeiro-ministro libanês Saad Hariri, filho do ex-primeiro-ministro Rafiq Hariri, assassinado em 2005, já veio ilibar a Síria de responsabilidades no acto), vê-se o Hizbullah na contingência de articular a sua actividade não só com Teherão mas também com Damasco, o que lhe reduzirá necessariamente o protagonismo de que tem gozado no país do Cedro. Esta situação, segundo Fisk, poderá levá-lo a tentar uma incursão no norte de Israel, em resposta às sistemáticas violências da fronteira do sul do Líbano por militares israelitas.

Todos nos recordamos como o Partido de Deus (o Hizbullah) fez frente às tropas de Israel em 2006 e do prestígio então obtido pelo seu secretário-geral, o cheikh Hassan Nasrallah. O protelamento de uma solução para o conflito israelo-palestiniano, que constitui o cenário mais provável apesar das negociações em curso, contribuirá certamente para aumentar a instabilidade na região, e provocar mesmo uma confrontação militar regional, o que viria a corroborar a convicção expressa por Robert Fisk. É claro que uma actuação menos prudente dos actores do teatro de guerra poderia, ou poderá, extravasar da ideia do conflito regional previsto por Fisk para um conflito global. A ver vamos.

Não perfilhando todas as análises de Robert Fisk, temos de concordar que, através de uma  experiência pessoal única,  a sua contribuição para o estudo dos acontecimentos que têm modelado o Médio Oriente constitui um contributo de inestimável valor.

domingo, 19 de setembro de 2010

ATENTADOS EM BAGHDAD


Registaram-se hoje mais dois mortíferos atentados na capital iraquiana. As duas viaturas armadilhadas que explodiram provocaram pelo menos 29 mortos e o número de feridos é superior a uma centena.

A situação de insegurança permanente que se verifica em Baghdad e por todo o Iraque, desde o ataque ocidental de 2003, não tem paralelo na história contemporânea. Nenhum cidadão iraquiano pode sair à rua sem ter a certeza de ser morto ou ferido ao voltar da primeira esquina. Aliás, pode ser morto dentro da própria casa.

Prometeu Bush no início da invasão exportar a "democracia" para o Iraque. Esta afirmação envolvia à partida uma contradição nos termos, pois não se pode exportar o que não se possui e se há coisa que os americanos não possuem é uma democracia, salvo nos aspectos meramente formais. Mas, admitindo que existisse democracia autêntica nos EUA, a real vontade de Bush e do seu gang era a de exportar o sistema económico ultra-liberal que vigora no seu país e que se tem espalhado pelo mundo.Vae victis!  

Além disso, a outra razão de peso que motivou Bush foi a de se apoderar dos poços de petróleo iraquianos. Este conflito provocou já milhões de vítimas. E ninguém ainda foi julgado e condenado, salvo Saddam Hussein e alguns dos seus apaniguados.

A retirada (parcial) dos soldados americanos do Iraque não melhorou, como se constata todos os dias, a situação no país. Nele se jogam os interesses das grandes, médias e pequenas potências, mais do que o interesse do povo iraquiano. De resto, o Iraque, estado artificialmente criado pelo Ocidente depois da Primeira Guerra Mundial, está destinado a ser desmembrado em três regiões, mais ou menos idênticas às três antigas províncias que faziam parte do Império Otomano. Essas três regiões correspondiam à predominância dos três grandes aglomerados populacionais: curdos, a Norte, sunitas, no Centro, xiitas, a Sul. 

Todos concordam hoje publicamente, à excepção de Blair e de mais alguns incontinentes verbais, que mais valia ter chegado a um acordo, que Bush evitou, com Saddam, do que proceder a uma invasão que, para além dos benefícios para a indústria de armamento americana, começa a ser contestada mesmo nos Estados Unidos, não só devido à absorção de grande parte do orçamento federal mas especialmente por causa do elevado número de soldados americanos mortos e feridos. Vai-se gerando um estado de espírito um pouco como sucedeu com a guerra do Vietnam. 

Saddam era um ditador e o responsável por muitas mortes, porém muito longe das que têm ocorrido desde a invasão. Nem era muito diferente dos outros chefes políticos que continuam a governar o Médio Oriente com o apoio ocidental. Garantia a segurança interna do país, assegurava a liberdade religiosa, fora grande colaborador dos americanos (uns mal agradecidos) ao fazer a guerra contra o Irão (do ayatollah Khomeiny) e tinha procedido a um gradual desenvolvimento económico e social do Iraque (isto é indesmentível) até à malfadada guerra contra Teheran. 

Hoje, sobre os escombros da região onde floresceram, outrora, algumas das mais brilhantes civilizações da Humanidade, nada mais nos resta do que sangue, suor e lágrimas.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

SOBRE A HONRA


"L'honneur d'un peuple appartient aux morts et les vivants n'en ont que l'usufruit."

Georges Bernanos

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

OS CIGANOS (II)




Referi-me, em post anterior, à "Questão Cigana", se assim se pode chamar, devido ao clamor que está a suscitar-se em França e um pouco por toda a Europa, por causa da decisão de Nicolas Sarkozy de expulsar os ciganos (ou parte) do território francês. Clamor só comparável ao affaire L'Oréal, que envolve também o presidente francês, o seu partido e o seu ministro do Trabalho, Eric Woerth, em consequência das doações e eventuais fraudes fiscais de madame Liliane Bettencourt, essa senhora muito "vieille France", pródiga em dádivas, ainda que as faça com o seu dinheiro e não, como muitas pessoas, com o dinheiro dos outros.



O relacionamento com pessoas de etnia cigana (ou a dificuldade de relacionamento) é tão antigo quanto a permanência dessa etnia na Europa. Têm os ciganos sofrido vários tratamentos, desde perseguição e extermínio a tentativas de integração. Não é uma questão de resolução fácil. Os ciganos são nómadas por natureza e tradição mas desde há muitos anos que se vêm sedentarizando no Velho Continente. E se o seu modo de vida provocava atritos enquanto perfeitos nómadas, acabou por se tornar mesmo indesejável quando começaram a instalar-se definitivamente (ou quase) junto das outras populações.



Ao longo dos anos, os ciganos têm alimentado o imaginário popular, a literatura, a música, os sonhos eróticos de muitos cidadãos (e cidadãs) e, o que é mais notável, têm contribuído e continuam a contribuir, para transformar em realidade as fantasias de muitos honestos patriotas. Lorca sabia do que falava, quando escrevia poesia.



Agitaram-se hoje os ânimos, porque a comissária europeia da Justiça veio protestar contra a decisão do governo francês. E manifestou a intenção de instaurar um processo à França por desrespeito da legislação comunitária. Sarkozy reagiu grosseiramente, como é seu hábito; os franceses já não estranham.



Trata-se de uma situação de solução complexa. Não existe uma resolução milagrosa. A França, e outros países que se debatem com situação idêntica, deverá reflectir sobre o país real e não sobre um país ideal. Os ciganos, como outras etnias, vieram, estão, e se partirem, voltarão muito provavelmente. A expulsão não resolve o problema, embora se deva atender à dificuldade de convívio. É claro que os indivíduos que pratiquem crimes deverão ser julgados e condenados. Parece-me que o importante é promover, o que raramente tem sido feito, por culpa de ambas as partes, uma integração progressiva nos padrões de vida dos cidadãos "de origem". A comunidade cigana em Portugal é reduzida, mas muitos de nós certamente conhecemos ciganos "integrados". É difícil, leva tempo, mas consegue-se; e isto, sem eliminar totalmente as referências culturais ciganas. O que não se pode pretender é, como desejaria Sarkozy, transformar de um dia para o outro, os ciganos em franceses de souche.



Aguardemos os próximos episódios.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O PREÇO (II)

Na sequência do post de ontem, acrescento agora esta cena do 2º acto de Rigoletto, de Verdi, em que o bobo pergunta aos cortesãos : "Per qual prezzo vendeste il mio bene?"



Ingvar Wixell (Rigoletto) - Ópera de Viena, 1982

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O PREÇO

Na ópera, como na vida, há sempre (ou quase sempre) um preço.

É famosa a pergunta de Tosca a Scarpia, no 2º acto da Tosca: "Quanto? Il prezzo?".



Maria Callas (Tosca) e Tito Gobbi (Scarpia) - Covent Garden, 1964

Agora, que acabei de ouvir mais uma gravação de Il Trovatore, lá está, no último acto, a pergunta de Manrico a Leonora: "Ed a qual prezzo?".



Marcelo Alvarez (Manrico) e Fiorenza Cedolins (Leonora) - Teatro Regio di Parma, 2006

Meditemos.

domingo, 12 de setembro de 2010

OS CIGANOS

Tem constituído exaltado debate em França, e não só, a expulsão de grupos de ciganos pelo governo de Nicolas Sarkozy. Especialmente de ciganos romenos, mas também de outros países balcânicos.  O presidente francês considera-os uma etnia indesejável, pela dificuldade de adaptação e o difícil convívio com os franceses de gema.

Esta questão, que apaixona a opinião pública francesa, só tem paralelo com o caso Liliane Bettencourt, a quem a filha acusa de já não estar na posse da plenitude das suas faculdades intelectuais e de delapidar a imensa fortuna de que é proprietária, o império L'Oréal. Esta dama, muito "vieille France", de 87 anos de idade, cujas ofertas a pessoas amigas totalizam alguns milhares de milhões de euros, não estará tão falha de lucidez como pretende a filha, que está, juntamente com o marido já na posse de parte da administração da empresa de cosméticos, mas, como sabemos, a cupidez dos herdeiros não tem limites. O problema maior, contudo, é de carácter político e fiscal. A velha senhora é acusada de fugas ao fisco e de financiamento ilegal do partido de Nicolas Sarkozy, entre outras coisas.

Voltando aos ciganos. Originários do norte da Índia, tradicionalmente nómadas, espalharam-se pelo mundo, nomeadamente pelo leste da Europa, donde têm emigrado para Ocidente. A própria Hungria, donde provém Sarkozy, detém uma das maiores comunidades ciganas da Europa.

Os seus costumes, marginais às sociedades onde habitam, porque começaram a sedentarizar-se, não se compaginam com os hábitos ocidentais. A sua "estranha forma de vida", que rejeita o trabalho normal para subsistir à custa de negócios por vezes pouco claros, a sua frequente delinquência, tornou-os indesejáveis para as populações ditas normais. É claro que muitos têm sido assimilados, alguns há já várias gerações, nada os distinguindo dos outros cidadãos "originais". Mas essa não é a regra, é a excepção.

Não me vou debruçar, aqui e agora, sobre a bondade da política de Sarkozy, porque me parece que se é um facto que esta etnia, pelo seu aumento exponencial, vem provocando frequentes atritos em França, e noutros países, também é verdade que esta medida de recambiar famílias e comunidades inteiras para os pretensos países de origem não se coaduna nem com a justiça, nem com o direito comunitário.

Pretendo, sim, salientar que há ciganos e ciganas de grande beleza (quem não usufruiu já das benesses de alguém dessa etnia?) e a quem são também atribuídos poderes sobrenaturais. A literatura e a ópera estão cheias de ciganos, mais propriamente de ciganas, et pour cause, e por isso não resisto a consignar três exemplos.

A ópera Carmen, de Bizet, baseada na novela de Prosper Mérimée:



Maria Callas, em Carmen (Covent Garden, versão de concerto, 1962)


A ópera Il Trovatore, de Verdi, baseada no romance de Antonio Garcia Gutierrez:



 Fiorenza Cossotto, em Azucena (Wiener Staatsoper, 1978)


A ópera Un Ballo in Maschera, de Verdi, baseada na peça de Eugène Scribe:



Elena Obraztsova, em Ulrica (Opéra de Paris, 1978)


Três famosas interpretações de "ciganas" na ópera. Poderíamos ainda acrescentar a ópera portuguesa A Vingança da Cigana, de António Leal Moreira, mas não existem registos vídeo disponíveis das interpretações no Teatro Nacional de S. Carlos ou no Teatro da Trindade.

sábado, 11 de setembro de 2010

11 DE SETEMBRO - IN MEMORIAM

 
Ocorre hoje o nono aniversário do ataque de dois aviões de passageiros contra as chamadas Torres Gémeas de New York, dia em que também o Pentágono foi supostamente atacado por um avião de passageiros de uma carreira regular e em que outro avião de passageiros se sumiu sem deixar rasto.

De facto, morreram milhares de pessoas.

Este acontecimento, que serviu para justificar a invasão americana (a que se juntaram outros países) do Afeganistão e do Iraque, tem feito correr rios de tinta e ainda hoje se encontra envolvido numa aura de mistério. Muitos livros entretanto publicados contestam a tese oficial, documentando as sucessivas contradições que se foram produzindo desde a primeira hora, provenientes dos próprios organismos oficiais norte-americanos. Há quem subscreva a hipótese de um monstruoso conluio para tornar aceitável a guerra que se seguiu e quem entenda que tal hipótese só poderá ser fruto de uma teoria da conspiração. 

Na guerra que se seguiu, já morreram, e continuam a morrer, milhões de pessoas.

Uma catástrofe.

Terá tudo isto resultado de uma diabólica maquinação por causa do petróleo e para permitir a instalação de bases americanas no Médio Oriente? Foi o ataque aos Estados Unidos um acto, sem cúmplices, de islamistas radicais enlouquecidos? 

Não sabemos a verdade. Talvez nunca saibamos a verdade. Afinal, o que é a verdade?

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

NÃO ESTAVA ESCRITO?



Lucia Valentini-Terrani e Leo Nucci, em Il Barbiere di Siviglia, Tóquio, 1981- Coro e Orquestra do Teatro alla Scala de Milão, direcção de Claudio Abbado


O protelamento sucessivo da entrega do acórdão do processo Casa Pia faz avolumar na opinião pública a suspeição de que o acórdão ainda não estava escrito à data da leitura das sentenças, ou que se está a reformular o texto em função das sentenças proferidas ou, pior, que estão a ser retirados do texto os nomes daquelas dezenas de figuras públicas que figuraram no processo e que Carlos Cruz ameaçou  divulgar quando publicasse na net o texto do acórdão.

As razões do adiamento podem ser bem diversas mas é bom não esquecer que, como afirmava Charles Maurras, "em política (e também em justiça, digo eu) o que parece é".

Assim, ao contrário de Figaro que pede a Rosina para escrever um bilhete ao Conde de Almaviva e aquela lho entrega imediatamente, o que provoca da parte de Figaro uma grande admiração: "Già era scritto?", podemos estar perante uma situação contrária: "Non era scritto"!

A ver vamos.

A DÚVIDA


"Ver para crer" como São Tomé, diz o povo. Na dúvida,  o apóstolo quis tocar o lado de Cristo para acreditar. Caravaggio imortalizou a cena neste quadro existente no Palácio de Sans Souci, em Potsdam, nos arredores de Berlim.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O PROCESSO


Não me refiro ao Processo de Kafka, um dos maiores romances mundiais e dos mais premonitórios, mas ao processo Casa Pia, também ele de contornos kafkianos. O acórdão do tribunal, cujas sentenças foram anunciadas no passado dia 3, à hora a que escrevo este post ainda não foi entregue aos interessados. Ao que consta, devido a dificuldades logísticas, mormente informáticas, atendendo ao elevado número de páginas.

Sendo o processo Casa Pia o mais longo e o mais mediático da história judicial em Portugal, estranha-se que à data da leitura da sentença, que aliás conheceu adiamentos, não estivesse concluído e pronto a ser distribuído o texto da mesma, até porque foram proferidas, segundo advogados, jornalistas, observadores diversos e o próprio bastonário da Ordem, pesadas condenações em relação a crimes semelhantes ou mesmo a outros considerados muito graves.

Depois de se terem ouvido as declarações de alguns dos arguidos, agora condenados, começa a instalar-se a dúvida. E a dúvida é o pior que pode acontecer às pessoas, e uma coisa a que a Justiça não se pode permitir. Recordo a célebre peça de John Patrick Shanley Dúvida, representada em 2007 no Teatro Maria Matos, com notáveis interpretações de Eunice Muñoz e Diogo Infante, e cujo tema é exactamente a dúvida que existia e persistiu quanto ao eventual relacionamento sexual entre um padre e um jovem negro, numa escola católica dos Estados Unidos.

Depois dos protestos dos arguidos contra as penas e contra o que dizem ser a falta de provas quanto à prática dos actos por que foram condenados, a demora na distribuição do acórdão pode levar a pensar que o mesmo está a ser rectificado para o pôr de harmonia com as condenações proferidas. Esta hipótese, já levantada por várias pessoas, se fosse verdadeira significaria a derrocada final da Justiça em Portugal. Não quero crer que assim seja, até porque tal situação colocaria todos os cidadãos à mercê de uma arbitrariedade ilimitada e significaria, na prática, o fim do Estado de Direito.

Prefiro acreditar que se trata realmente de problemas operacionais, mas que, em qualquer caso, não abonam muito em favor do funcionamento dos tribunais, para mais quando se trata de um processo que, desde o início da investigação, já leva oito anos de existência.

Aguardemos.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

INTOLERÂNCIA

 

O pastor Terry Jones, do Dove World Outreach Centre de Gainesville, na Florida, anunciou que vai queimar cópias do Corão no aniversário do 11 de Setembro. Não admira essa atitude, dado que as seitas protestantes conseguem ser mais radicais do que o próprio Islão. Já o tinham sido os antepassados Lutero, Zwinglio, Calvino e sequazes, e a América é, sempre foi, terreno propício a fundamentalismos de todos os tipos. Aliás, Terry Jones queima cópias do Corão porque não pode queimar os próprios muçulmanos.

O general David Petraeus, comandante supremo das tropas americanas no Afeganistão, como homem avisado,  já fez saber que tal atitude poria em causa o esforço de guerra naquele país e a segurança dos soldados dos Estados Unidos em todo o mundo. E não só dos soldados, acrescentaria eu.

Sabemos que, além do fundamentalismo islâmico (que passou de político a político-religioso), outros fundamentalismos que alastram pelo mundo têm a sua origem em terras do "Tio Sam", conquistam adeptos fervorosos, ingénuos uns, de má-fé outros, e prosseguem objectivos que nunca são verdadeiramente explicitados.

Devemos estar atentos. "Vigiai e orai", já recomendou o Senhor, como consta dos Evangelhos, "para que não entreis em tentação".

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

DON CARLOS (PARA UMA ICONOGRAFIA)



As recentes apresentações mundiais da ópera Don Carlo, de Verdi, sobre libretto francês de Joseph Méry e Camille du Locle e tradução italiana de Achille de Lauzière e Angelo Zanardini, a partir do poema dramático de Friedrich Schiller, e que se estreou na Ópera Imperial de Paris em 11 de Março de 1867 e, pela primeira vez em italiano, em Modena, em Dezembro de 1886, fornecem-nos o pretexto para estabelecer uma pequena iconografia sobre as personagens presentes (ou ausentes) desta ópera, uma das mais notáveis de Verdi e uma das mais famosas do repertório operático mundial.

Em primeiro lugar Schiller:

Berlim - Schiller, na Gendarmenmarket, frente à Konzerthaus

Depois Verdi:

Busseto - Verdi, na Piazza Verdi

Percorramos agora as personagens presentes e ausentes (ainda que presentes em espírito):

Carlos-Quinto, pelo Tiziano - Museo Nacional del Prado
Carlos-Quinto, pelo Tiziano - Alte Pinakothek, Munique
Isabel de Portugal (primeira mulher de Carlos-Quinto e mãe do Infante Don Carlos), pelo Tiziano - Museo Nacional del Prado
Filipe II, pelo Tiziano - Palazzo Pitti, Florença
Filipe II, por Sànchez Coello ou Sofonisba Anguissola - Museo Nacional del Prado
Don Carlos, por Antonio Moro - Museu Nacional del Prado
Don Carlos, por Sànchez Coellho -Museo Nacional del Prado
Élisabeth de Valois, por Sofonisba Anguissola ou Pantoja de La Cruz - Museo Nacional del Prado
Élisabeth de Valois, por Antonio Moro - Musée du Louvre
Princesa de Éboli (Ana de Mendoza de La Cerda), por Sánchez Coello - Museo Nacional del Prado
Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial
Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial - Panteão Real
Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial - Cristo, por Benvenuto Cellini
Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial - Carlos Quinto e Família, por Pompeo Leoni
Mosteiro de San Lorenzo de El Escorial - Filipe II e Família, por Pompeo Leoni
Tomás de Torquemada, primeiro Grande Inquisidor Geral, de 1483 a 1498
Retrato do Cardeal Fernando Niño de Guevara, por El Greco - The Metropolitan Museum of Art, New York

Mosteiro de Yuste (para onde se retirou Carlos-Quinto, depois de abdicar)


Aqui se registaram as imagens de algumas figuras e locais que povoam a iconografia associada ao infante Don Carlos, mais propriamente as que ilustram as personagens e os sítios da ópera. Na verdade, um breve apontamento do que seria uma viagem interminável.

domingo, 5 de setembro de 2010

BLAIR EM DUBLIN




O criminoso de guerra Tony Blair foi ontem atacado em Dublin com sapatos e ovos, quando se dirigia à livraria onde decorreu a sessão de autógrafos do seu livro A Journey. Os manifestantes insultaram-no e gritaram-lhe que tinha sangue nas mãos. Apesar das barreiras, houve diversos confrontos com a polícia e quatro manifestantes foram presos.

Não se compreende como é que este indivíduo, co-responsável pela morte, ferimentos e outros danos em milhões de pessoas não está, pelo menos, na cadeia e se passeia livremente pelo mundo.  A ideia de justiça no Ocidente está, de facto, completamente prostituída.


RIGOLETTO "EM CASA"



A RTP 2 apresentou ontem, às 19.30 h, em transmissão directa da RaiUno, o 1º acto da ópera Rigoletto, de Verdi. Trata-se de uma produção especial, agendada para 138 países, em que a ópera é pela primeira vez filmada nos locais próprios, isto é na própria cidade de Mântua: no Palazzo Ducale, no Palazzo Te e na Casa de Sparafucile.

O 2º e o 3º actos serão transmitidos hoje, também em directo pela RTP 2, às 13 h e ás 22.30 h, respectivamente, correspondendo à hora em que a acção decorre na ópera.

São intérpretes nos principais papéis Placido Domingo (em Rigoletto), Julia Novikova (em Gilda), Vittorio Grigolo (em Duque de Mântua), Ruggero Raimondi (em Sparafucile) e Nino Surguladze (em Maddalena). À frente da Orchestra Sinfonica Nazionale della RAI está o maestro Zubin Mehta. A realização é do cineasta Marco Bellocchio.

Nesta produção, Placido Domingo reaparece com a sua voz inicial de barítono (já este ano cantara o papel de Simon Boccanegra), interpretando o protagonista, depois de uma carreira operática mundial como tenor. A russa Julia Novikova é uma bela e vocalmente excelente Gilda. O jovem Vittorio Grigolo, que já vimos noutros espectáculos, tanto canta como encanta. Ruggero Raimondi, um dos maiores barítonos/baixos do último quartel do século passado, reaparece no pequeno mas não despiciendo papel de Sparafucile. A georgiana Nino Surguladze é uma convincente Maddalena.

Este filme operático  será obviamente editado em DVD.

sábado, 4 de setembro de 2010

UM ERRO JUDICIAL?




Esteve ontem parte do país suspensa da decisão do tribunal relativamente ao acórdão do processo Casa Pia. Todos os acusados, à excepção de uma senhora, foram condenados a penas de prisão. Nas palavras de Ricardo Sá Fernandes, advogado do arguido Carlos Cruz, tratou-se de um monstruoso erro jurídico.

Este processo, o mais longo e controverso da história judicial portuguesa, chega assim ao termo da sua primeira fase, já que, como é expectável, todos os condenados recorrerão das sentenças.

Aguardam-se, também, declarações dos interessados sobre a forma como decorreu a investigação e o julgamento deste caso polémico, a que a comunicação social consagrou, obsessivamente, desde o início e durante anos consecutivos, as primeiras páginas.

Estar-se-á perante um caso semelhante ao célebre processo Dreyfus? Surgirá alguém como Zola para escrever "J'accuse!"? Ou será antes um caso como o de  Outreau, onde, verificando-se a falsidade das acusações, o presidente Jacques Chirac apresentou aos acusados desculpas em nome da França?

Ou ainda, como disse há tempos Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista televisiva a Judite de Sousa, ter-se-á tratado de uma manobra para decapitar a então direcção do Partido Socialista (Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso)?  E a quem aproveitou? Haverá "algo de podre no reino da Dinamarca", parafraseando Shakespeare no Hamlet?

Ao que tudo indica, e oito anos depois de rebentar o "escândalo", o verdadeiro processo vai começar agora.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

PINA MANIQUE


Diogo Inácio de Pina Manique nasceu em Lisboa em 3 de Outubro de 1733 e faleceu na mesma cidade em 30 de Junho de 1805, encontrando-se sepultado no cemitério do Alto de S. João, no jazigo nº 471, rua nº 5, urna nº 4073. Casou em 1773 com Inácia Margarida Umbelina de Brito Nogueira de Matos e foi pai de Pedro António de Pina Manique Nogueira de Matos de Andrade, que foi agraciado em 1801, por D. Maria I, com o título de Barão de Manique do Intendente e depois elevado a Visconde do mesmo título por D. João VI.


Licenciou-se em Leis pela Universidade de Coimbra em 1758 e foi um colaborador eficiente do Marquês de Pombal,  tendo sobrevivido ao afastamento político deste em 1777. Assim, em 1780 foi nomeado Intendente-Geral da Polícia da Corte e Reino, cuja autoridade se estendia a todos os magistrados judiciais do país, cargo que acumulou com outras importantes funções.


Contemporâneo da Revolução Francesa, viveu Pina Manique numa época conturbada, a do fim do Antigo Regime e da eclosão do liberalismo. Inimigo dos "afrancesados" e do iluminismo, exercendo uma acção repressiva sobre os divulgadores das novas ideias, passou à história como um fanático contra-revolucionário, o que de todo não corresponde à verdade. Não está ainda feito o balanço desapaixonado da sua actividade política, mas é um facto que há a creditar-lhe obra que perdura até aos nossos dias.


Para lá do restabelecimento da tranquilidade em Lisboa, que antes da sua nomeação como Intendente-Geral da Polícia era uma cidade muito perigosa, onde sair à noite constituía uma aventura, deve-se a Pina Manique a criação de duas instituições que funcionam até hoje: a Real Casa Pia de Lisboa (ordem régia de 20 de Maio de 1780, oficialmente inaugurada a 3 de Julho, sendo a sessão solene de inauguração no Castelo de S. Jorge, a 29 de Outubro, em que discursou o Duque de Lafões), destinada a recolher e educar crianças de ambos os sexos e também à recuperação social de prostitutas e mendigos.  E o Real Teatro de S. Carlos, inaugurado em 30 de Julho de 1793, pela rainha D. Maria I, e que substituiu a Ópera do Tejo, destruída pelo terramoto de 1755. O Teatro foi integrado na Casa Pia a fim de, cessado o período de exploração concedido à sociedade de mercadores e capitalistas constituída por Pina Manique para a sua fundação, ficar a fazer parte do fundo de rendimentos da instituição.


É curioso referir que Pina Manique, embora avesso a progressos de carácter ideológico, foi buscar a Évora, onde se encontrava com residência fixa, para director pedagógico da Casa Pia, o antigo professor da Universidade de Coimbra e eminente matemático José Anastácio da Cunha, condenado e afastado do lugar pela Inquisição. Ministrou a Casa Pia desde o início não só cursos de índole técnica directamente destinados ao exercício de uma profissão, como igualmente de natureza artística; aliás, em 23 de Abril de 1781, foi criada na instituição uma Aula do Nu. E vários alunos foram enviados para Roma, a fim de frequentarem a Academia de Belas Artes que a Casa Pia fundara naquela cidade. Um deles, João José de Aguiar, seria o autor do monumento em mármore de Carrara, dedicado a D. Maria I, que hoje se encontra em frente do Palácio de Queluz e que chegou a Portugal em 3 de Setembro de 1798, faz hoje precisamente 212 anos. A Academia de Belas Artes de Roma foi extinta em 1797, aquando da entrada das tropas napoleónicas na cidade, tendo os estudantes casapianos regressado a Portugal.


Entre 1792 e 1794, Domingos Sequeira, que foi aluno da Casa Pia, pinta em Roma a "Alegoria à Fundação da Casa Pia", que esteve no Palácio de Pina Manique, no Largo do Intendente, pertenceu mais tarde ao rei D. Fernando II e se encontra hoje no Museu Nacional de Arte Antiga.


Em 1801, chega a Lisboa, o general Lannes, embaixador de Napoleão que se indispõe com Pina Manique, que também era administrador-geral das Alfândegas, por este controlar o contrabando francês para Portugal. Lannes pressiona o Príncipe-Regente D. João (D. Maria I já havia enlouquecido) para demitir Pina Manique. Em 1803, o Regente cede ás pressões francesas e Pina Manique é exonerado do cargo das Alfândegas, sendo nomeado Chanceler-Mor do Reino, com funções puramente honoríficas.

O Intendente-Geral morrerá em 30 de Junho de 1805, sendo substituído por Lucas de Seabra da Silva.

Em 1807, a Família Real foge para o Brasil e Junot entra em Lisboa. Ainda neste ano o novo Intendente encerrará a Casa Pia do Castelo, cujas instalações foram ocupadas pelas tropas francesas, sendo as crianças dispersas pela cidade, em orfanatos, asilos e outros recolhimentos, ficando muitas a viver na rua.

A Casa Pia só ressurgirá em 1811, no Convento do Desterro. Será instalada em 1833 nas traseiras do Mosteiro dos Jerónimos, e posteriormente descentralizada em outros edifícios.


Ao longo de mais de dois séculos, passaram pela Casa Pia rapazes (e raparigas) que se distinguiram nos mais variados domínios da vida nacional, tantos e tão famosos que se torna impossível mencioná-los. Entre os seus mestres, contaram-se professores portugueses notáveis, cujo contributo para a vida nacional, nas letras, nas artes e nas ciências foi de inestimável valor. Tem sido a instituição uma autêntica escola de virtudes, no sentido latino do termo, mais tarde conceptualizado por Maquiavel (a virtù), que proporcionou a gerações de alunos os meios necessários para triunfar na vida.

O Teatro de S. Carlos, a outra grande iniciativa de Pina Manique, tornou-se também, durante os últimos duzentos anos, o grande centro lírico português, e pelo seu palco passaram os mais famosos  cantores do mundo. Maria Callas, considerada a maior soprano de todos os tempos, aí cantou, em 1958, a ópera La Traviata.

Além das inúmeras medidas que tomou enquanto exerceu uma fatia do Poder em Portugal, as duas grandes obras de Pina Manique, a Casa Pia e o Teatro de S. Carlos, bastam para o imortalizar, apesar dos seus detractores, ignorando o contexto do tempo e as rápidas mutações que se processaram na época, procurarem denegrir a sua imagem.

Tem, por isso, Pina Manique o direito ao eterno reconhecimento de todos os portugueses.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

UM HOMEM ABJECTO

Publicado hoje por João Gonçalves no blogue PORTUGAL DOS PEQUENINOS

 O ABJECTO BLAIR


No livro, um belo livro, de Thomas Harris, Hannibal, a dado momento Lecter escreve a Clarice. Termina dizendo que o mundo é um lugar melhor pela circunstância de Clarice existir nele. É justamente o oposto disto que Tony Blair representa - o mundo é um lugar mais abjecto por Blair existir nele. Infelizmente Hannibal nunca se cruzou com Blair. Porque apreciava "cozinhar" todos aqueles que considerava menores e perturbadores da amenidade universal. Tony é um escarro - não é por acaso que se chama Tony e não Anthony - que continua por aí, pago como uma luxuosa prostituta internacional para falar a néscios. Não contente com isto, deu à estampa (o que também já lhe deve ter dado milhões pré-pagos de direitos autorais) um livro de memórias no qual, como mísero acanalhado que é, acusa Brown (que o criou politicamente) de alegados aspectos nocivos da sua personalidade que "estragaram" a maravilhosa herança do "new labour" do cretino. Blair, e a sua medonha e vulgar "Cherrie", é um ícone da esquerda moderna que deu, por cá, em Guterres e Sócrates. Revelou-se um tramposo oportunista que, por ser mais inteligente e maquiavélico que W. Bush, se mantém à tona como grande "personalidade internacional". É um sinal dos tempos que um Tony tão humanamente reles o seja. Mas os tempos também não merecem melhor.

* * * * *
Espera-se que o livro não seja traduzido no nosso país a fim de não conspurcar a língua portuguesa

O CONFLITO INTERMINÁVEL


Decorrem em Washington conversações de paz entre o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas e o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, sob a égide do presidente Barack Obama e com a presença do presidente egípcio Hosni Mubarak e do rei Abdullah II da Jordânia.

Não se vislumbra que este conflito possa ter uma solução, pelo menos a curto prazo.

Nem tem o presidente Obama, refém dos poderosíssimos interesses judeus nos Estados Unidos, da extrema-direita protestante norte-americana e do sinistro bando dos neo-conservadores, a força necessária para impor uma paz justa e a consagração de um estado palestiniano independente e soberano, nem existe no mundo, de momento, outro país capaz de obrigar Israel a ceder quanto às reivindicações essenciais.

Além do mais, encontrando-se a Palestina que resta fragmentada em duas entidades com governo próprio (a Cisjordânia e a Faixa de Gaza) é difícil conceber um resultado concreto para estas negociações. Utilizando uma expressão popular, diríamos que de conversações de paz está o inferno cheio.

Mas sendo a esperança a última a morrer, como também é costume dizer-se, confiemos que surja uma luz ao fundo do túnel.

INCIDENTES EM MAPUTO


Desde ontem que Maputo, a capital de Moçambique, se encontra em estado de sítio, devido às violentas manifestações de protesto - que já provocaram dezenas de mortos e feridos - contra o aumento dos bens de primeira necessidade. O eclodir destes acontecimentos não era imprevisível, e pensa-se que alastrarão a outros países de África, onde as populações auferem rendimentos abaixo do nível mínimo de subsistência. 

As independências africanas, se permitiram a emancipação política dos povos colonizados, não trouxeram em simultâneo um aumento do bem-estar social. As guerras entre as facções, clãs ou tribos dominantes e, depois de eliminados os contendores, a instalação no poder de oligarquias corruptas e ávidas de dinheiro, contribuíram até para um agravamento da situação dos povos da África sub-sahariana.

Torna-se indispensável, em todo o mundo, um esforço de reflexão sobre as condições de vida das populações. Sob pena do desmoronar total das instituições políticas e da instalação do caos absoluto  no planeta (não estou a exagerar), que desde há muito, independentemente das latitudes, longitudes e altitudes, deixou de ser um lugar seguro.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O IRAQUE

 

Barack Obama anunciou ontem o fim oficial das missões de combate no Iraque, classificou a data como "um momento histórico" e disse que cabe agora aos iraquianos "liderar a segurança do seu país." Os neo-conservadores e os republicanos de extrema-direita pretendiam que ele mantivesse aberta a possibilidade de estender o envolvimento militar no Iraque, o que o presidente não fez.

Esta guerra, desencadeada com o pretexto de que «os iraquianos possuíam "armas de destruição massiva" e um arsenal nuclear operacional  que estavam prontos a utilizar»,  constituiu, na opinião de Jean Daniel, director do Nouvel Observateur (nº 2390), uma das maiores mentiras da História.

O Iraque está neste momento sem governo, por impossível entendimento dos partidos maioritários, parcialmente destruído, com mais de cinco milhões de iraquianos mortos, feridos, estropiados, deslocados, enlouquecidos, de incontáveis famílias desmembradas, além dos mortos e feridos da sinistra coligação que atacou e ocupou o país. 

As mentiras dos responsáveis americanos e britânicos inscreviam-se na enorme e desmedida ambição de "reconstrução do Médio Oriente", que se tornaria democrático por um efeito de contágio ou de dominó. Mas as verdadeiras razões tinham sobretudo a ver com o petróleo e com a situação geoestratégica do país. 

Após esta tragédia de contornos apocalípticos, vive-se hoje no Iraque, à parte um simulacro de democracia, muito pior, em geral, do que no tempo de Saddam Hussein. Não foram pedidas responsabilidades a George Bush, nem a Tony Blair, nem aos dirigentes internacionais que os acompanharam nessa maléfica aventura. Não houve ainda para esses criminosos de guerra um tribunal, como em Nuremberga para os dirigentes nazis, para os julgar e condenar.

Se esse julgamento jamais se realizar, como é de temer, ficará para nossa consolação, pelo menos, o julgamento da História.

UM ASSUNTO DE FAMÍLIA (II)

Liliane Bettencourt

Enquanto a indigente comunicação social portuguesa continua mergulhada nos fait-divers da politiquice interna, ignorando o que se passa além-fronteiras (à excepção dos grandes cataclismos), a França vive apaixonadamente o caso Bettencourt-Banier. Já aqui nos referimos duas vezes ao assunto (15 de Julho e 29 de Agosto), e voltamos hoje novamente a mencioná-lo, a propósito do artigo publicado no Nouvel Observateur desta semana (Nº 2390). Ver http://hebdo.nouvelobs.com/sommaire/notre-epoque/100211/le-phalanstere-de-francois-marie-banier.html

François-Marie Banier

Liliane Bettencourt, uma senhora de 87 anos, muito "vieille France", proprietária do império L'Oréal, viúva de um ministro de Mendès-France e de De Gaulle, frequentadora de Pompidou, Giscard, Mitterrand, Chirac e Sarkozy, íntima de escritores e artistas, mulher de inexcedível bom gosto, e também possuidora da segunda fortuna de França, está acusada por sua filha única de delapidar a fortuna a favor do escritor, fotógrafo e pintor François-Marie Banier, e seus amigos, e também de contribuir ilegitimamente para as campanhas políticas de Nicolas Sarkozy e de fuga aos impostos com a cumplicidade do governo. O caso rebentou em 2009, através de escutas clandestinas efectuadas pelo seu mordomo na sumptuosa residência de Neuilly.


Rua Servandoni

Este "folhetim" tem sido seguido com o maior interesse pela opinião pública francesa, não só pelos contornos políticos que afectam a imagem do presidente da República e do seu governo, mas igualmente pelos benefícios que Banier, de 63 anos, figura controversa mas irresistivelmente sedutora, recebeu até hoje da velha senhora, avaliados em mil milhões de euros. Banier, que começou a sua "carreira" aos 15 anos, e que terá sido íntimo de Salvador Dali, Jean Cocteau, Louis Aragon, Pierre Cardin, Yves Saint-Laurent e outras personalidades, instalou-se em 1968 num apartamento da rua Servandoni, entre o jardim do Luxembourg e a praça de Saint-Sulpice, adquirindo progressivamente todo o imóvel. Vivia na altura com o seu companheiro, o famoso decorador Jacques Grange, de quem se separaria anos mais tarde.

Pascal Greggory

Em 1974, instala-se no apartamento (o nº 18 desta rua estreita, mas famosa, onde viveram, por exemplo, Roland Barthes e Lionel Jospin), o seu novo companheiro, o actor Pascal Greggory, que hoje habita um apartamento contíguo. É que, e a vida tem destas coisas, Greggory apresentou a Banier, em 1991, o seu sobrinho Martin d'Orgeval, que acabava de completar  18 anos. Foi o coup de foudre. Martin substitui o tio em casa de Banier, e estão ligados por um PACS (união de facto em França) desde 2007. Liliane Bettencourt, que é uma frequentadora da rua Servandoni, como Banier e os amigos o são da sua residência de Neuilly, considera já Martin como um neto.

Martin d'Orgeval

Dados os intervenientes, o caso Bettencourt tem todos os ingredientes para um livro ou um filme, que decerto não faltarão. Como escreve o articulista do N.O., em casa dos Banier tudo se mistura: negócios e vida de salão, sedes sociais e quartos de dormir, interesses e amizades, paixões e amores defuntos.

Aguardam-se os próximos episódios.

Adenda: Refira-se, por curiosidade, que Servandoni (que dá o nome à rua habitada por Banier) foi um arquitecto franco-italiano a quem se deve, por encomenda de D. João V, o Convento da Congregação do Oratório que, tendo escapado á destruição do terramoto de 1755, e após modificações, é hoje o Palácio das Necessidades, onde está instalado o ministério dos Negócios Estrangeiros.