domingo, 29 de outubro de 2017

A CATALUNHA, A EUROPA E O MUNDO





A recém-proclamada independência da Catalunha suscita-me umas breves reflexões. Breves, porque sendo o assunto de evidente complexidade, não me atrevo a nele mergulhar com a profundidade que o tema porventura exigiria.

Ninguém desconhece que desde há muito tempo os catalães aspiram à independência. Por razões de ordem histórica, de ordem cultural, quiçá sentimentais, que hoje se procuram desvalorizar, atribuindo tal sentimento à educação proporcionada pela Generalitat às gerações mais novas ou a uma espécie de lavagem do cérebro nas escolas, nos jornais, nas televisões, et al. Esta pós-verdade, largamente difundida pelo centralismo madrileno, não tem colhido os seus frutos, como se comprova pelas manifestações maciças de cidadãos clamando pela independência.

É um facto que a Catalunha é (ou era) uma região autónoma de Espanha, e que constitucionalmente a separação teria de obedecer a um sem número de quesitos que na prática inviabilizariam a sua concretização. Seriam precisas várias eleições nacionais, a votação de todas as regiões autónomas, etc., etc. Assim sendo, entendeu o governo regional catalão organizar um referendo para auscultar a vontade da população, e avaliar se a maioria dos eleitores seria favorável à proclamação da independência.

Todos sabemos o que aconteceu. O governo de Madrid enviou a Guardia Civil para impedir o acesso às urnas e os cidadãos que dispunham do seu boletim de voto como única arma foram largamente espancados e impedidos de pacificamente expressar a sua vontade soberana.

Perante este erro monumental do governo de Mariano Rajoy, um primeiro-ministro sem a mínima dimensão de estadista, o parlamento catalão entendeu por maioria proclamar a independência, estimando que a votação do dia 1 de Outubro legitimara essa decisão. Como o escrutínio decorreu numa tumultuosa jornada de intervenções policiais, não sabemos se esse resultado exprime de facto a vontade da maioria dos cidadãos ou não. Muitos terão certamente ficado em caso com receio da repressão policial, o escrutínio dos boletins de voto poderá também não ter sido exemplar. Mas só deverão imputar-se responsabilidades a quem tentou por todos os meios evitar a consulta popular.

Surge agora o governo de Madrid a retirar à Catalunha o seu estatuto autonómico. Eu diria, como se canta em muitas óperas italianas: «È TARDI!".

Ignoro, neste momento, qual será o evoluir da situação no futuro próximo, se os novos governantes nomeados agora por Madrid, conseguirão exercer realmente os seus cargos e se os governantes em exercício de funções o permitirão, a menos que sejam todos detidos manu militari.

Mas o objectivo deste texto transcende a Questão Catalã, ainda que esteja convencido que mais tarde ou mais cedo a Catalunha se tornará um estado independente.

No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, ainda não saradas as feridas do conflito e recordando-se o ancestral conflito entre a Alemanha e a França, com um Reino Unido que perdera o seu império e perante o que se considerou ser a ameaça do comunismo soviético, entendeu a Europa Ocidental, com o largo patrocínio dos Estados Unidos, para quem a simples palavra "socialismo" provoca temores e tremores, criar o embrião de um conúbio, as comunidades europeias, que viriam mais tarde a constituir a União Europeia. Deve dizer-se aqui que os sucessivos tratados que transformaram acordos meramente económicos no monstro burocrático que está hoje sediado em Bruxelas, foram negociados directamente por políticos e raramente os povos foram convidados a pronunciar-se. E quando o foram e o resultado não convinha aos poderes constituídos, repetiram-se as votações até se alcançar o resultado almejado. Chamam eles a isto "democracia".

Um dos aspectos mais salientes do pós-1945 foi o estabelecimento de fronteiras um pouco à vontade dos vencedores (Vae victis) e proclamada a sua inalterabilidade ad aeternum. E durante umas décadas as coisas ficaram assim. Mas não para sempre. Na sequência da Queda do Muro de Berlim e da desintegração da União Soviética, logo a União se apressou a integrar os países que se encontravam para lá da Cortina de Ferro, iniciando-os nas delícias do capitalismo, que ainda era praticado com alguma moderação. E surgiu o primeiro desmembramento. A Checoslováquia partiu-se ao meio. De um lado a Boémia e a Morávia integraram a República Checa, ou Chéquia, do outro lado ficou a Eslováquia. Para bem de todos, foi uma separação mais ou menos indolor. Outro tanto não sucedeu na Jugoslávia, onde uma guerra sangrenta, sob o pretexto de terríveis genocídios, provocou milhões de mortos e feridos. As regiões da Jugoslávia foram-se cindindo progressivamente, num processo delirante, largamente apadrinhado pelos Estados Unidos, pela Alemanha e até, pasme-se, pelo Vaticano. Ninguém se preocupou então com a Constituição da Jugoslávia, e assim ficámos com a Sérvia, a Croácia, a Eslovénia, a Bósnia-Herzegovina (esta ainda interiormente tripartida), a Macedónia e o Montenegro. Mas havia ainda um minúsculo território de estimação, parte antiga da Sérvia e que era necessário extirpar, o Kosovo. E, com a participação das máfias albanesas, satisfazendo-se os interesses comerciais e militares dos Estados Unidos, também ele ascendeu à independência.

Estava quebrado o mito da imutabilidade das fronteiras, que só a hipocrisia dos dirigentes ocidentais se empenhava em manter. Havia ainda a a velha questão do Chipre, que fora "resolvida" precariamente há décadas, mas por ora a ninguém especialmente incomodava.

Mas eis que surge a pretensão da Escócia. O Reino Unido não impede, obviamente o referendo, e sendo a votação ainda minoritária, a Escócia permanecerá por mais algum tempo agregada à Inglaterra. Todavia, o Brexit venceu! É praticamente certo que num próximo referendo, a votação a favor da independência da Escócia será maioritária.  Dar-se-á então a cisão, à qual se seguirá a do País de Gales. A Irlanda do Norte, essa oscilará entre a independência e a sua integração no Eire.

O caso da Catalunha está em curso. Ou agora, ou mais tarde, será também independente, seguindo-se nessa via o País Vasco e talvez a Galiza e a Andaluzia. Ou seja, o desmembramento da Espanha está próximo. Uma questão de poucos anos.

Mas há outras nuvens no horizonte. A Córsega, que desde há muito tempo luta pela independência, retomará força e vigor. E mesmo dentro da França continental algumas regiões aspiram à autonomia.

Na Bélgica, ninguém ignora as pretensões autonómicas da Flandres e na Itália as da Lombardia e do Véneto. Mais recentemente surgiram também movimentos pela independência da Sardenha e da Sicília. Que a Baviera pretende sair da Alemanha não é segredo para ninguém. O próprio partido conservador nacional (CDU) tem uma expressão bávara (CSU). As fronteiras da Polónia, da Hungria e da Roménia são igualmente voláteis, devido à construção artificial desses países, integrando minorias uns dos outros. A Morávia, uma das três partes da antiga Checoslováquia, quer ser agora também independente.

A Ucrânia já foi amputada da Crimeia e de Donbass, devido às políticas da União Europeia e da NATO. Mas na Rússia assiste-se, ao contrário, a uma tendência centrípeta.

Muito mais haveria a dizer, mas isto são meras reflexões. A União Europeia, tendo-se submetido à vontade hegemónica da Alemanha, sem uma França capaz de dizer "Não" (De Gaulle deverá ter-se revirado na tumba), entrou em fase de desagregação inelutável, mostrando-se forte com os fracos e fraca com os fortes. Todo o edifício "europeu", que durante algum tempo concitou esperanças, aparece agora despido aos olhos dos cidadãos: afinal, o rei ia nu.

De resto, e à guisa de conclusão, creio poder afirmar-se que a União Europeia foi um desagradável equívoco, que todavia alimentou ambições - e corrupções - durante algumas décadas. Teve alguns méritos? Obviamente que sim, e nem poderia ser de outra forma. Mas o saldo é infelizmente negativo. Talvez surja mais tarde uma Federação Europeia, com estados mais pequenos, depois de todas as secessões anunciadas. E que possam coexistir em pé de igualdade, mas conservando o seu património genético. Leis europeias para povos estruturalmente diferentes foi uma experiência horrenda só possível de conceber pelas mentes distorcidas e prostituídas dos funcionários de Bruxelas.

Mas não se julgue que este movimento autonómico se confina à Europa. Por esse mundo, sob o olhar complacente do "Ocidente", quando ele pode, outras cisões se anunciam ou estão já no terreno: o Iraque, a dividir entre etnias sunitas, xiitas e curdas, a Síria, retalhada e ainda em luta, o embrião de um Curdistão do qual a Turquia nem quer ouvir falar, o antiquíssimo problema de Jammu e Caxemira, a fronteira da Birmânia (Myanmar) com o Bangla Desh, as convulsões no interior da União Indiana, as disputas de ilhas do Mar Nipónico, os movimentos separatistas da Indonésia e das Filipinas, a Líbia com diversos governos depois da invasão da NATO, a confusão no Sudão, o problema da Palestina, velho de meio-século, o Sahara Ocidental, os outros movimentos na África sub-sahariana, o adiado caso do Québec, as ilhas do Pacífico, as disputas fronteiriças na América do Sul. E mais haveria porventura a dizer!

A procissão ainda está no adro. O tempo, "esse grande escultor", como escreveu Marguerite Yourcenar, cidadã da Orbe, se encarregará de pôr ordem na Velha Casa Europeia. E também no Mundo. Ou talvez não.

Valete, Fratres.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

AL BERTO



A recente exibição do filme Al Berto, de Vicente Alves do Ó, sobre os anos de permanência em Sines do poeta Alberto Pidwell Tavares (1948-1997), suscitou-me o interesse de ler o livro de Golgona Anghel, Eis-me Acordado Muito Tempo Depois de Mim - Uma Biografia de Al Berto, que adquiri na altura da sua publicação (2006) e permanecia em repouso na minha biblioteca.


Junto a esse livro descobri o primeiro livro de Al Berto, publicado na colecção "Subúrbios", que ele mesmo criara, À procura do vento num jardim d'Agosto (1977). E também Demasiadamente belos para quem só não queria estar só, de Sérgio M. N. da Costa e Silva, igualmente editado por Al Berto, noutra colecção, o único livro que conheço deste autor, e que foi dado à estampa no mesmo ano de 1977. Adquiri-os nessa data, creio que na Livraria Bertrand, por mera casualidade, pois nada então conhecia do poeta. Li-os na altura em que os comprei, o que nem sempre sucede com os livros que vão chegando às minhas estantes. Talvez por isso, quando surgiu em 1979 (ou 1980 segundo a biógrafa) um novo livro de Al Berto, Meu fruto de morder todas as horas, apressei-me a comprá-lo. A temática era, obviamente, a mesma.


Depois, comprei mais livros de Al Berto, não todos, até à última edição de O Medo, edição que reúne a obra completa, publicado em 1997, já depois da morte do poeta.


Sobre o filme, que a crítica não acolheu com entusiasmo, pouco se me oferece dizer. A película relata os anos de permanência de Al Berto em Sines, após o seu regresso a Portugal (depois de um "exílio" no estrangeiro) após a revolução de 1974. É especialmente exaltada (e sexualmente mostrada q.b.) a sua relação com João Maria do Ó, meio-irmão do realizador, em cenas que hoje já nem sequer se podem considerar "chocantes", a vida agitada no palacete arruinado da família, os contactos com alguns amigos, e amigas, a criação da livraria Tanto Mar, as festas em casa, onde não faltava o travestismo e a droga, e também a rejeição desta "nova" maneira de viver, ostensivamente homossexual, que surpreende e "ofende" os bons habitantes de Sines, a quem nem a revolução "libertadora" do 25 de Abril conseguiu libertar do seu conservadorismo em matéria de costumes. É claro, mas isso não vi no filme, que para lá da relação privilegiada com João Maria, Al Berto engatava sistematicamente os putos da terra, que por vontade própria, por curiosidade ou em troca de alguns favores, fosse um pouco de dinheiro ou de droga (mas poderá chamar-se a isto prostituição?) frequentavam a casa e se entregavam aos prazeres do sexo. Para algumas famílias da região tal coisa era obviamente inaceitável, para outras era absolutamente indiferente (já tinham visto muitas coisas na vida), para a maioria era até uma forma de os rapazes se "desenrascarem" e não andarem a chatear em casa a pedir coisas.


Vendo o filme, quem não conheceu Al Berto (eu falei com ele duas vezes num bar do Bairro Alto, um bar não propriamente gay que se chamava Sudoeste e que não sei se ainda existe), ficará muito pouco esclarecido acerca do poeta, como homem e como artista, tanto mais que os dez últimos anos da sua vida, passados em Lisboa, foram essenciais para a sua afirmação literária. No Sudoeste, Al Berto estava habitualmente rodeado por uma corte de rapazes que o venerava e que contribuía para estimular a sua veia poética. Também nos cruzámos no Frágil, o primeiro bar trendy do Bairro Alto, a funcionar numa antiga padaria, lugar de encontro simultâneo dos nossos mais prestigiados escritores, actores, pintores e a socialite da época, e também por homossexuais de ambos os sexos, sendo que na sua maior parte os primeiros entravam também na segunda categoria.



Quanto ao livro, intitulando-se uma biografia, é especialmente uma bibliografia ou uma biografia literária, e perde grande parte do interesse que poderia revestir, tanto mais que a autora, tanto quanto é sabido, dispunha de um manancial de documentação e testemunhos sobre a vida do poeta. Todavia, um certo puritanismo provisoriamente suspenso no pós 25 de Abril (pelo menos nas grandes cidades) regressou à nossa vida pública, onde só é dizível o que é politicamente correcto, o que se insere na lógica LGBT e não perturba especialmente a moral burguesa. Aceitam-se os casamentos same-sex mas são mal vistos os engates de rua, isto é, o oposto à trajectória pessoal de Al Berto e à estrutura da sua obra. Tanto assim, que a autora refere que o poeta morreu vítima de um linfoma (o que pode não ser objectivamente incorrecto) quando toda a gente sabe, embora isso não tenha sido divulgado na altura do seu passamento, que a verdadeira causa da morte foi estar contaminado com sida. Também é verdade que ele negou sempre essa evidência, afirmando que tinha um cancro e, quase até ao fim da vida, assegurou que haveria de vencê-lo. Mas, na altura, a ciência ainda não dispunha, contra a sida, dos recursos existentes nos nossos dias.


De qualquer forma, do ponto de vista da produção literária de Al Berto, a obra tem evidente interesse, pois é a única que conheço referindo os seus livros, outros escritos, a estada no estrangeiro, a participação em conferências internacionais, as opiniões dos seus confrades, a atenção que o "meio literário" nacional lhe concedeu quando o "descobriu", até porque ele ousava dizer (e escrever) aquilo que muitos só eram capazes de pensar ou de realizar na clandestinidade dos urinóis públicos e dos quartos recônditos das pensões mal afamadas. Mesmo assim o país político reconheceu-lhe o valor e Jorge Sampaio agraciou-o com o grau de oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.


No dia do seu funeral, em 15 de Junho de 1997, Mário Cesariny prestou o seguinte depoimento: «Acompanhei pouco o Al Berto mas acompanhei o suficiente para saber que ele é, para mim, o último sobrevivente de uma cidade desaparecida. Uma cidade de Lisboa que para mim desapareceu há muito tempo. Mas vejo na poesia dele que ele sonhava com essa cidade, e sonhar já não é pouco, não é? Gostava imenso dele, achava-o uma pessoa encantadora e um bicho da noite, da tal noite que vai rareando. O que foi a minha cidade de Lisboa desapareceu há muitos anos e acho que Al Berto ainda sonhava essa cidade. Era uma pessoa excepcional, um bom poeta. Li o Horto de Incêndio, tem muito bons poemas. Para mim o poeta é muito mais importante que os poemas e ali está um poeta. Acho que é o melhor que posso dizer.»


A Lisboa "da noite" a que Cesariny se refere, e que os iniciados tão bem compreendem, foi morrendo aos poucos por causas diversas que não cabe aqui mencionar. Aliás, o que se verificou em Lisboa aconteceu na maior parte das grandes cidades europeias, embora as razões possam não ser exactamente as mesmas, mas quase. Cesariny, que nascera em 1923, ainda usufruiu de um certo tipo da Lisboa a que Raul Brandão alude nas suas Memórias. Al Berto muito pouco, mas intuiu o que tinha perdido. Em 1997 o "encanto" de Lisboa, que levava tantos estrangeiros a visitarem-na frequentemente, tinha acabado ou estava moribundo. Hoje, desapareceu de vez. Se fosse vivo, Cesariny, que morreu em 2006, não suportaria continuar a viver.

Mas o mais importante, para citar o título de um livro de Eduardo Prado Coelho, é "tudo o que eu não escrevi".


domingo, 22 de outubro de 2017

A INGLATERRA E O MÉDIO-ORIENTE




Sou assinante da revista "Qantara", publicação quadrimestral do Institut du Monde Arabe, praticamente desde a sua criação, em 1991. Os números anteriores à minha subscrição, uma meia dúzia, consegui obtê-los aquando da respectiva reimpressão, pois encontravam-se esgotados.

Já aqui mencionei por várias vezes alguns dos esclarecedores textos publicados pela revista.

Acontece que só agora tive ocasião de ler completamente o nº 102, relativo a Janeiro deste ano, que apenas folheara quando o recebi. Trata da apropriação do que hoje chamamos o Médio Oriente pelos ingleses, sempre ávidos da exploração das riquezas alheias.

Não sendo possível reproduzir os textos, ou sequer resumi-los, indico o título dos artigos publicados no dossier incluído neste número da revista: "Quand l'Angleterre inventait le Moyen-Orient". Para além de variada informação, todos os números incluem um dossier relativo a uma matéria específica.


  1) Vie et mort du Moyen-Orient 
  2) À la recherche de l'inventeur du «Moyen-Orient» 
  3) Mossoul, ville convoitée
  4) La persistante revendication turque sur Mossoul
  5) La tardive découverte du pétrole irakien
  6) La conférence du Caire scelle le destin du Moyen-Orient
  7) Les services secrets britanniques face au nationalisme arabe
  8) Interconfessionalité: une identité laïque inaccessible?
  9) D'un émirat improbable au Royaume de Jordanie
10) La Seconde Guerre mondiale et ses conséquences: vers le désengagement

Ocioso seria discorrer sobre a forma como os ingleses se instalaram em todo o mundo: em determinado momento dominavam o Canadá, os Estados Unidos, a África Oriental e do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia, o Egipto, o Médio Oriente, a Índia, a Birmânia, e numerosos territórios menores, isto é, sensivelmente um quarto do globo terrestre!

Os artigos supra mencionados contribuem para ajudar a esclarecer a penetração dos ingleses no Médio Oriente, ainda que não sejam suficientes para quem pretenda uma visão mais pormenorizada da política de dissimulação que permitiu os resultados obtidos, e que são largamente responsáveis pela situação que hoje se vive na região e a que americanos e franceses não são também alheios.

A História é uma grande Mestra.


sábado, 14 de outubro de 2017

PARA A HISTÓRIA DA MAÇONARIA




UMA VALIOSA CONTRIBUIÇÃO PUBLICADA NO FACEBOOK POR DANIEL MADEIRA DE CASTRO, E QUE PELO SEU INTERESSE SE TRANSCREVE:

Regulares Ingleses contra Liberais Franceses

Um panorama atualizado da Maçonaria Mundial em 2016 - por Jean-Moïse Braitberg

A Maçonaria pretende ser o “Centro de União”. Mas onde se encontra esse famoso centro? Em Londres ou Paris? As duas principais tendências da maçonaria mundial, que se divide entre “regulares” e “liberais” somam verdadeiras rivalidades históricas, diferenças reais de abordagem espiritual, social, simbólica, que, seja o que for que se pense, não estão perto de desaparecer. Especialmente se os liberais parecem agora segurar a corda, é muitas vezes uma reação contra uma maçonaria “inglesa” considerada dogmática, separada do mundo, envelhecida.
Os Maçons acreditam em Deus? A Maçonaria é mista? Os Maçons fazem política? Eles são progressistas ou conservadores? Os membros de muitas potências francesas geralmente têm pouca dificuldade em responder a estas perguntas básicas que parecem lógicas na paisagem maçônica francesa. Mas, suponhamos que você seja membro de uma loja Inglesa ou afiliada à Grande Loja Unida da Inglaterra. Estas perguntas parecerão absurdas a você, ou deslocadas na medida em que elas são estranhas à visão de Maçonaria que ainda prevalece em grande parte do mundo. Porque no seio da Maçonaria Mundial, não é um estreito Pas-de-Calais que separa ingleses e franceses, mas um oceano de incompreensão que, se raramente se tinge de hostilidade aberta, banhada da arrogância mútua de dois continentes soberbamente isolados entre si.

Golpe de cinzel no contrato fraternal

Nessa rivalidade histórica e geopolítica, Londres sempre se prevalecerá do privilégio da anterioridade. Se o inspirador das constituições Anderson fundadoras da Maçonaria Universal foi Jean-Théophile Desaguliers, um pastor de origem francesa, mas já muito inglês, é em Londres e no Reino Unido que as antigas obrigações se espalharam entre 1700 e 1717. No entanto, foi apenas duzentos anos mais tarde, em 1929, que a Grande Loja Unida da Inglaterra, proclamou uma regra de vinte e cinco pontos dos quais o oitavo foi o golpe de cinzel , senão de punhal no contrato fraterno que, bem ou mal admitia a regularidade das lojas francesas e afiliadas desde 1728: “Grandes Lojas irregulares ou não reconhecidas: Existem algumas chamadas potências maçônicas que não respeitam essas normas, por exemplo, que não exigem de seus membros a crença em um Ser Supremo, ou que encorajam seus membros a participar como tais em assuntos políticos. Estas potências não são reconhecidas pela Grande Loja Unida da Inglaterra como sendo maçonicamente regulares, e todo o contato maçônica com elas é proibido.” As lojas filiadas à GLUI, e mais especialmente as lojas americanas e canadenses, que também já havia mantido relações amigáveis com a maçonaria “continental” foram mais lentas em adotar a mesma atitude sectária. A rutura entre as duas maçonarias não foi definitiva até o início dos anos 1960. O fato é ainda mais incompreensível que sobre o mérito, a exclusividade proclamada por Londres aplica-se tanto às potências e lojas deístas como as da Grande Loja de França ou do Direito Humano que trabalham sob os auspícios do Grande Arquiteto do Universo, quanto a aquela que fazem da liberdade absoluta de consciência a pedra angular de sua filosofia.
É verdade que no que diz respeito à Federação Internacional du Droit Humain, que possui há bastante tempo lojas em países dominados pela GLUI, a loja mista é um dos principais motivos para o não reconhecimento, ainda mais inaceitável que a liberdade de consciência. Se somarmos a essas diferenças a visão política ou social que certas lojas liberais defendem, não faltarão motivos para explicar a fratura que atravessa a maçonaria mundial. Mas tanto quanto razões ideológicas ou filosóficas, esta divisão é o resultado de circunstâncias geopolíticas ligadas à respetiva influência da França e da Inglaterra no mundo desde o final do século XVIII.
O papel da maçonaria francesa no desenvolvimento das idéias liberais na Europa havia desafiado os britânicos e estes puderam constatar o efeito dessa propaganda. Em primeiro lugar, na América por ocasião da expedição do maçon Lafayette, depois na Irlanda uma geração mais tarde. A grande revolta dos patriotas irlandeses de 1798 que foi afogada em sangue tinha tido como líder Wolfe Tone, um republicano liberal de religião presbiteriana que não sabemos se foi iniciado, mas de quem uma loja do rito irlandês tem seu nome. Vestido em uniforme francês, ele estava no navio comandado pelo maçon e corsário Jean-Baptiste Bompard cuja tentativa de desembarque em Donegal terminou em um fiasco. Esta foi a época em que como uma reação contra a maçonaria do Iluminismo, os mais conservadores dos protestantes irlandeses criaram a ordem para maçônica de Orange. O antagonismo entre duas visões de maçonaria era parte da história. A animosidade inglesa em relação a tudo que vinha da França, já grande, é reforçada nos anos seguintes diante de Napoleão I e seu Areópago de marechais maçons que pretendiam colocar a Europa sob um golpe regulada por um imperador coroado pelo papa … a quem o maçon “inglês” Blücher fez vomitar na planície de Waterloo.

Duas religiões, duas legitimidades

Não se pode nunca destacar suficientemente a importância da questão religiosa na diferença que opõe a visão do mundo anglo-saxã à visão de mundo latina e, especialmente francesa. Mas aqui, ela é menos diferença doutrinária entre católicos e protestantes que visões de mundo, resultantes de diferentes sistemas de fidelidade. No Reino Unido, cuja história é tão sangrenta quanto a da França pelas guerras religiosas, é a rainha ou o rei que incorpora a legitimidade política confundida com a legitimidade religiosa. A Maçonaria, cujo surgimento no final do século XVII foi também uma empresa para reunir aqueles que estavam dispersos em excesso de conflitos religiosos, naturalmente se alinhou sob a coroa simbolizando a unidade do país. Tradicionalmente, e até hoje, são príncipes de sangue real que dirigem, pelo menos simbolicamente, a Maçonaria Inglesa. Foi o mesmo na França até a Revolução, primeiro, e depois sob Napoleão, e sob as duas restaurações que se seguiram. Até a Segunda República, as condenações papais tiveram pouco efeito sobre o ingresso de católicos, incluindo muitos religiosos na Maçonaria. Neste contexto, a figura eminente de Joseph de Maistre, um fervoroso Católica que desprezava a República e também propagador na Europa do Rito Escocês Retificado, ilustra essa distorção. Entretanto, com a evolução autoritária do Segundo Império concomitante com mudanças sociais trazidas pela Revolução Industrial, a Maçonaria francesa mudou gradualmente de face. Anteriormente monarquista, católica e aristocrática, ela gradualmente se torna popular, pequeno-burguesa, republicana, senão protestante e judaica, pelo menos amplamente aberta às correntes liberais dessas duas religiões. Isso foi verdade tanto para a Grande Loja de França quanto para o Grande Oriente de França. No entanto, esta evolução liberal, se não libertária, foi parada por dois eventos, aparentemente independentes, mas que de fato imporia à Maçonaria francesa uma nova aliança legalista. Em primeiro lugar, o esmagamento da Comuna de Paris na qual estavam envolvidas lojas parisienses obreiras, foi amplamente aprovado pelas lojas republicanas burguesas do Grande Oriente de França. Então, em 1877, o abandono pelo GODF da referência ao Grande Arquiteto do Universo, consagrou a preeminência da potência enquanto “Igreja da República”, dando aos seus membros um papel de Cavaleiros Templários seculares que eles assumem com zelo até nossos dias.
É assim tanto uma briga doutrinária quanto um conflito de legitimidade que levou a partir de 1877 a uma rutura de fato entre o Grande Oriente da França e a Grande Loja Unida da Inglaterra. Conflito ainda mais marcado pelo fato de que a época era de expansão colonial. E nós sabemos quanto a Maçonaria operava tanto para o poder colonial francês quanto para o papel do Império Britânico, como um traço de união com as elites locais. Como zelosos missionários, funcionários e militares maçons de ambas as margens do riu delimitaram suas respetivas zonas de influência como fizeram na África após o incidente de Fashoda. Para as obediências francesas as possessões na África, Indochina e do Pacífico. Para a GLUI a Índia, Oriente Médio e suas colônias africanas. A América do Norte, embora já adquirida pela GLUI permaneceu ainda aberta por muito tempo às relações com a maçonaria liberal, enquanto a América Latina, constituída por Estados soberanos teve o prazer de conciliar as duas influências, mas com uma preferência, por vezes, pela visão liberal.
Assim, o mapa da maçonaria mundial fora da Europa foi delimitado a partir do final do século XIX. E iso até a descolonização. Essa teve, primeiro, o efeito de eliminar a Maçonaria de territórios onde ela não estava estabelecida somente entre os colonos e expatriados ou entre uma franja fina das elites ocidentalizadas. Este foi o caso para as lojas francesas em todo o Magrebe, bem como na Indochina onde tudo o que era maçônico foi de barco para o exílio e a derrota. Para os ingleses, foi a ascensão do nacionalismo árabe que em seu auge depois de 1956, varreu as poderosas potências maçônicas egípcia e iraquiana. Somente resistiriam para os liberais as maçonarias da África negra e de Madagáscar e para a “regulares” a maçonaria indiana, ainda que muito reduzida desde os dias de Kipling, permanece até hoje a única maçonaria de alguma importância na Ásia.

“Guerra Fria” entre maçons

Se este quadro, traçado apressadamente permanece ainda atual em termos gerais, ele sofreu desde os anos sessenta a uma série de alterações que modificam um pouco as suas perspetivas. De particular interesse é a crescente influência da Grande Loja Nacional Francesa, que defende os interesses da GLUI sob a bandeira francesa. Mais uma vez, é preciso fazer um pouco de geopolítica. O Rito Inglês no estilo Emulação introduzido na França em 1901, na Loja Anglo-saxã, criada dentro da Grande Loja de França tinha uma influência muito limitada até depois da Segunda Guerra Mundial, quando sob a influência de muitos maçons americanos presentes nos quadros da OTAN, foi criada a GLNF reconhecida imediatamente como regular pela GLUI. Até então, ao contrário dos ingleses, os maçons americanos mantinham relações cordiais com seus irmãos franceses. Mas a decisão do general de Gaulle de se retirar da OTAN, quando as bases militares deixaram o território francês em meados da década de 1960 levou a uma verdadeira guerra fria entre maçons franceses, todas as potências combinadas, exceto a GLNF e maçons do mundo anglo saxão.
A famosa “arrogância” francesa foi na época qualificada de cripto-comunista, epíteto com que foi presenteado o Grão-Mestre do GODF, Jacques Mitterrand, por todos aqueles que, na maçonaria francesa e internacional reprovavam a politização da potência. Entenda-se isso como progressista. Esta reputação colou-se de uma vez por todas à obediência da Rue Cadet e foi, portanto, possível, ao abrigo de regularidade e ortodoxia do rito, talhar-lhe algumas pedras brutas em seu jardim africano. Assim, enquanto que, por tradição e também pelo jogo político, a maioria das lojas da África Negra permaneceram na órbita do GODF após a independência, vimos aqui e ali, principalmente no Gabão, aparecer potências nacionais ligadas à GLUI, mas apoiadas, se não sustentadas pela GLNF.
Aqui se coloca a questão de difícil compreensão para o profano, da relação entre rito e potência. Se a diferença entre “regular” e “liberais” se limitasse apenas ao rito, ela não teria razão de ser. O que é comumente chamado de ritos ingleses, isto é, os chamados Emulação e Rito de York, que são os da GLNF, são praticados por algumas lojas do Grande Oriente de França e do Droit Humain. Além disso, o antigo Grão-Mestre do GODF Alain Bauer é um alto dignitário do Rito de York no seio da obediência. Da mesma forma, o Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA) quase desconhecido no Reino Unido, e muito menos na Escócia, é praticado por algumas lojas americanas e de uma forma quase exclusiva pela Grande Loja de França e do Droit Humain. A mesma situação vale para os altos graus cujos capítulos em todo o mundo, obedecem à mesma distribuição geopolítica que as lojas simbólicas.

Os “Regulares” majoritários, mas em declínio constante

Isto pode parecer absurdo e, em princípio, contrário ao espírito da Maçonaria, cujo principal objetivo é reunir o que está espalhado. No entanto, é ela que, ainda hoje, desenha a paisagem maçônica mundial e ainda mais nas próximas décadas vai decidir o futuro da maçonaria em geral. Não nos enganemos: em nível global, a maçonaria não para de declinar desde os anos 1960. Para isso pode-se encontrar muitas explicações, mas não se saberia analisar o fenômeno, sem levar em conta a especificidade da Maçonaria “regular”, ali onde ela era mais poderosa, ou seja, no mundo Anglo Saxão. Se tomarmos o exemplo dos Estados Unidos, os maçons que encarnaram até a Segunda Guerra Mundial, as ideias fundamentais da democracia americana, gradualmente abandonaram qualquer pensamento social, em favor de uma visão conservadora, congelado, antiquada da sociedade americana. Tudo o que esta última fez evoluir na segunda parte do século XX foi, se não combatido, pelo menos, ignorado pelas lojas. A emancipação dos negros, embora ainda existam batalhar a vencer, já é uma realidade na sociedade americana, embora brancos e negros tenham uma maçonaria separada com base no princípio da segregação. O lugar da mulher na sociedade americana, provavelmente o mais avançado do mundo ocidental, ainda é um tabu na Maçonaria estadunidense onde lojas mistas estão ausentes e lojas femininas quase inexistem. Finalmente, a questão do reconhecimento do fato homossexual não só está a milhares de quilômetros das preocupações das lojas americanas, mas certas entre elas, como recentemente no Tennessee, pronunciaram-se abertamente em favor de medidas discriminatórias contra a comunidade gay.
A isso se soma uma prática maçônica muito estranha que se transforma a iniciação em uma espécie de trote e a frequência às lojas uma formalidade social. Na verdade, durante as aulas de um dia, cerimônias de um dia inteiro, que os candidatos ingressam e passam pelos três primeiros graus, antes de prosseguir em uma carreira maçônica nos altos graus de maneira quase tão rápida, pontuadas por três ou quatro sessões realizadas por ano.
Distante das realidades da sociedade, envelhecida, reduzida a uma atividade de clube de serviço, a maçonaria americana, que teve quase quatro milhões de membros nos anos 1950 não contam hoje nem com a metade disso. E, ainda, este número inclui todos aqueles que em um momento ou outro foram iniciados. O número real de membros da Maçonaria norte-americana seria mais perto de duzentos mil membros, em sua maioria com idade superior a setenta anos.
Esta situação não é muito diferente no Reino Unido, onde a maçonaria, antes emblemática de um certo modo de vida britânico, está em declínio constante. Certamente, os rituais são praticados ali de maneira mais séria do que nos EUA, mas as sessões obrigatórias têm lugar apenas uma vez a cada dois meses, e a Maçonaria britânica, em seu todo muito conservadora e comprometida com a crença em um deus revelado, está separada de uma sociedade cada vez mais multicultural e cada vez menos religiosa. A ausência de debates sociais em loja, o envelhecimento dos membros, a recusa absoluta das lojas mistas e a quase ausência da maçonaria feminina completam um quadro pouco dinâmico que se pode, com apenas alguns detalhes a mais ou a menos, transpor para a Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Canadá e Israel, países onde a maçonaria ligada à GLUI foi por muito tempo poderosa.

… e os liberais minoritários que progridem

Em última análise, com exceção da pequena Islândia, pais que tem a maior proporção de maçons no mundo, é na França que a maçonaria inglesa seria mais dinâmica. E não é sem interesse saber dos os esforços feitos pelas potências francesas, incluindo o Grande Oriente da França principalmente (ver quadro), mas também o Droit Humain, para se implantar e, se possível progredir no Reino Unido (duas lojas do GODF, doze lojas do DH e uma loja do Grande Oriente da Itália) e na Irlanda (três lojas do GODF). Note-se também que ao lado de algumas lojas liberais localizadas em Nova York, é na Califórnia que as esperanças de um renascimento da maçonaria americana são maiores, com uma loja do GODF em San Francisco, mas também contatos esporádicos sob a cobertura de simpósios históricos e em outros eventos entre a Grande Loja da Califórnia e o GODF, bem como da Grande Loja Feminina de França e o Droit Humain. Observou-se também, na década de 2000, a presença de representantes do GODF e da Grande Loja de França, durante uma conferência maçônica por iniciativa da Grande Loja de Minnesota. No entanto, por mais promissores que sejam, esses contatos não foram acompanhados por nenhum acordo entre as potências e o horizonte de reconhecimento ainda parece muito distante.
Fora a África Ocidental, tradicional território de potências francesas, e em alguns países do sul da Europa (ver caixa), é hoje na América Latina que a Maçonaria liberal mais se desenvolve. Tradicionalmente ligada à emancipação dos povos da região através da memória de maçons ilustres que foram José Martí em Cuba, Giuseppe Garibaldi no Uruguai e Simon Bolívar, o libertador do subcontinente, a maçonaria liberal ali se desenvolve há bastante tempo uma fraternidade matizada de cultura latina e secularismo. O México tem sido há tempos a ponta de lança, enquanto que no Uruguai se encontra a loja mais antiga da América do Sul filiada ao GODF. No Brasil, que tem uma infinidade de potências, incluindo a tradição “egípcia”, a maçonaria é um bom exemplo de diversidade, mas também de desunião, mas com um aumento acentuado de lojas do Droit Humain. Por outro lado, na Argentina e, em menor medida, no Chile, onde se encontra um Grande Oriente Latino-americano, a margem de progressão da maçonaria liberal continua a ser considerável.
O mesmo se aplica ao Extremo Oriente, onde, além da Índia, que conta com cerca de 20.000 maçons, maçonaria tanto “regular” quanto liberal nunca fez sucesso. Provavelmente porque têm a sua própria abordagem simbólica, os chineses, japoneses e Thais nunca estiveram realmente interessados em uma maçonaria que, embora queira ser universal, baseia-se na mitologia bíblica, bem como uma forma de pensamento, características e ferramentas simbólicas de mentalidade ocidental. Falar de colunas do templo de Salomão a um chinês para quem o mundo é circular ou de secularismo a um japonês, cuja identidade é inseparável do culto xintoísta não faz sentido algum.
Resta o mundo árabe-muçulmano, onde algumas pessoas nutrem desde longo tempo a esperança de restaurar a maçonaria à sua antiga glória para conter o máximo possível o fanatismo religioso. Totalmente ausente da Argélia, a Maçonaria existe na Tunísia com lojas filiadas ao GODF, cujos membros se reúnem na discrição mais absoluta. Fora a notável exceção do Marrocos, onde quase todas as potências liberais estão representadas, e o Líbano, onde se enreda uma multiplicidade de potências cujo número de membros não excede, normalmente, dez membros, a maior parte do mundo árabe e muçulmano também parece fechado para a Maçonaria como ela é hoje, para o secularismo, para a emancipação das mulheres e para a tolerância em relação à homossexualidade.
A cifra de sete milhões de maçons em todo o mundo, às vezes apresentada, é certamente falsa. Sem dúvida, ela está realmente mais perto de dois milhões de maçons ativos. E desse número, pouco mais do que três a quatro centenas de milhares de irmãos e irmãs estão sinceramente comprometidos com a liberdade de consciência, o respeito pelos outros na sua diversidade e convencidos de que devem trabalhar tanto para a melhora do homem em seus aspetos morais quanto materiais. É muito pouco. Mais uma razão, nestes tempos tenebrosos, pare que cada um se ocupe em recuperar a sua luz sobre o mundo.

Quadros

A Aliança Maçónica Europeia. Um lobby maçônico em Bruxelas
Tradicionalmente, na Europa, os “regulares” estavam no Norte e os liberais no sul. Esta realidade geográfica se cruza com outra história, que deixou traços. Fora das maçonarias austríaca e alemã, predominantemente “regulares”, são essencialmente os liberais que foram perseguidos por ditaduras comunistas e fascistas. Assim, certamente, existe maior tradição de discrição no sul da Europa. Depois de 1989, foi a corrida para o Leste para uns e para outros. Quase trinta anos depois, se contarmos belas realizações nos Balcãs, a presença maçônica na Rússia e na Europa Oriental ainda está em formação. Se as maçonarias polonesa e húngara são bem constituídas, eles mostram coragem em países cujos governos leem seu futuro no seu passado mais obscuro.
Fora seus dois pilares que são a França e a Bélgica, a Maçonaria liberal é representada por potências nacionais ligadas principalmente ao Grande Oriente de França e ao Droit Humain em cerca de quinze países europeus. Com exceção da Sérvia, as potências liberais desses países *, a que se juntam a Turquia e o Marrocos constituíram há dois anos a Aliança Maçônica Europeia que agrupa 22 potências. “Trata-se de representar junto às autoridades europeias uma força de diálogo e proposta baseada no secularismo e nos valores de escuta e tolerância da Maçonaria adogmática. Julgamos ser útil se fazer ouvir por meio de lobbies junto a Bruxelas para não deixar este terreno às religiões e à extrema direita. Atualmente, somos signatários da petição Wake Up Europe denunciando os abusos do regime autoritário de Viktor Orban na Hungria. Não nos opomos à que os “regulares” se juntem a nós, mas por enquanto eles estão ausentes neste terreno”, explica Henri Sylvestre, Grande Secretário para os Assuntos Externos do GODF, potência que, junto com o Grande Oriente da Bélgica e as federações do Droit Humain estavam na origem desse projeto.
Contacto - Aliança Maçônica Europeia, 75 rue de Laeken, 1000 Bruxelas secretariat@ame-ema.eu
* Áustria, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Hungria, Luxemburgo, Marrocos, Holanda, Polônia, Portugal, Romênia, Eslovênia, Suíça, Turquia.

Inglaterra. Quando os franceses desembarcam…

Terra de Missão, ou terra simplesmente incógnita para os franceses de tradição adogmática, o Reino Unido tem alguns poucos passageiros (quase) clandestinos, seguidores de uma maçonaria aberta de Rito Francês, trabalhando em Inglês, e que até defende as lojas mistas. Chocante!
Em 2010, Philippe Bodhuin, de Calais era conselheiro da ordem do GODF e membro da Loja Hiram, única loja francesa trabalhando em francês em Londres por mais de cem anos. “Esta situação não era absolutamente satisfatória. A ideia nos ocorreu de criar uma loja trabalhando em Inglês, de modo a não limitar o recrutamento aos expatriados”. Isso foi feito em 2010, quando foram criadas as R.L “Freedom of Conscience” – Liberdade de Consciência – que se reúne em um templo do Droit Humain, já presente no Reino Unido. A partir de um núcleo de 26 membros originários da Loja Hiram, esta nova loja procedeu então a uma dúzia de iniciações, incluindo dois ingleses. O que é mais um feito que, de acordo com Philippe Bodhuin que é o atual venerável, “Recebemos regularmente membros da GLUI que não assinam o livro de presença, mas estão muito interessados em nossos trabalhos com os ritos francês e Inglês. Eles ainda descobrem uma maçonaria ativa na qual é possível não acreditar em deus ou na imortalidade da alma, crença obrigatória em lojas inglesas, embora muitos de seus membros não acredito nisso.”
Quanto às lojas mistas, está programado assim que a oportunidade surgir. Além disso, o fato de estar em Londres é de interesse para esta loja, para misturar-se a uma população cosmopolita atraída pela maçonaria, mas que ignorava tudo sobre a maçonaria de Rito Francês. O que já permitiu estabeleceu contactos com maçons de Malta e criar três lojas na República da Irlanda.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

A SOCIEDADE DO MISTÉRIO




Foi recentemente publicado mais um livro do notável escritor Dominique Fernandez (n. 1929), membro da Academia Francesa.

Autor de vastíssima obra, que inclui romances, ensaios, biografias, livros de viagens, livros de fotografias, traduções, e até o libretto de uma ópera, num total de cerca de cem títulos, Fernandez deu agora à estampa um curioso livro, La Société du mystère, volume grosso de 600 páginas, em que, valendo-se da sua extraordinária erudição, imagina uma autobiografia do pintor Agnolo Bronzino, um dos vultos mais famosos da pintura maneirista do Renascimento Italiano. Tem Dominique Fernandez três paixões principais: os rapazes, a pintura e a Itália, creio que por esta ordem. E toda, ou quase, a sua obra é colorida pela homossexualidade, pela arte (nomeadamente pintura e escultura) e pela Itália, sem esquecer obviamente a Grécia, e também a Rússia e os outros países de Leste, e noblesse oblige, mesmo o mundo árabe (Síria e Argélia), e outros cantos do globo, sobre os quais escreveu.

São Sebastião (Bronzino)

Não obstante as suas preferências, Dominique Fernandez foi casado entre 1961 e 1971 com Diane de Margerie, e tem dois filhos (talvez para confirmar o repto de André Gide).

Neste livro, o autor imagina ter comprado num bouquiniste de Florença, especialista em arte, perdido entre muitas obras, um livro antigo, velho de mais de quatro séculos, obra certamente não referenciada pelo proprietário que a vendeu por quarenta euros. Tratava-se nem mais nem menos do que a biografia do famoso pintor Jacopo Pontormo, escrita pelo seu aluno, e amante, Agnolo Bronzino. E pelo texto que se vai lendo, mais do que a vida do mestre, Bronzino acaba por retratar a sua própria vida, como não poderia deixar de ser e convinha à imaginação de Fernandez.

Luneta da Villa Medici, em Poggio a Caiano (Pontormo)

O livro começa assim: «Jacopo m'a-t-il violé, à quatorze ou quinze ans, comme beaucoup de ses confrères le faisaient, usant de leurs élèves pour le bien de ceux-ci, selon une coutume réprouveé par les prudes et sévèrement condamnée par les lois mais répandue dans les ateliers» (p.13). Estava dado o tom.

Idem (pormenor) - Bronzino serviu de modelo para o rapaz despido

Ao longo do livro, Dominique Fernandez procede a uma reconstituição da vida de Bronzino, baseado em factos reais e no seu conhecimento dos costumes da Itália do tempo, mas não deixando de ficcionar largamente a vida do pintor, como é aliás próprio de um romance que nem sequer pretende ser romance histórico.

Angelo di Cosimo di Mariano, chamado o Bronzino devido ao tom bronzeado da sua pele, nasceu em Monticelli (subúrbios de Florença), em 17 de Novembro de 1503 e morreu na mesma cidade em 23 de Novembro de 1572, em casa do seu discípulo preferido, um misto de filho e amante, Alessandro Allori, que também usaria o nome de Alessandro Bronzino, tal a ligação entre ambos.

Saiu de casa de seus pais aos catorze anos, a convite do famoso pintor Pontormo, para trabalhar como seu ajudante, como era normal na altura, e foi por este iniciado não só nos mistérios carnais (fazia parte da preparação) mas também na técnica da pintura, já que o mestre logo lhe detectou particulares qualidades, que haveriam de fazer dele um dos grandes nomes do Renascimento. Anos depois, abandonou o atelier de Pontormo (homem de comportamentos extravagantes), transferindo-se para casa própria e sendo também colaborador, e igualmente amante do não menos famoso Benvenuto Cellini, o autor do incomparável Saleiro em ouro que está hoje no Kunsthistorisches Museum de Viena e do Perseu com a Cabeça de Medusa, que se encontra na Loggia dei Lanzi de Florença.

Segundo Bronzino (isto é, Fernandez) os pintores da fase final do Renascimento seriam Masaccio, Masolino, Filippo Lippi, Paolo Ucello e Piero della Francesca (primeira geração); Leonardo Da Vinci, Botticelli, Ghirlandaio, Filippino Lippi, Perugino (segunda geração); Miguel Ângelo e Rafael (terceira geração) e Giovanni Battista di Jacopo Guasparre, conhecido por Rosso Fiorentino, Benvenuto Cellini e Agnolo Bronzino (quarta geração). (p. 76) No diálogo em que é feita esta afirmação não estão citados, por exemplo, Pontormo ou Andrea del Sarto.

Dionysus e Ampelus (Pierino da Vinci)

No livro, Bronzino alude às suas relações com outros artistas, como Pierino da Vinci, sobrinho de Leonardo da Vinci, Giovanni Bazzi (il Sodoma), Girolamo Mazzola (il Parmigianino), etc.

Voltando às épocas da pintura florentina (p. 403), Fernandez escreve: «l'âge de l'éveil, au sortir de la barbarie gothique (Cimabue, Giotto, Orcagna, valeureux pionniers); un deuxième âge, celui de la maturité (Paolo Uccello, Fra Angelico, Masaccio, Piero della Francesca, le quinzième siècle en général); le troisième âge, le nôtre, celui du seizième siècle, l'âge de l'acomplissement, de la perfection, qui s'est ouvert avec Botticelli, épanoui avec Léonard, pour culminer de nos jours, avec Miche-Ange.»  E à pergunta de Sandro (Alessandro Allori, o discípulo amado), «un quatrième âge est-il possible?» Bronzino responde: «Oui, possible et même arrivé, mais forcément inférieur au troisième, car à la perfection ne peut succéder que le déclin.»

Não sendo possível referir todos os aspectos relevantes da obra, nem mesmo os mais significativos, registemos a visão geral. O leitmotiv é, como não podia deixar de ser, a questão do sexo, especialmente as relações entre o sexo masculino, e a sua repercussão na arte. E as "habilidades" dos pintores e escultores para representarem o nu, tão integral quanto possível, numa sociedade simultaneamente muito permissiva e muito repressiva. Por exemplo, o famoso Benvenuto Cellini foi sentenciado quatro vezes por relações com rapazes, a última com o seu aprendiz Fernando di Giovanni di Montepulciano, que lhe valeria quatro anos de prisão, comutada em quatro anos de prisão domiciliária, graças à intervenção dos Médicis. Bronzino, com muito tacto, conseguiu "passar entre os pingos da chuva", ocultando normalmente nas suas pinturas as "partes vergonhosas" com um tecido ligeiro. Só Miguel Ângelo, considerado il Divino, não foi verdadeiramente incomodado, embora um papa tivesse encarado a hipótese de desfigurar ou mesmo apagar os nus da Capela Sixtina, o que teria sido para a Humanidade uma irremediável perda.

Ganimedes e a águia (Cellini)

Muitos destes artistas, Bronzino é um exemplo, foram também poetas de mérito, trocando entre si os seus escritos, em que se enaltecia a beleza dos jovens e os seus atributos. Escreve Fernandez (de seu próprio punho) quando resolve fazer durante o livro considerações para explicitar o "texto" de Bronzino: «Bronzino répète qu'il s'en voulait de duper cette excellente personne, pour laquelle il se sentait une sincère affection, malgré la surprise de l'avoir découverte un peu différente de ce qu'il avait cru. Elle n'avait rien compris à ce sonnet, rien deviné des sous-entendus, rien flairé de ce qu'il renfermait de scandaleux, preuve qu'il était réussi: assez énigmatique pour garantir à son auteur l'impunité, assez audacieux pour se faire admettre dans la "société du mystère" (comme ils l'appelaient entre eux). (pp. 194-5)

Esta "sociedade do mistério" que dá o título ao livro, funcionava perfeitamente, ou quase, em Florença, apenas expondo os incautos ou atrevidos ao rigor da lei. No último capítulo surge mesmo don Agostino Lupi, prior de San Lorenzo, ele que era suposto ser um homem mais aberto, a sustentar os benefícios da censura e da Inquisição na produção artística. Segundo don Agostino, o facto de os artistas recearem expor abertamente os sexos do sexo masculino, os corpos demasiado ostensivos dos jovens, obrigava-os a um contorcionismo, a uma capacidade inventiva para respeitar os limites do admissível, residindo nessa atitude a verdadeira arte. Os que transgrediam, como Pontormo ou Cellini, corriam ao desastre. Daí, a bondade do Index.

Não deixa de ser curiosa esta reflexão de Dominique Fernandez, ainda que felizmente tal prática não tenha constituído regra. Embora muitas vezes seja mais excitante um quase nu do que um nu integral. E quando os artistas optaram pelo quase não foi sempre por receio das perseguições dos poderes civis ou religiosos.

Este livro, tão volumoso, após quase uma centena de obras, aparece como que um testamento literário (e artístico) do autor, que conta agora 88 anos. Ao apropriar-se da figura de Bronzino, que ele muito admira, Fernandez exprime pela imaginária pena dele o seu próprio pensamento. Não que não fosse já suficientemente conhecido, mas surge aqui devidamente condensado pela suposta mão de um pintor renascentista. Diria mais: a partir de metade do livro, este tende a confundir-se com uma biografia do próprio Fernandez, ressalvadas as circunstâncias de época. E é por isso que, de vez em quando, o autor suspende a pretensa narrativa bronziniana para exprimir directamente o seu pensamento, à luz da época presente.

sábado, 7 de outubro de 2017

O IRÃO E OS COSTUMES



Transcrito da "Booksletter" de hoje:

 

Quand l’Iran avait des mœurs libres

 
Dans son film d’animation, Téhéran Tabou, Ali Soozandeh énumère les fardeaux qui pèsent sur l’intimité des Iraniens et des Iraniennes. Cette conception très stricte de la sexualité qui règne aujourd’hui dans le pays n’a rien de traditionnel, rappelle l’historienne iranienne en exil Janet Afary dans Sexual Politics in Modern Iran. C’est le mouvement de modernisation, apparu avec la révolution constitutionnelle de 1906, qui a modifié les mœurs. Alors que l’Iran se montrait jusque-là tolérant en ce qui concerne la sexualité et valorisait même l’homosexualité, certains « modernes » ont importé les discours venus d’Occident sur le genre et le sexe.
La feuille satirique Molla Nasreddin publiée entre 1906 et 1931 a été ainsi le premier journal du monde musulman chiite à défendre la norme hétérosexuelle. Servant de modèle à plusieurs autres publications, son discours a façonné durablement le débat. D’éminents partisans de la révolution de 1906 en ont profité pour montrer du doigt des personnalités politiques de premier plan en raison de leur sexualité. Quand Reza Kahn s’autoproclame shah en 1925, il s’efforce d’interdire l’homosexualité. « Le vrai patriote devait changer d’orientation sexuelle et délaisser les garçons pour les femmes, affirmaient haut et fort les grandes figures politiques et intellectuelles de l’époque » écrit Afary. Elle ajoute que « la plupart des défenseurs des droits des femmes souscrivaient à ce projet car il encourageait l’amour hétérosexuel et monogame dans le mariage ».
Les allusions à l’amour homosexuel sont peu à peu éliminées des manuels scolaires et même des nouvelles éditions de textes classiques. La censure a effacé toute cette partie de la mémoire collective. L’hostilité à l’homosexualité a alors pu jouer un rôle important dans la révolution de 1979, ce qui explique en partie la virulence de la répression actuelle.
A lire dans Books : L’homophilie oubliée de la société iranienne, décembre 2011.
   
Sexual Politics in Modern Iran par Janet Afary
Éditeur: Cambridge University Press
Date de parution: 2009

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

ALBERT RIVERA




Não é despiciendo recordar um cartaz de Albert Rivera, líder de Ciudadanos, quando pousou nu durante a campanha eleitoral para o Parlamento da Catalunha, há dois ou três anos, se não estou enganado.

Na altura o novo partido surgia como uma esperança para os espanhóis, com o PP envolto em escândalos e o PSOE profundamente desgastado. E para muitos, o Podemos era demasiado à esquerda.

Com as posições que tem estado agora a tomar, de apoio à política suicida de Mariano Rajoy, Rivera, possível alternativa de centro a um governo da direita, perde progressivamente o capital político inicial. A propósito da alocução de ontem de Felipe VI, já ouvi dizer: o rei vai nu. Parece que é pertinente acrescentar: e Rivera só não passa a ir nu porque já estava, conforme propaganda partidária. A menos que a foto tivesse outras intenções que extravasassem do foro político.


segunda-feira, 2 de outubro de 2017

JORGE LISTOPAD




Morreu ontem em Lisboa, com 95 anos, o escritor, professor, realizador televisivo, encenador teatral e de ópera e cronista checo Jorge Listopad, que se encontrava radicado em Portugal desde os finais dos anos 50 do século passado.

Homem de vasta erudição, exerceu diversos cargos públicos, como presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Teatro e Cinema, co-director do Teatro Nacional D. Maria II ou professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Foi o fundador do Grupo de Teatro da Universidade Técnica de Lisboa.

Fugido da Checoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial, Jorge Listopad, que era doutorado em Filosofia pela Universidade Karolinum, de Praga, viveu exilado em Paris, trabalhando para a Televisão Francesa, antes de se instalar definitivamente em Portugal.

Tive o privilégio de com ele conviver de perto, durante muitos anos, especialmente durante o tempo  em que fui director do Teatro Primeiro Acto. Concebemos alguns projectos em comum que apenas não se realizaram por ausência das indispensáveis subvenções. Mas ele acompanhou-me sempre nos espectáculos que apresentei naquele teatro e em outras iniciativas de carácter cultural que tive ocasião de promover.

Deve recordar-se que se deve a Listopad a "descoberta" da peça O Fim, de António Patrício, que ele encenou na Casa da Comédia, em 1971, um espectáculo inesquecível.

Não cabe aqui a descrição da sua imensa actividade no nosso país ao longo de mais de cinquenta anos. Mas as necrologias certamente colmatarão as falhas.

Com a sua morte desaparece uma das últimas grandes figuras do meio teatral  e cultural que se distinguiram em Portugal na segunda metade do século XX.

domingo, 1 de outubro de 2017

OUTRAS IGREJAS DE BUDAPESTE

Possui Budapeste, tal como Viena e Praga, excelentes igrejas. Nas minhas voltas pelas ruas da cidade, há dois meses, tive oportunidade de visitar algumas, tendo já referido neste blogue a Catedral de Santo Estêvão, a Igreja de Mátyás e a Igreja Paroquial da Baixa da Cidade.

Mencionarei hoje outras igrejas.

A Igreja de São Francisco,  ou Igreja Franciscana, na Ferenciek tere, foi construída no século XIII e transformada em mesquita pelos turcos no século XVI. Depois da libertação da cidade a igreja foi reconstruída em estilo barroco pelos monges franciscanos. O portal da fachada ostenta a insígnia da Ordem encimada por uma imagem da Virgem Maria adorada por dois anjos. Lateralmente, as estátuas de outros santos franciscanos.  O interior da igreja está decorado com frescos de Károly Lotz, de finais do século XIX e pinturas de Victor Kremer, da primeira metade do século XX. O altar-mor barroco possui esculturas dos séculos XVIII e XIX.









A Igreja de São Miguel ( Belvarosi Szent Mihaly Templom) fica situada na Vaci utca, mas do lado menos turístico da incontornável rua, isto é, à direita da Igreja Franciscana, para quem está de frente. Foi construída no século XVIII no local de uma igreja medieval dominicana destruída durante a invasão turca. O edifício actual, em estilo barroco, foi renovado nos anos 90 do século passado e inclui preciosos frescos no santuário e na sacristia. A fachada ostenta a imagem da Virgem Maria e lateralmente de São Domingos e de São Tomás de Aquino. O altar-mor, os bancos e o mobiliário da sacristia, anteriores a 1760, são obra dos frades dominicanos. No altar-mor uma pintura de São Domingos recebendo um rosário da Virgem. Ladeando a pintura, quatro estátuas: à esquerda, o papa Pio V e Santo Antonino, arcebispo de Florença, e à direita, Santo Agostinho e o papa Inocêncio V. O primeiro órgão da igreja deve-se a Joseph Herodek (1801) e foi remodelado por Rieger em 1893, tendo sido novamente renovado em 1951. Sobre o órgão estátuas barrocas representando o rei David tocando harpa acompanhado por dois anjos. A igreja é habitualmente palco de concertos de órgão.