sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ET SATAN CONDUIT LE BAL



Alexei Tikhomirov, em Mefistófeles, cantando "Le Veau d'Or", do Faust, de Gounod

Após meses de guerras, atentados, actos terroristas, perseguições religiosas, terramotos, calores e frios jamais sentidos em terras normalmente amenas (com o subsequente cortejo de incêndios, chuvas, inundações, neves, furacões e calamidades similares), crises profundas dos sistemas económico e financeiro (devidas à acção criminosa da especulação internacional), tráfico de pessoas, de órgãos humanos, de droga e de armamento, negação dos direitos humanos, pobreza quando não miséria atroz, doença, assassinatos selectivos, terrorismo de Estado, desprezo pelos mais fracos e subserviência perante os mais fortes, após todo este infindável cortejo de horrores, o ano de 2010 despede-se (segundo o calendário ocidental) das suas vítimas.


Crentes e incréus, manifestam o seu espanto face às desgraças que, num tempo que se pretendia e suporia de paz e de fraternidade, o mundo mais se assemelha a um palco infernal onde desfilam ininterruptamente personagens sinistras. Os incréus protestarão uma vez mais contra a maldade dos homens e das instituições que os integram; os crentes, esses não poderão deixar de pensar que é Satan quem continua a conduzir o baile!
 

REAJUSTAMENTO PARTIDÁRIO NA SÍRIA

 

Cinco facções do partido sírio Ba'th (Ressurreição) constituíram anteontem um novo partido, o Partido da Ressurreição e da Renovação. As facções que integram a nova formação política, que terá a sede em Damasco, são o Partido da Ressurreição, o Partido da Revisão, o Partido da Unificação, o Movimento de Libertação Nacional e o Agrupamento Munadilun (dos Lutadores).

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

AINDA O DESPORTO


Segundo a edição de hoje do jornal  El País, o atleta português de origem nigeriana Francis Obikwelu poderá estar associado à operação de investigação de doping conduzida pela polícia espanhola e que já levou à detenção do treinador Manuel Pascua.

As suspeitas espanholas baseiam-se numa escuta telefónica em que "um homem africano", de acordo com a voz,  terá pedido conselhos a María José Martínez, esposa de Manuel Pascua, por ir ser sujeito a um controlo. Existem vários desportistas espanhóis na lista de suspeitos da polícia.

Aproximamo-nos rapidamente do momento em que metade da humanidade escutará a outra metade. É a vida!

ILL FARES THE LAND



Escrevi  aqui sobre a tradução portuguesa do último livro de Tony Judt Ill Fares the Land. Mas não resisto a transcrever, do original, esta passagem, a páginas 193:

«Today, it is as though the 20th century never happened. We have been swept up into a new master narrative of "integrated global capitalism", economic growth and indefinite productivity gains. Like early narratives of endless improvement, the story of globalization combines an evaluation mantra ("growth is good") with the presumption of inevitability: globalization is with us to stay, a natural process rather than a human choice. The ineluctable dynamic of global economic competition and integration has become the illusion of the age. As Margaret Tatcher once put it: There Is No Alternative.»

Recomendo a leitura deste trecho a alguns dos meus habituais comentadores.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

PALESTINA INDEPENDENTE (II)


O ministro israelita Benjamin Ben Eliezer avisou no passado dia 26, conforme se lê aqui, que dentro de um ano "o mundo inteiro" poderá reconhecer o Estado Palestiniano, propondo que as negociações que se encontram bloqueadas sejam rapidamente retomadas..

Tendo o Brasil, a Argentina, o Equador e a Bolívia reconhecido já um Estado Palestiniano independente e soberano, preparando-se o Uruguai para o fazer e havendo pressões sobre o Chile nesse sentido, tendo também Portugal, a Espanha, a França e a Noruega elevado a embaixador o estatuto do representante diplomático palestiniano nesses países, sendo a Palestina já reconhecida oficialmente por muitos países árabes, africanos, asiáticos e leste-europeus, pergunta-se Ben Eliezer o que fará o governo israelita se dentro de pouco tempo o mundo inteiro, Estados Unidos incluídos, vierem a reconhecer o Estado Palestiniano.

O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyhau insiste na conclusão de acordos parciais, solução já liminarmente rejeitada pelo presidente da Autoridade Palestiniana Mahmud Abbas, que entende chegado o tempo de um acordo global para  discutir o estatuto final e estabelecer o Estado com as fronteiras de 1967.

AGITAÇÃO NA TUNÍSIA



Desde há dez dias que se verificam sérios confrontos na Tunísia, nomeadamente na região de Sidi Bouzid, a 265 km ao sul de Tunis que, segundo o Nouvel Observateur online, levaram hoje à substituição do ministro da Comunicação, Oussama Romdhani.

Os confrontos no país tiveram início depois que, em 19 deste mês,  um jovem licenciado tentou suicidar-se, imolando-se pelo fogo, após a polícia municipal lhe ter confiscado as frutas e legumes que, sem autorização,  vendia na rua. O rapaz, que se regara com gasolina, foi salvo a tempo mas encontra-se em estado crítico; cinco dias depois. um outro jovem suicidou-se, electrocutando-se com um cabo de alta tensão.

O desemprego, nomeadamente entre a juventude, a alta dos preços e o progressivo agravamento das desigualdades sociais, com o desaparecimento, como aliás se está a verificar em toda a Europa, de uma classe média amortecedora dos choques sociais, são as principais causas dos presentes confrontos num país que é justamente considerado como dos mais tranquilos do norte de África. A região de Sidi Bouzid é vizinha da zona mineira de Gafsa, onde, em 2008, se registaram violentas confrontações com as forças da ordem.

O presidente Zine El-Abidine Ben Ali, depois dos confrontos dos últimos dias entre manifestantes e a polícia, apelou ontem à calma, ao mesmo tempo que afirmava que "a lei será aplicada com toda a firmeza" em relação a "uma minoria de extremistas". Declarando compreender a situação dos jovens desempregados, Ben Ali acusou os seus opositores de estarem a servir-se de cadeias de televisão estrangeiras, nomeadamente a Al-Jazira, para difundir alegações mentirosas e dar uma falsa imagem do país no estrangeiro.

É um facto que o fenómeno da globalização, desencadeado a partir dos Estados Unidos da América e que, por definição, vai abrangendo progressivamente todos os países, acabará por mergulhar o mundo num imenso caos económico e social donde nem os seus arautos escaparão vivos. Saturno (tal como Goya o pintou) devorará os seus próprios filhos.

PORTUGAL E O FUTEBOL



Como escreve hoje o PÚBLICO, desportivamente, "Portugal ainda é quase só um país de futebol". Relegadas para lugar inferior as restantes modalidades, o futebol, o novo ópio do povo, acarinhado e subsidiado pelos poderes públicos, é o entretém das massas, que querem panem (que começa a haver pouco) e circenses (em que o futebol abunda e cumpre a missão que lhe está superiormente reservada).

Esta euforia futebolística não é, infelizmente, específica de Portugal, já que os governos, em todos os países, promovem o "desporto-rei",  para desviar as atenções dos reais problemas dos seus povos.

Entre nós, passado que foi o prazo de validade de Figo, enaltecem-se os dotes de Cristiano Ronaldo (verdade que possui alguns) e a prosápia de Mourinho (a quem, importa dizer-se, se reconhecem, apesar da jactância, reais qualidades de treinador).



Mas existem, fora do futebol, outros desportistas nacionais, com créditos bem firmados, como Nelson Évora, actualmente o único  campeão olímpico português, e mais alguns que têm honrado no estrangeiro as cores nacionais.

Não é fácil remeter o futebol à suas justas proporções, pois movimenta muitos milhões, ou mesmo biliões de euros em todo o mundo e serve para a cobertura de negócios translúcidos, para não dizer opacos. Mas promovam-se melhor as restantes modalidades.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

NÃO HÁ VERGONHA


Segundo legislação recentemente aprovada, e agora promulgada pelo presidente da República, as coimas aplicadas aos dirigentes dos partidos vão passar a ser consideradas despesas desses partidos.

Recorde.se que as novas normas vão contra a jurisprudência do Tribunal Constitucional, conforme se pode ler aqui, e mais não fazem do que confirmar que a "classe política" portuguesa perdeu definitivamente a vergonha.

domingo, 26 de dezembro de 2010

MANUEL IVO CRUZ


Faleceu ontem, aos 75 anos, no Hospital de Santo António, no Porto, o maestro, compositor, musicólogo e historiador Manuel Ivo Cruz. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, foi bolseiro da Fundação Gulbenkian e formou-se como maestro na Academia Mozart da Universidade de Salzburg.

Ao longo de uma carreira largamente preenchida, foi director musical  e chefe da Orquestra Filarmónica de Lisboa, maestro-director do Teatro Nacional de São Carlos, presidente e director artístico do Círculo Portuense de Ópera e da Ópera de Câmara do Real Teatro de Queluz.

Dirigiu programas de música na RTP e colaborou nas saudosas temporadas de ópera do Teatro da Trindade, em Lisboa, e nos concertos da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, depois RDP.

Manuel Ivo Cruz foi um incansável pesquisador e divulgador da música portuguesa antiga e dirigiu os Cursos Internacionais de Música da Costa do Estoril.

O NATAL NA SÍRIA


O presidente da Síria, Bachar Al-Assad, felicitou ontem os responsáveis das diversas confissões religiosas cristãs do país por ocasião do Natal, festa que classificou do mais profundo significado, e que é portadora de uma mensagem de amizade, paz, segurança e igualdade entre os homens.

Segundo as estatísticas, os cristãos sírios constituem cerca de 7% da população total do país.

sábado, 25 de dezembro de 2010

A IGREJA E A CRISE


O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e Arcebispo Primaz de Braga, D. Jorge Ortiga, manifestou ontem a sua preocupação pela grave situação económica e social que se vive no nosso país, temendo "fenómenos de exclusão social que poderão provocar outras coisas que não gostaria de ver" porque "quando não há o essencial para viver,  o povo não se cala". O prelado junta assim a sua voz à de outros bispos que se têm manifestado em idêntico sentido.



Também o Bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira, advertiu para o perigo de grande instabilidade social no próximo ano se as medidas adoptadas para resolver a presente crise não forem devidamente explicadas aos cidadãos.




Igualmente o Papa, na sua mensagem de Natal, antes de abençoar os fiéis Urbi et Orbi, fez um apelo solene à Paz no mundo, salientando em especial a grave situação que continua a viver-se na Palestina, onde o governo israelita se apodera, ano após ano, do território atribuído à população árabe, e chamando particularmente a atenção às perseguições aos cristãos no Iraque, que foi o tema do nosso post de ontem, e de uma maneira geral em todo o Médio Oriente, como várias vezes temos já referido neste blogue.


Sendo a voz do Papa escutada com particular atenção em todo o mundo, não pelas hipotéticas divisões militares do Vaticano (como perguntaria Estaline) mas pela autoridade de um magistério que se impôs ao Ocidente durante vinte séculos, espera-se, e deseja-se, que Bento XVI (para lá da confidencialíssima diplomacia da Santa Sé - aonde, parece, a WikiLeaks ainda não chegou) se pronuncie publicamente sobre dois pontos que se tornaram cruciais no presente momento: a insustentável situação na Palestina (cuja adequada resolução é  indispensável ao estabelecimento de qualquer processo de paz para o Médio Oriente), e a especulação financeira internacional (que ameaça instalar o caos na vida económica mundial e reduzir à escravidão uma parte da população do globo).


É claro que há muita gente cujo único interesse reside tão só no agravamento destas situações. A esses, deverá o papa fulminá-los com a excomunhão lembrando-lhes, aos que forem crentes, que serão lançados na Gehena, Inferno ou Jahannam (consoante os credos) , onde existe apenas "choro e ranger de dentes" (Mateus, XIII).

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O NATAL NO IRAQUE

O padre iraquiano Raymond Moussalli celebra a missa de Natal, acolitado por crianças iraquianas exiladas, na igreja católica caldaica de Amann, na Jordânia

Este ano não haverá celebrações de Natal no Iraque. As poucas catedrais e igrejas estão vazias, e mesmo as decorações natalícias estarão ausentes dos lares, devido ao receio de novos ataques de  fundamentalistas islâmicos que no passado dia 31 de Outubro mataram 60 pessoas e mutilaram mais de 100 no assalto à Igreja de Nossa Senhora da Salvação, em Bagdad.


A comunidade cristã do Iraque ficou reduzida a menos de metade depois do derrube do presidente Saddam Hussein, mas nas últimas semanas tem-se assistido a um êxodo sem precedentes para o norte do país (a zona curda) e para os vizinhos países árabes especialmente para a Jordânia, o Líbano e a Síria, países onde está garantida a liberdade de culto. Segundo se informa aqui, as próprias casas dos cristãos constituem alvos para os extremistas da Al-Qaida, e 80% dos fiéis já não frequentam as igrejas, uma situação única na história das comunidades cristãs do Médio Oriente.


Importa recordar, para as pessoas de memória débil ou dadas a ataques de amnésia selectiva, que sempre a liberdade religiosa foi garantida durante o consulado de Saddam Hussein, e que a situação de terror que se vive no país é devida à invasão anglo-americana de 2003, promovida pelos dois grandes criminosos de guerra da história da Humanidade, George W. Bush e Tony Blair.


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A ROMÉNIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS


Um electricista da televisão estatal da Roménia atirou-se das galerias do Parlamento de Bucareste para protestar contra as medidas de austeridade do governo romeno (que desde o verão já provocaram a redução de 25 % dos salários dos funcionários públicos e de 15% das pensões de reforma) impostas pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a União Europeia. Apesar do incidente, o primeiro-ministro Emil Boc conseguiu sobreviver à quarta moção de censura de que o seu governo é objecto. Pode ler-se aqui o desenvolvimento da notícia.

Por seu turno, o Parlamento grego aprovou hoje, quase à tangente, o orçamento para 2011, que inclui fortíssimas medidas de austeridade. Entretanto prosseguem as greves em Atenas e noutras cidades, e os próprios deputados de algumas formações incitam a população a manifestar-se nas ruas. Estamos, assim, num clima de pré-guerra civil, que muito naturalmente alastrará a todos os Balcãs e à Europa meridional.



As instituições financeiras europeias e  mundiais estão, consciente ou inconscientemente, a preparar o caminho para uma confrontação de proporções inimagináveis, eventual prelúdio a uma conflagração mundial, como é desejado pelas indústrias de armamento.

RAUL LEAL

Raul Leal

Tem sido recentemente referida, na blogosfera e em alguma imprensa, a publicação da Correspondência, trocada no período 1957/1960, entre Jorge de Sena e Raul Leal, editada por iniciativa dessa Senhora, incansável divulgadora da obra do falecido marido, e que tenho o prazer e a honra de conhecer pessoalmente, que é Mécia de Sena.




Não pretendo falar agora de Jorge de Sena, figura maior das nossas letras e o mais notável intelectual português da segunda metade do século XX.

Mas apraz-me escrever algumas linhas sobre Raul Leal, que nasceu em Lisboa em 1 de Setembro de 1886 e nesta cidade morreu em 18 de Agosto de 1964. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi colaborador das revistas Orpheu e Portugal Futurista. Em 1923, a editora Olisipo, de Fernando Pessoa, dá à estampa a sua obra Sodoma Divinizada, que iria contribuir para o avolumar do "escândalo" iniciado com a publicação, em 1922 e também pela editora de Fernando Pessoa, da 2ª edição das Canções, de António Botto (a lª edição saíra em 1920). Estala a polémica com o artigo de Álvaro Maia na revista Contemporânea: "O Sr. Fernando Pessoa e o ideal estético em Portugal", a propósito da obra de Pessoa, António Botto e o Ideal Estético em Portugal. Aliás , um bando de estudantes, pretensamente moralistas, encabeçados pelo futuro ministro e embaixador Pedro Teotónio Pereira, manifestara-se já contra aquilo a que chamavam "literatura de Sodoma". Em Março de 1923, em plena Primeira República, o governador civil de Lisboa mandou apreender e queimar os exemplares das Canções, de Botto, de Sodoma Divinizada, de Raul Leal e ainda o livro de poemas (alegadamente lésbicos) Decadência, de Judith Teixeira. As repúblicas "democráticas" em Portugal tiveram sempre uma exagerada preocupação com a chamada "moral pública", nada ficando a dever, nessa matéria, ao Estado Novo. Era preciso garantir, como escreve Jorge de Sena na última carta (24/12/60) enviada a Raul Leal, a "chamada paz das famílias".


A edição original de Sodoma Divinizada, encontra-se esgotada há décadas, e só muito dificilmente, e a peso de ouro, se conseguirá encontrar um exemplar em algum privilegiado alfarrabista. Mas a editora Hiena publicou uma reedição, em 1989, organizada por Aníbal Fernandes, donde consta não só o texto do ensaio, mas a biografia de Raul Leal,  todas as peças da polémica e a cronologia dos factos, material do maior interesse social, político e  literário mas impossível de referir neste post.

Parece que, estando também esgotada esta reedição, foi efectuada recentemente uma nova publicação do texto, mas, neste momento, não disponho de confirmação.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

OS LOMBARDOS NA PRIMEIRA CRUZADA


June Anderson, no Metropolitan


Terá sido Verdi um precursor do Diálogo de Civilizações?  Na sua ópera I Lombardi alla Prima Crociata, o génio de Bussetto verbera o ataque dos Cruzadas contra os muçulmanos, pondo na boca de Giselda estas palavras: "Não, não! Derramar sobre a terra o sangue dos homens não pode significar servir a causa justa do Senhor! É uma torpe loucura e não um sentimento piedoso que vos desperta para o ouro dos muçulmanos! Não é essa a palavra do Céu. Não, não, Deus não o quer!" (Acto II, Cena 3).

A primeira Cruzada fora convocada em 1095 pelo papa Urbano II para combater os "infiéis", o que na gíria da época, e até recentemente, significava os muçulmanos, que se tinham apossado de Jerusalém, anteriormente pertença do Império Bizantino. Como é evidente, os Cruzados movimentaram-se mais por razões materiais do que religiosas, mas as Cruzadas (que foram nove) cavaram um fosso nas relações entre cristãos e muçulmanos, que ainda hoje perdura, apesar de esforços realizados por ambas as partes nos últimos anos.

É curioso notar que Verdi, e o seu libretista Temistocle Solera, se empenharam em denunciar as atrocidades cristãs, não inferiores às islâmicas, embora a ópera termine com a "conversão" e morte de Oronte, um muçulmano, para não chocar demasiado os piedosos (ou não tanto) espectadores da época, que assistiram à estreia em Milão, em 1843. A música evoca em alguns momentos os acordes do Nabucco, apresentado no ano anterior.

domingo, 19 de dezembro de 2010

INVERNO NA EUROPA

Aeroporto de Frankfurt

O rigorosíssimo inverno que neste momento afecta a Europa, o mais severo desde que existem registos meteorológicos, está a provocar o caos não só nas deslocações entre cidades e países mas igualmente na vida quotidiana das pessoas.

Os aeroportos de Heathrow e Gatwick, em Londres, de Charles De Gaulle, em Paris, de Frankfurt e de Munique, na Alemanha, bem como de outras cidades europeias estão encerrados. Uma parte das comunicações ferroviárias está suspensa e o trânsito foi proibido em centenas de autoestradas.

Há milhões de pessoas que se encontram em situação de espera, ou simplesmente bloqueadas em estradas, comboios,  estações de caminho-de-ferro, aeroportos ou mesmo nas suas casas, com os enormes prejuízos daí decorrentes, especialmente se atendermos que nos encontramos na época de Natal. A própria Torre Eiffel, um símbolo de Paris, foi encerrada pelas autoridades.

Não há dúvida que se assiste a uma profunda desregulação climática, que acompanha curiosamente a desregulação dos mercados e de toda a vida económica e financeira internacional.

Não tem tido o homem, que é como quem diz os governos e os grandes interesses económicos, prestado a devida atenção ao clima. As grandes intempéries e cataclismos dos últimos anos são disso evidente prova.

Há que agir enquanto é tempo, se tempo for ainda, para prevenir as desgraças que se perfilam no horizonte. E advirto os meus leitores de que não estou a ser pessimista.

JACQUELINE DE ROMILLY


Morreu ontem, aos 97 anos, Jacqueline de Romilly, uma das grandes especialistas da cultura da Grécia Antiga. a segunda mulher a ingressar na Academia Francesa (depois de Marguerite Yourcenar) e a primeira a ensinar no Collège de France.

Helenista famosa, não só em França mas no mundo, o governo de Atenas concedeu-lhe em 1995 a nacionalidade grega, pelos altos serviços prestados ao estudo e divulgação da civilização que é a mãe do Ocidente.

MANIFESTAÇÕES EM ESPANHA


As duas grandes centrais sindicais espanholas promoveram ontem grandiosas manifestações não só em Madrid, mas por toda a Espanha, que juntaram centenas de milhares de pessoas, contra a alteração da idade da reforma dos 65 para os 67 anos, proposta, sob pressão de Bruxelas, pelo governo de José Luiz Zapatero.

A manter-se a determinação do governo, prevêem-se novas greves gerais em Espanha.


Começa a gerar-se a convicção em toda a Europa de que a União Europeia se converteu num pesadelo para todos os cidadãos "comunitários", por não ter sabido, querido ou podido, em tempo, evitar o descalabro financeiro actual. A presente política da União, especialmente conduzida pela luterana Angela Merkel e pelo inane Nicolas Sarkozy, arrisca-se a fazer implodir esta improvável associação de nações.

Aguardam-se os próximos episódios.

JEAN GENET


Comemora-se hoje o centésimo aniversário do nascimento de Jean Genet. Poeta, dramaturgo, ficcionista, Genet nasceu em 19 de Dezembro de 1910, no hospital da Assistência Pública de Paris.


Não é este, nem o momento nem o local para traçar uma biografia de Genet, por demais escalpelizada nos livros que lhe são dedicados. Vagabundo, ladrão, prostituto, homossexual, desertor, a sua vida constitui talvez o itinerário mais extraordinário de qualquer homem de letras do século XX. As suas obras falam por si, pelo que dizem e pelo que ocultam. Sartre, fascinado pelo homem e pela obra, escreveu a imensa (692 páginas) introdução (Saint Genet, Comédien et Martyr) às suas Obras Completas publicadas pela Gallimard.

Se a obra de Genet é vasta, a obra sobre Genet é imensa. Muitos dos mais recentes estudos iluminam de forma particular o percurso sinuoso do escritor, cuja vida ajudou a construir não só a obra, mas a lenda mil vezes confirmada e infirmada das suas convicções. Amigo, e amante, dos árabes, especialmente dos palestinianos (Quatre heures à Chatila), apoiante dos Black Panthers, defensor da independência argelina, mas também fascinado por fardas, fossem de simples polícias ou soldados, ou mesmo dos SS nazis, por muitos considerado anti-semita e atraído pelo fascismo, Genet convoca todas as simpatias e todos os ódios. Condenado a degredo perpétuo, é indultado pelo presidente da República Francesa, a pedido dos mais ilustres intelectuais e artistas do tempo, como Sartre, Picasso ou  Cocteau. 


Alguns livros pretendem "desmascará-lo", a ele que sempre se afirmou um portador de máscaras. É o caso de Les vérités inavouables de Jean Genet, de Ivan Jablonka ou Jean Genet, post-scriptum, de Éric Marty.

No ano do centenário, merece destaque a publicação de Jean Genet, menteur sublime, de Tahar Ben Jelloun e de Jean Genet à 20 ans, de Louis-Paul Astraud, entre outras obras editadas.

A primeira peça de Genet representada em Portugal, em récita privada, foi Haute surveillance, com o título Sob vigilância, no Estrela Hall, pequeno teatro da embaixada britânica em Lisboa. Em 1972, o Teatro Experimental de Cascais pôde apresentar, por ser fora de Lisboa, Les Bonnes (As Criadas), numa encenação de Vítor Garcia, com Eunice Muñoz, Glicínia Quartin e Lurdes Norberto.

Em 1983, teve lugar a primeira representação pública de Haute surveillance, agora com o título de Vigilância Especial, no Teatro Primeiro Acto, de Algés, com produção de Júlio de Magalhães e encenação de Norberto Barroca.

O Teatro Experimental de Cascais apresentou depois Le Balcon (O Balcão) - 1987, Haute surveillance, agora com a designação Alta Vigilância, e Les Paravents (Os Biombos) - 1993 e Les Nègres (Os Negros) - 1999, todas com encenação de Carlos Avilez.


Morreu Genet num pequeno hotel parisiense, na noite de 14 para 15 de Abril de 1986 (e não de 13 para 14 como seu lê no epitáfio). Foi enterrado no cemitério de Larache, em Marrocos, com vista para a casa do seu último amante marroquino, Mohamed El-Katrani. O caixão que o transportou da França para Marrocos levava a inscrição "trabalhador emigrado".


Sobre Genet publicou Pierre Assouline um post no seu blogue "La République des livres", em 20 de Novembro passado. 

O Magazine Littéraire deste mês dedica um dossier especial a Jean Genet.

Além do teatro, que referimos, registe-se tão só o nome de outras obras notáveis, como Notre-Dame-des-Fleurs, Pompes funèbres, Journal du voleur, Miracle de la rose, Un chant d'amour, Un captif amoureux ou Querelle de Brest (que Fassbinder adaptaria ao cinema). Jean Genet, apesar do seu passado, ou exactamente por causa dele, é um dos grandes escritores do século XX, não só francês mas universal.

sábado, 18 de dezembro de 2010

OS CRIMES DO KOSOVO


Conforme se fez aqui referência, começam a conhecer-se pormenores sobre o assassínio de sérvios pelas autoridades albanesas. Segundo o relatório do Conselho da Europa divulgado esta semana, os prisioneiros-servios-eram-engordados-antes-de-serem-mortos-e-ficarem-sem-os-rins. Os criminosos eram liderados pelo actual primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaçi, que em luta contra os sérvios, se dedicava também a chefiar uma rede mafiosa para tráfico de órgãos humanos, drogas e armas. Este político e assassino considerou estas revelações difamatórias mas a alta-representante para a política externa da União Europeia, Catherine Ashton, já convidou o autor do relatório, o senador suíço Dick Marty, a enviar as provas para a Missão Europeia de Polícia e Justiça no Kosovo (Eulex).

Recorde-se que os Estado Unidos pressionaram todos os países do mundo a reconhecerem o Kosovo (que declarara unilateralmente a sua independência num precedente perigoso) chefiado por este mesmo Thaçi, que se afigura uma pessoa muito pouco recomendável, mas talvez semelhante a muitos dirigentes norte-americanos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

BRADLEY MANNING


Fez hoje 23 anos o soldado americano Bradley Manning, que se encontra preso e incomunicável numa prisão da Marine Corps Brig, em Quantico, na Virginia, desde 29 de Julho. Segundo o Comando de Investigação Criminal do Exército, Manning, analista de informação em serviço no Iraque, teria fornecido à WikiLeaks mais de 250.000 telegramas diplomáticos americanos, bem como milhares de ficheiros relativos à guerra no Afeganistão e á ocupação no Iraque. O jovem soldado estaria indignado com a criminosa política de guerra americana e também, sendo homossexual, com a discriminação que sentia no seio do exército. Foi detido em Maio deste ano e colocado numa prisão do Kuwait, antes de ser transferido para os Estados Unidos. Preso há sete meses, não foi ainda julgado e encontra-se em isolamento total em condições assimiláveis à tortura.

Entretanto, Julian Assange, o responsável da WikiLeaks, foi finalmente posto em liberdade condicional por um tribunal do Reino Unido, ficando todavia com residência fixa, pulseira electrónica e a obrigação de se apresentar diariamente numa esquadra de polícia. Assange nega conhecer o soldado Mannings e recusa-se a revelar quem forneceu à WikiLeaks a informação que vem sendo divulgado nos principais órgãos de informação mundiais. Receia, contudo, que se prepare a sua extradição para os Estados Unidos, apesar da vaga de solidariedade planetária de que tem sido alvo.

Porque a comunicação social se tem preocupado prioritariamente com o destino de Julian Assange, aqui deixo esta referência ao soldado Manning, no dia do seu aniversário.

PARABÉNS, BRADLEY,  E BOA SORTE.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

BLAKE EDWARDS


O realizador, produtor e argumentista Blake Edwards morreu hoje aos 88 anos, vítima de pneumonia, num centro de saúde em Santa Monica, na Califórnia. Dirigiu cerca de 50 filmes, entre os quais Victor Victoria, interpretado por sua esposa , a actriz Julie Andrews, e que constituiu um sucesso em Portugal, e a série dedicada à Pantera Cor-de-Rosa, uma criação que o tornou mundialmente famoso.

CARLOS PINTO COELHO


Segundo informação recente, faleceu ontem à tarde, vítima de ataque cardíaco, o jornalista Carlos Pinto Coelho,  de 66 anos, uma das personalidades de maior relevo na comunicação social portuguesa. Homem de cultura, manteve na RTP2, de 1994 a 2003, o programa "Acontece", que constituiu um marco na televisão portuguesa.

GRAVES INCIDENTES EM ATENAS


A sétima greve geral deste ano na Grécia, contra as medidas de austeridade decretadas pelo governo helénico, que estão a desmembrar o tecido económico do país e a reduzir a população à miséria, foi acompanhado de graves confrontos entre os manifestantes (mais de 100.000) e a polícia (também vítima da austeridade decretada pelo FMI). Registaram-se inúmeros incidentes, dezenas de feridos, montras partidas, carros incendiados, pedras de calçada arrancadas, bombas de gasolina vandalizadas, cocktails molotov arremessados nas ruas e um antigo ministro conservador foi mesmo agredido à porta do Parlamento.

Como se vê aqui, a onda de violência, que atingiu até um hotel de luxo, repetiu-se em Salónica, segunda cidade do país, e noutras localidades, incluindo as ilhas gregas do mar Egeu. A situação ameaça tornar-se incontrolável e há mesmo o receio de que alastre a Espanha e a Portugal.


Os incidentes estão a ser atentamente seguidos em Berlim pelo governo da luterana Angela Merkel, e constituem um sério aviso quanto a uma possível dissolução da União Europeia, cujos custos para a Alemanha seriam incalculáveis, segundo afirmou ontem à imprensa o antigo chanceler Helmut Schmidt.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

EDUARDO LOURENÇO E A ESQUERDA


Publicou Eduardo Lourenço o ano passado um livro intitulado A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História?, onde reúne diversos ensaios políticos que vieram a lume entre 1979 e 2006, em várias publicações, nomeadamente na revista Finisterra.

Só agora tive tempo para ler esse livro de menos de 200 páginas, onde Lourenço expõe o seu pensamento sobre o "Socialismo", a "Esquerda", a "Democracia", o "Estado-providência", a "Política", o "Ultra-liberalismo", a "América" e o "Islão". 
Sabemos todos que Eduardo Lourenço é um dos grandes pensadores portugueses vivos e não admira, pois, a lucidez com que aborda os temas propostos. Mas acresce que este livro tem algo de premonitório, já que as teses de Lourenço vêm sendo confirmadas, ano após ano, com uma precisão que fazem do autor um dos profetas do nosso tempo.

Quando, nos primeiros textos alude ao desmantelamento do Estado-providência e à desregulação dos mercados e advento do neo-liberalismo selvagem por duas figuras horripilantes do século XX, Ronald Reagan e Margaret Tatcher e prosseguidas pelos seus não menos temerosos sucessores, George W. Bush e Tony Blair, Lourenço antecipa a catástrofe que se vive hoje no mundo. Oportuna também a denúncia da Esquerda que, órfã do colapso do comunismo, não soube encontrar uma via que não fosse a da rendição aos malefícios do capitalismo imperial oriundo dos Estados Unidos.

Cada frase de Eduardo Lourenço neste livro é uma máxima que importaria consignar se o espaço o permitisse. Citaremos por isso apenas alguns parágrafos do artigo escrito (2001) após o ataque às Torres de Nova Iorque:

«Sempre os vencedores escreveram a História. A dos vencidos nem a título póstumo nos interessa, a não ser que sejamos nós os vencidos dela. Só o pessimismo provocador de Flaubert achou interessante ressuscitar a Cartago de Amílcar em vez de narrar pela milésima vez a constância vitoriosa dos Cipiões. Mas o que é novo, e os acontecimentos destes últimos três meses mostraram com sinistra ou luminosa evidência, é que se pode viver e escrever a História de maneira inédita, inteiramente virtual. Com a queda das torres e a fantástica resposta americana a um acto que só tinha como paradigma a ficção apocalíptica de Hollywood, estilo Independence Day, o mundo inteiro pôs-se a falar de uma guerra quimicamente pura, declarada, não a um adversário à altura da ameaça, que foi de ordem privada, e de uma vitória anunciada onde o vencedor só teve um morto a título póstumo. Não houve guerra nenhuma, pois para  a haver é preciso dois, mas houve, sem contestação possível, uma vitória de tipo novo, da nação mais poderosa do mundo sobre um terrorismo, ao mesmo tempo, bem monstruoso e real nos seus efeitos, para punição do qual se teve de inventar como adversário fantomático uma nação paupérrima: o Afeganistão, de um arcaísmo político raro, entre as culturas islâmicas fundamentalistas, para o poder destruir com a mesma ausência de estados de alma e uma superabundância de meios sem precedentes na História, já de si pouco recomendáveis. O crime era de ordem sacrílega - mas não mais do que outros - e o bode expiatório tratado como os aliados trataram Dresden e os caçadores por conta própria, os fora-da-lei do Oeste americano.»

«O que aconteceu nestes últimos três meses podia ser apenas um fait-divers espectacular, sem mais, nem sequer de igual importância aos que o precederam nesta re-semantização do conceito de Guerra, desde o ataque ao Iraque e a invasão e punição do Kosovo. Mas é bem mais do que isso. De uma certa maneira, é agora que o tão discutido conceito de Fukuyama, de fim da História, começa a receber a sua leitura adequada. A dois níveis: fim da História como disputa de actores antagonistas de semelhante credibilidade; e fim da História como projecto e aventura que desde há dois mil anos tinha na Europa, se não a totalidade dos seus actos, o dinamismo universal que a partir dela foram pouco a pouco convertendo uma História particular em História Universal. »
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«Como o Titanic, a velha Europa perdeu todo o seu passado de actor privilegiado da História, não em qualquer oceano épico, ferida pelo Destino, mas de olhos abertos e num silêncio total, ouvindo as bombas de seis toneladas dos B52, esmagar as colinas estéreis do Afeganistão, na esperança de descobrir entre os escombros monstruosos o monstruoso fantasma de Bin Laden.»
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«O que é certo é que esta História, não por acidente, mas em si, é Outra. O que a queda do Muro de Berlim deixava prever o que, sem perda de tempo, o Pentágono, executor do projecto de domínio mundial dos Estados Unidos, percebeu, pondo o Iraque na ordem (ou na sua nova ordem) ainda com assentimento europeu, mudou de dimensão e registo com o 11 de Setembro. K.O. de pé, por um segundo, o vencedor da Segunda Guerra Mundial e do império soviético percebeu que tinha chegado a mais imprevista das ocasiões: levar a cabo a mais imperial e imperialista operação de todos os tempos por conta da Humanidade, mobilizável sob a sua égide para o mais humanístico dos fins: erradicar o terrorismo, assimilado ao Mal - e Bem não era... - para sossego natural dos Estado Unidos e tranquilidade desejável para o resto do mundo, o da nebulosa islâmica, não menos, se não mais que o resto.»
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«Em três semanas, levando ao limite o que começara no Iraque, os Estados Unidos, ostensivamente sozinhos, apoderaram-se sem gastar um dólar - antes multiplicando-os ao infinito - de praticamente todos os media que contam no mundo. Ou antes, só o puderam fazer, e conduzir uma guerra virtual em termos praticamente virtuais, porque tinham já, com a conivência moral e guerreira da Europa que conta e a neutralização diplomática de uma Rússia caótica, imposto ao Iraque uma rendição fulgurante levada a cabo sob um controlo absoluto da informação, inédito no passado.»
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«O Kosovo aperfeiçoou o mecanismo e o Afeganistão melhorou-o, transformando uma das mais imperialistas intervenções do Ocidente na Ásia numa mera intervenção de polícia mundial ao serviço do Bem, assumido ostensivamente, como a dos interesses de uma raça, elevada a paradigma de civilização e de Humanidade. Em três meses, o Presidente dos Estados Unidos calçou as botas de xerife do Mundo.»

Não permite o espaço alongar-me nas citações deste notável, e oportuníssimo, conjunto de ensaios. À data do artigo parcialmente transcrito, ainda os Estados Unidos não haviam invadido o Iraque e provocado o caos absoluto que se seguiu. Como é do conhecimento público, a guerra do Afeganistão nada resolveu até hoje, exceptuando os milhares de vítimas e, no Iraque, vagueiam os espectros dos mortos por entre as ruínas dos vivos. É claro que, no meio da apregoada "exportação" da Democracia, se conseguiram contratos petrolíferos e de "reconstrução civil". E para as indústrias americanas e suas parceira algures pelo mundo, isso é o que importa. Todos os católicos convictos deveriam invocar o Altíssimo, clamando: "Perdoais-lhes, Senhor, porque não sabem o que fazem", mesmo quando julgam saber.

A ITÁLIA EM PÉ DE GUERRA




As manifestações de ontem em Roma prolongaram-se pela madrugada, mergulhando a cidade num caos. Ao cair da noite havia já mais de 90 feridos e meia centena de detidos. Cerca de 100.000 estudantes, acompanhados por metalúrgicos, desempregados, imigrantes, trabalhadores precários e muitos outros cidadãos manifestaram-se como referimos aqui, provocando um dos maiores confrontos com a polícia (muitos agentes ficaram feridos) verificados nos últimos anos.

Em Milão os manifestantes ocuparam a Bolsa e em Palermo a pista do aeroporto. Os confrontos tiveram lugar um pouco por toda a Itália, nomeadamente em Nápoles, Turim, Cagliari e Bari.

A opinião geral dos italianos é de que o governo de Silvio Berlusconi, apesar de ter sobrevivido às moções discutidas no parlamento,  tem efectivamente os dias contados.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A MÁFIA DO KOSOVO

Dois, ou talvez três, criminosos de guerra

O primeiro-ministro do Kosovo, Hashim Thaçi (à esquerda na foto), é o responsável de um grupo mafioso albanês que trafica armas, drogas e órgãos humanos extraídos de sérvios assassinados, segundo um relatório do Conselho da Europa de que se dá conta neste blogue.

GRAVES INCIDENTES EM ROMA

Piazza del Popolo

Registaram-se hoje graves incidentes em Roma, que provocaram dezenas de feridos, entre manifestantes e polícias, montras partidas, carros incendiados, destruição de caixas multibanco, pedras da calçada arrancadas e todo um cenário de destruição, nomeadamente na Piazza del Popolo (ao lado da igreja do mesmo nome, onde se encontram duas das mais belas telas do Caravaggio, as Crucificações de São Pedro e de São Paulo), na Piazza Venezia, na Via del Corso, na Piazza Navona e no Campo de' Fiori.

As manifestações, que se verificam em Roma desde há dias, e que alastraram a toda a Itália, tiveram hoje o seu ponto culminante quando os estudantes tentaram invadir o Palazzo Madama, onde está instalado o Senado, e o Palazzo Montecitorio, sede da Câmara dos Deputados, após a votação de duas moções de desconfiança ao governo de Silvio Berlusconi, uma das quais apenas não derrubou o governo italiano pela diferença mínima de três votos.

A agitação em Itália, que ameaça alastrar a todos os países da Europa meridional, é consequência da política ultraliberal da União Europeia, que está a corroer os alicerces das nações do Velho Continente.

A WIKILEAKS E A PEQUENA MADDIE

Embaixador Alexander Ellis

Afinal, parece que o embaixador do Reino Unido em Portugal, Alexander Ellis, sabe alguma coisa acerca da pequena Maddie. Segundo telegrama de 28 de Setembro de 2007, agora divulgado pela WikiLeaks, e a que o  PÚBLICO faz referência, o diplomata britânico admitiu ao seu homólogo americano Alfred Hoffman que "foi a própria polícia do seu país quem encontrou as provas" que levaram à suspeição do casal McCann, pedindo ao colega "sigilo absoluto".

Será o Caso Maddie uma das grandes mistificações do principio do século?

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A WIKILEAKS, O BCP, O IRÃO E OS EUA


Segundo informa hoje o diário El País, um dos telegramas interceptados pela WikiLeaks (da embaixada americana em Lisboa para o Departamento de Estado) refere que o presidente do Banco Comercial Português (BCP) terá proposto a entrega de informação bancária confidencial iraniana ao governo americano em troca de uma "autorização" para negociar com o governo de Teerão, sujeito a boicote internacional.


Esta notícia foi desmentida pelo banco português, que apenas confirmou a deslocação do seu presidente ao Irão em viagem de negócios.


O Banco de Portugal, previamente informado da deslocação, afirma que lembrou a Carlos Santos Ferreira, presidente do BCP, a existência de regras internacionais que impõem medidas restritivas contra o Irão.


Por seu lado, o Bloco de Esquerda exige esclarecimentos do Banco de Portugal sobre as possíveis negociações entre Teerão e o BCP e a eventual quebra da confidencialidade bancária o que, face à lei vigente, constitui um crime.


O inexaurível manancial de informação de que a WikiLeaks dispõe é uma verdadeira Caixa de Pandora, donde quotidianamente se aguardam novidades. Não que se ignore que a rede de embaixadas dos diversos países nas capitais estrangeiras é uma espécie de agência de espionagem a funcionar disfarçada entre um whisky e um croquete. Especialmente as dos grandes países. Mas a leviandade com que as embaixadas americanas transmitem a informação mais sensível e também os comentários ridículos que emitem sobre os diversos estadistas, revelam uma infantilidade e ao mesmo tempo uma sobranceria que nada dignifica a actividade diplomática em geral e a americana em particular.

INSIDE JOB (II)


Como prometera aqui, fui ontem ver o filme Inside Job, de Charles Ferguson. É uma obra essencial para a compreensão dos mecanismos financeiros que controlam actualmente o mundo. E uma fundamentada denúncia de como o poder político funciona em aliança, ou submissão, ao poder económico.

A peça incide especialmente sobre a desregulação dos mercados financeiros, que começou na malfadada época em que um medíocre actor de Hollywood, Ronald Reagan, ascendeu à presidência dos Estados Unidos. A completa liberalização do sistema financeiro prosseguiu com Bush pai, Clinton e Bush filho, e não parece ter sido travada por Obama, tendo em conta a gente de que ele se rodeou. 

A cumplicidade entre administradores, gestores e políticos, e os organismos encarregados do controle financeiro que, por exemplo, atribuíam as notações máximas ao Lehman Brothers, nas vésperas da sua falência em 2008, diz muito sobre a idoneidade dos intervenientes. Refira-se também a promiscuidade da Goldman Sachs entre os negócios e a política norte-americana. Tal como as entradas e saídas entre o público e o privado de Henry Paulson, o secretário do Tesouro de Bush e Timothy Geithner, actual secretário do Tesouro de Obama. Ou as sinuosas carreiras de Alan Greenspan ou Benjamin Bernanke.

As relações entre os homens da banca, dos fundos, das agências de rating  e os congressistas também são pouco transparentes ou melhor, são tão claras que nos ofuscam. Vendo-se o filme de Charles Ferguson, facilmente se conclui, sem exagero, que a administração norte-americana e os financeiros de Wall Street se assemelham mais a uma associação de malfeitores do que a pessoas de bem. Também é chocante ver como professores catedráticos de economia e finanças das prestigiadas universidades de Harvard, Columbia, Berkeley, e tantas outras (mesmo da britânica London School of Economics), alternam os seus períodos de docência com lugares de consultores e assessores da administração americana, fornecendo pareceres que incentivam, de acordo com os interesses dos banqueiros, à completa desregulação dos mercados, a fim de conduzir as empresas ao desastre e as famílias à miséria. Não sei se esses cavalheiros ensinam exactamente isso nas suas aulas, mas fica-nos a suspeição de que estabelecimentos de ensino considerados como dos mais prestigiados do mundo se possam ter transformado em centros de crime.

Muitos cidadãos foram encorajados a contrair empréstimos que não puderam satisfazer, tendo os seus bens sido depois adquiridos, por valores irrisórios, por aqueles que os tinham induzido a essas operações. E muitos outros aplicaram os seus fundos em investimentos inexistentes tendo, em consequência, ficado reduzidos à indigência total.

Contudo, como se afirma no filme, e é verdade, nenhum destes indivíduos, protagonistas de comportamentos infamantes, foi julgado ou condenado, ou sequer incriminado. Para nenhum destes "respeitáveis cidadãos" alguém pediu a cadeira eléctrica. E todos eles se precaveram materialmente, antes da falência das suas instituições, tendo arrecadado centenas de milhões de dólares. O patrão da Lehman Brothers possuía sete aviões particulares e um helicóptero, para só referir os seus meios aéreos. Todos estes cavalheiros obtiveram, no seu conjunto, e após o desmoronamento do fictício sistema que haviam criado, dezenas de biliões de dólares, uma parte dos quais serviu para subornar os funcionários do Estado, a todos os níveis, ou para negócios de droga e de prostituição.

O que é ainda mais grave em tudo isto é o facto de, tendo-se globalizado a economia, esta catástrofe americana se ter despejado sobre o resto do mundo, nomeadamente sobre a Europa, onde a Islândia foi a primeira vítima. Hoje, todo o planeta sofre e se lamenta da praga que veio da América, donde há duzentos anos vêm normalmente coisas más.

O filme Inside Job é um filme imprescindível e deve ser visto por todos os homens honestos.

domingo, 12 de dezembro de 2010

ASSIM VAI O MUNDO


Grandiosa manifestação teve lugar ontem em Roma contra o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que poderá ter de abandonar o lugar na próxima semana, devido a uma moção de censura no Parlamento.

Entretanto, explodiram duas bombas no centro de Estocolmo, provocando um morto e dois feridos.

Por sua vez, Hugo Chávez declarou que, tendo alojado no palácio presidencial de Caracas algumas famílias vítimas das recentes cheias no país, vai instalar-se na tenda que lhe ofereceu o líder líbio Muammar Khaddafi.

Dois violentos ataques mataram pelo menos 15 pessoas e feriram algumas dezenas no Afeganistão, como vem sendo hábito.

Uma verdadeira batalha campal em Moscovo, entre manifestantes de duas facções desportivas e a polícia, mesmo ao lado do Kremlin, provocou dezenas de feridos.

Registaram-se também centenas de feridos no desmoronamento de um estádio de futebol em Amann, na Jordânia, na sequência de confrontos entre duas equipas rivais.

Bento XVI opõe-se à adesão da Turquia à União Europeia.

Mark Madoff, filho do banqueiro e burlão internacional Bernard Madoff, foi encontrado suicidado em sua casa em Nova Iorque.

Milhares de pessoas saíram á rua em apoio a Julian Assange, em Londres, Nova Iorque, Madrid, Barcelona, Amesterdão, São Paulo, Buenos Aires e até em Lisboa. Os protestos contra a detenção de Assange saltam assim da internet para a praça pública.

Recomenda-se a leitura da Paz Perpétua, de Kant.

sábado, 11 de dezembro de 2010

O FOLHETIM WIKILEAKS


Parece que os Estados Unidos se preparam para pedir ao Reino Unido a extradição do australiano Julian Assange que tem um mandado de captura das autoridades suecas (por supostos crimes sexuais). 

Começa a não ficar claro (aliás, nunca esteve) porque é que o pedido de extradição é feito pelos EUA quando o mandado internacional de captura é sueco e o cidadão australiano está no Reino Unido.

É claro que as revelações de Wikileaks incomodam muita gente, a começar pela administração americana. Mas até o papa já está envolvido, devido às pressões para a Turquia não ser admitida na União Europeia e à intensificação do proselitismo católico junto dos anglicanos.

Entretanto, têm-se registado ataques a sites na internet.

Julgo que a procissão ainda vai no adro.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O FIM DO CAPITALISMO EM ALTERNATIVA AO CAOS


Do jornal PÚBLICO:

Os olhos dos europeus abriram-se: a Terra é finita e a tecnologia não nos salvará. Há economistas a rejeitar o crescimento económico. O jornalista francês Hervé Kempf escreveu um livro onde vai mais longe e pede o fim do capitalismo em alternativa ao caos. Para salvar a democracia é preciso "fechar as televisões e ir para o café falar".


Pode ler-se aqui o texto integral.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

SALIM KECHIOUCHE (II)


Já se encontra em distribuição em DVD o último filme interpretado por Salim Kechiouche (The String, em inglês; Le fil, em francês), em que o jovem franco-marroquino contracena com Antonin Stahly, francês de origem indiana. O filme, rodado na Tunísia, tem a participação especial de Claudia Cardinale e foi realizado pelo cineasta tunisino Mehdi ben Attia.


Referimo-nos aqui à estreia do filme em França, em Maio deste ano, desconhecendo se o mesmo será exibido em Portugal.


A película trata de uma relação homossexual, um tema para o qual Salim é especialmente dotado, como se constata pelo seu desempenho em filmes anteriores ou mesmo em peças de teatro.

A não perder.