domingo, 19 de abril de 2020

DO PÂNICO SOCIAL À DESGLOBALIZAÇÃO

 

 Retirado do blogue "O António Maria":

 

Do pânico social à desglobalização


Fallas, Valéncia 2020

Nos três m eses que a pandemia leva morreram no mundo 15 milhões de pessoas. Pela COVID-19, menos de 160 mil...

Quando toda esta farsa—entre uma singularidade geoestratégica, uma tempestade perfeita e um false flag—for finalmente desmontada, mais de um político, mais de um empresário globalista, e mais de um cientista, sairão chamuscados. Entretanto, os 'estados de exceção' habituam-nos a um inesperado fascismo em democracia!

Escrevi em 17 de março último, neste mesmo blogue, que sem testes não havia infectados. Mas também, sem autópsias (que não fazem a quem supostamente morre da COVID-19 em Portugal) não haverá certezas sobre as causas de quem morre nos hospitais. Por fim, sem compararmos a mortalidade média no nosso país nos meses de março e abril com as fatalidades assumidamente causada pelas complicações respiratórias com origem na COVID-19 (ou no vírus de Wuhan, como lhe prefere chamar Donal Trump) andamos simplesmente correr atrás do medo gerado entre centenas de milhões de pessoas em todo o mundo pelos algoritmos que operam nas redes socias, amplificado depois pelos mass media tradicionais que resvalaram, quase sem exceção, para o formato canino de jornalismo ilustrado por Federico Fellini no Dolce Vita.

Ao contrário do que ecoa a propaganda, é cada vez mais evidente que os estragos da COVID-19 em Portugal, quando avaliamos a única medição aproximada do fenómeno, isto é, o número de mortes por milhão de habitantes supostamente causadas pelo vírus, se encontra acima da média europeia. De facto, na posição 14 entre 41 países (1).

Continuamos sem saber se o novo corona vírus foi ou não fabricado num laborário biológico de segurança máxima (2), própria de instalações militares, e se escapou acidentalmente para o exterior, ou se foi deliberadamente desespoletado como uma bomba biológica (terrorismo à escala planetária) em vários pontos do planeta, o que, a ser verdade, seria o primeiro ensaio de uma guerra biológica mundial, cujos protocolos e regras são completamente desconhecidos do comum dos mortais. Neste caso hipotético, fica também a dúvida sobre quem engendrou a levou a cabo uma tal operação, se a China, se os Estados Unidos. Mas uma coisa é certa, se foi um ato voluntário, o efeito boomerang da pandemia teria sido previamente avaliado (3).

Teremos, já agora, que nos interrogar sobre a motivação e o alcance da TED conference de março de 2015 proferida por Bill Gates, e também porque carga d'água o Johns Hopkins Center for Health Security, o World Economic Forum e a Bill & Melinda Gates Foundation levaram a cabo o exercício Event 201, a 14 de março de 2019, um mês antes do início do surto viral de Wuhan (4).

Entretanto, começa a ser evidente que o vírus é menos mortal do que parecia (5), que o surto ocorreu numa fase tardia das épocas virais e que morrerá com a primavera sob a ação do raios ultravioletas, do calor e da maior circulação das pessoas ao ar livre, sobretudo nas zonas de praias e sol. Aliás, o novo corona vírus chegou ao nosso país num momento em que as temperaturas médias e sobretudo a exposição solar carregada de ultravioletas era já bem maior do que no resto da Europa, e sobretudo do que nas mais frias (à época do surto) e muito poluídas (fraca penetração solar) cidades de Wuhan, Beijing, Madrid e do norte da Itália. É certo que os períodos de internamento relativamente prolongados dos infectados com sintomas graves (duas semanas) colocou alguns sistemas hospitalares sob grande pressão (Wuhan, Lombardia, Madrid e Manhattan), e neste ponto os países terão que se habituar a ter melhores sistemas de prevenção e defesa dos surtos gripais que atacam com grande virulência os sistemas respiratórios. Mas daqui a parar economias inteiras é o maior embuste em que a humanidade caiu desde o ascenso do fascismo na Europa nos anos 20 do século passado.

Resta, enfim, explicar como foi possível que o fator medo (fear factor) associado à pandemia viral, quando todos os anos existem epidemias virais que matam centenas de milhar, ou mesmo milhões de pessoas, normalmente as mais idosas e/ou com problemas respiratórios crónicos (como no caso da COVID-19), tivesse obrigado a economia mundial a cair de joelhos, prostrando-se sem qualquer lógica perante tamanho 'live exercise'!

Estaria Xi Jinping tão furioso com a nova geoestratégia americana, representada histrionicamente por Donald Trump, que preferiu lançar o mundo num teste à hegemonia americana, sob a forma de uma Inovadora Guerra Inteligente, sem Limites (Unrestricted Warfare), sabendo perfeitamente que a pandemia não mataria mais do que vinte ou trinta mil chineses? Teria, ao invés, o Deep State americano, que teleguia Donald Trump (ver a troca de palavras entre este e Mike Pompeo a propósito do Live Exercise), decidido fazer uma nova e assustadora prova de força na guerra assimétrica que parece ter iniciado contra a ascensão chinesa no mundo? Só os próximos meses nos irão esclarecer esta dúvida.

Que estamos a matar mosquitos, ou melhor, um micróbio provavelmente fabricado, com meios excessivos e medidas drásticas suicidas, estamos. Se isto é um grande exercício sobre a guerra que aí vem, antes de acabar com a globalização chinesa, e os Estados Unidos forçarem Xi Jinping a um novo Tratado de Torsesilhas fractal, também não sabemos. Mas seria uma hipótese melhor do que atirarem o mundo para uma Mutual Assured Destruction (MAD).

Entretanto, o Governo de António Costa e o Presidente da República deverim fazer marcha-atrás no seu manifesto, mas catastrófico, populismo, abstendo-se de mais insultos constitucionais à nossa democracia. Por rapidamente as nossas escolas e a nossa economia a funcionar é mesmo o único desiderato que deve ser exigido a estas duas criaturas neste momento.


NOTAS

1. COVID-19 (análise recebida de fonte confiável)



Europa

“Número de mortos por país” e rácio “mortos por milhão de habitantes” também por país (base Johns hopkins university)—situação em 14 de abril e 15 de abril de 2020 (2 colunas da direita)

i. Eis os dados reais de mortos e os únicos que interessam porque os infectados dependem dos testes efectuados. E para ter uma rasoira de nivelamento, os países estão ordenados por valor decrescente do rácio “mortos por milhão de habitantes “

ii. Claro que os mortos dependem da causa de morte (cause of death, cod). Por exemplo a Alemanha parece ter por hábito considerar “mortos covid” apenas os que fizeram testes antes de morrerem e que não tenham outras patologias anteriores associadas (cancros, diabetes, problemas cardio vasculares,  etc). Daí o número reduzido de mortes na Alemanha...

iii. Portugal está na 14ª posição nesta lista.

Os dois primeiros países mais gravosos da lista são minúsculos (menos de 80.000 pessoas).

Seguem-se na 3ª e 4ª posições, 2 dos países mais afectados de facto, com mais de 380 mortos por milhão de habitantes - a Espanha, e logo a seguir, a Bélgica.

Em 5ª, 6ª e 7ª posições estão os países mais populosos da União Europeia (com 60 a 68 milhões de habitantes). A Itália vem a frente destacada, depois vem a França e por fim o Reino Unido, mais em baixo. A Itália é o país da Europa com maior número de mortos (quase 22.000 mortos).

Em 9º lugar está a Holanda com um rácio quase idêntico ao do Reino Unido.

Em 10º e 11º lugares estão 2 países com população idêntica à portuguesa - Suíça e Suécia (onde não fizeram qualquer tipo de quarentena).

Na 12ª posição está o Luxemburgo, país pequeno (com pouco mais de 600.000 habitantes)
- Em 13º lugar está a Irlanda que tem cerca de 90 mortos por milhão de habitantes.

iv. Repare-se que a Dinamarca, a Áustria e a Alemanha vêm depois de Portugal nesta lista.

v. Das posições 18ª a 41ª estão todos os outros países que têm menos de 30 mortos por milhão de habitantes. Mesmo alguns países com população semelhante à portuguesa (marcados a amarelo)—por exemplo, a Grécia—estão muito melhor que nós.

Lombardia (Itália)




Evolução do número de mortos e duração da epidemia local

i. Valores reais e valores da minha previsão (a encarnado) de há dias atrás.

ii. Pode-se verificar que a tendência de descida está correcta mas os mortos não me fizeram a vontade e morreram em maior número do que eu previra.

iii. Contudo, a minha previsão mantém-se para a epidemia a entrar em fase residual no fim desta ou da próxima semana. E portanto, desde o primeiro morto (22 de fevereiro) até ao final aproximado, terão decorrido cerca de 2 meses, ou seja, 8 semanas. Vamos lá a ver se bate certo.

iv. A curva da minha nova previsão está indicada também no gráfico seguinte.

2. Nobel de Medicina francês causa polêmica ao dizer que coronavírus saiu de laboratório chinês
RFI. Publicado em: 17/04/2020 - 18:13. Modificado em: 17/04/2020 - 18:13

Recompensado em 2008 com o Prêmio Nobel de Medicina pela "descoberta" do vírus da Aids, o virologista francês Luc Montagnier divulgou na quinta-feira (16) uma hipótese sobre a origem do Covid-19 que causa polêmica na França. O coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela pandemia de Covid-19, que já matou mais de 140.000 pessoas em todo o mundo, seria um vírus manipulado, acidentalmente liberado de um laboratório chinês em busca de uma vacina contra a Aids.

https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=ZVSN1D5TwOQ&feature=emb_logo (ENTREVISTA COMPLETA DO PROF. LUC MONTAGNIER)

3. ‘Live Exercise’: Pompeo Lets Slip How He Sees the COVID-19 Pandemic
Pompeo made a speech on March 20 from the White House with Trump beside him. A google search reveals that this story was reported by AFP on March 20, making it perfectly clear that Pompeo was accusing China of some sort of cover-up in relation to the virus, and taking only that angle. For example, see US Secretary of State Mike Pompeo tells China to share virus details with the ‘whole world’.

Pompeo’s ‘live exercise’ mention made during this speech was picked up as a separate story by Shepard Ambellas at Intellihub on March 21, and reissued by Global Research.  Here, we are using Makia Freeman‘s version of the story of March 25, an independent author who follows all aspects of the One World crowd’s agenda pretty closely.


Crucially, Trump immediately interjects with this comment during Pompeo’s ‘we’re in a live exercise here’ remark: “You should have let us know.” Freeman offers the interpretation, no doubt plausible, that Trump was genuine in his statement, i.e. he didn’t know about the virus situation being a ‘live exercise’, and that the Deep State Swamp is certainly running the show. Or, did Pompeo reveal something Trump was indeed in on, and that he was hoping his remark would be picked up in order to distance himself? Notice in the videos below (we’ve added the second one) that Trump re-starts his comment when Pompeo takes a natural pause – in order to be heard? Either way, Trump jumping in reveals that Pompeo misspoke in some way, thus drawing attention to it. And MSM silence on it speaks volumes.
Makia Freeman picks up on Pompeo’s language being reminiscent of that used in relation to false flag operations.

4. Event 201Event 201, a Global pandemic Exercise

The Johns Hopkins Center for Health Security in partnership with the World Economic Forum and the Bill and Melinda Gates Foundation hosted Event 201, a high-level pandemic exercise on October 18, 2019, in New York, NY. The exercise illustrated areas where public/private partnerships will be necessary during the response to a severe pandemic in order to diminish large-scale economic and societal consequences.

[...]

Statement about nCoV and our pandemic exercise

In October 2019, the Johns Hopkins Center for Health Security hosted a pandemic tabletop exercise called Event 201 with partners, the World Economic Forum and the Bill & Melinda Gates Foundation. Recently, the Center for Health Security has received questions about whether that pandemic exercise predicted the current novel coronavirus outbreak in China. To be clear, the Center for Health Security and partners did not make a prediction during our tabletop exercise. For the scenario, we modeled a fictional coronavirus pandemic, but we explicitly stated that it was not a prediction. Instead, the exercise served to highlight preparedness and response challenges that would likely arise in a very severe pandemic. We are not now predicting that the nCoV-2019 outbreak will kill 65 million people. Although our tabletop exercise included a mock novel coronavirus, the inputs we used for modeling the potential impact of that fictional virus are not similar to nCoV-2019.


5. “Um século de epidemiologia diz-nos outra coisa”
André Dias, ECO, 10 de abril, 2020

Os dados iniciais de surtos infecciosos são essencialmente ruído, com muito pouco para tirar de sinal. Primeiro, porque durante algumas semanas não há agente identificado, depois, não há teste especifico para o agente, depois, só há testes virológicos (onde estamos agora) e, só bastante mais tarde, aparecem testes serológicos/ anticorpos.
[...]
Neste momento (escrito a 23 de Março), não há nenhuns dados fiáveis para estimar a letalidade da covid19, pode ser 0,001% ou 5%. Tudo isso é ruído. O número de infectados pode ser o que conhecemos ou dez mil vezes maior (sim, dez mil vezes).
Só com chegada de testes serológicos se começa a ter real imagem da doença na sociedade. A Holanda anunciou ter conseguido um teste marcador de anticorpos, mas são desconhecidos quaisquer resultados até agora.
Por exemplo, a gripe Suína começou com estimativas de 30% — literalmente extinção humana em poucos meses — e acabou abaixo de 1%, abaixo da gripe sazonal e não fez dano nenhum.
Este é o tipo de ruído com que estamos a lidar.
Os únicos dados minimamente fiáveis que temos de testes virológicos são do cruzeiro Diamond Princess, porque toda a gente foi testada num intervalo relativamente curto. Indicam 1% de letalidade numa população muito envelhecida, em ambiente confinado e a partilhar cantina. Podemos ter certeza estatística de que o mundo fora do cruzeiro terá taxas bem mais baixas. Adicionalmente, menos de 20% das pessoas foram infectadas e não há ainda explicação para tal.

sábado, 18 de abril de 2020

O COVID-19 OU A TRANSIÇÃO DA SOCIEDADE CAPITALISTA


 ´
 



 UM ARTIGO NOTÁVEL DO PROF. JOSÉ GIL

A pandemia da Covid-19 pode vir a modificar radicalmente o modo de vida das sociedades actuais, pré e pós-industriais. Um factor decisivo dessa transformação serão as novas tecnologias, que virão a ganhar uma importância maior na economia e nas relações sociais. Formar-se-á um novo tipo de subjectividade, a “subjectividade digital”, já em gestação nas sociedades actuais, mas que, no futuro, se colocará no centro do novo “capitalismo numérico”, como condição essencial do seu funcionamento. Entretanto, vivemos uma crise de transição, que compromete as próprias subjectividades.


Pandemia e desterritorialização

Mesmo antes de ser declarada a quarentena em Wuhan, sete milhões de chineses saíram da cidade e espalharam-se pelo mundo. A região da Lombardia, na Itália, que mantinha voos directos para a região mais contaminada da China, foi rapidamente atingida. A França, a Alemanha, a Espanha, o Reino Unido e, muito rapidamente a Europa, foram infectados. Alastrando a todos os continentes, a pandemia cobriu o planeta em poucos meses. Uma disseminação tão célere e imprevisível deveu-se às características do novo vírus, mas só foi possível graças à deslocação intensa de indivíduos e grupos, através da rede extraordinária de comunicações e transportes que liga hoje os países uns aos outros.

Trata-se de uma torrente imparável de gente sempre a ir e a vir, em que participam homens de negócios, políticos, universitários e estudantes, turistas (em turismo de massa ou individual) e multidões que se deslocam para assistir a acontecimentos culturais, desportivos ou religiosos, sem esquecer os milhões de migrantes fugindo da guerra e da fome. Estas vagas imensas de pessoas que vão de um território a outro, alimentam a desterritorialização geral, contínua, que não cessa de crescer. Ao disseminar-se, o vírus da pandemia não fez mais do que percorrer o mapa mundial da desterritorialização.

A pandemia resultou da desterritorialização, é a manifestação extrema da doença tecno-capitalista que há mais de dois séculos se infiltrou nas sociedades humanas. E que, tal como um vírus, vai contagiando território após território, país após país, continente após continente: é o capitalismo global que transforma a Terra inteira, submetendo-a, como um contágio epidémico, ao seu funcionamento. Se o novo coronavírus prolonga o movimento desterritorializante da economia capitalista, é porque esta é, no seu desenvolvimento e propagação, propriamente pandémica.
A primeira reacção contra a pandemia visou, logicamente, conter a sua proliferação: contrariando ao máximo a desterritorialização, impôs-se a quarentena a centenas de cidades, e confinaram-se os cidadãos nos seus locais de residência. Fecharam-se aeroportos, estações de comboios, portos e estradas, sítios onde as aglomerações de pessoas aumentam os riscos de contaminação. Porque a desterritorialização implica não apenas a deslocação, mas também o seu contrário complementar, os mais variados ajuntamentos de “pessoas sós”, que se encontram nas gares ferroviárias ou nos festivais de música. Cancelaram-se eventos de toda a espécie, proibiram-se saídas e passeios. Numa palavra, reterritorializaram-se os indivíduos nas suas casas, incentivando-os a cultivar um tipo de vida esquecido, por assim dizer “arcaico”, familiar e mais “humano”, que o regime habitual de trabalho havia sempre impedido.

O confinamento universal e a reactivação de modos de vida supostamente harmoniosos, mas já erodidos e ineficazes, levam à formação de novas subjectividades, mais adaptadas à “economia numérica”. A generalização do teletrabalho, a digitalização máxima dos serviços e a virtualização das deslocações e das relações sociais terão, muito provavelmente, consequências drásticas nas transformações da sociedade.

Se, até aqui, se alargava a desfasagem crescente entre o desenvolvimento da economia financeira global e os processos de subjectivação – que misturavam subjectivações digitais e subjectivações arcaicas, estas ligadas ainda às sociedades industriais e pré-industriais -, agora o vazio parece poder ser preenchido. A época de transição chega ao seu fim.

A nossa ideia é simples: a pandemia será o agente mediador da passagem de uma fase histórica do capitalismo (o capitalismo industrial-financeiro) – cada vez mais perturbada e caótica, cada vez menos viável no contexto geral da sociedade e do Estado – para uma outra fase em que se procuram os ajustamentos necessários entre as exigências económicas e as subjectividades que, em todos os domínios, do teletrabalho às práticas de lazer, lhes correspondam adequadamente.

Conseguir-se-ia, assim, um equilíbrio, sem dúvida precário, mas que asseguraria o desenvolvimento sem entraves do capitalismo digital: eis o que está inscrito, eis o que visa o impulso imparável da dinâmica capitalista. Evidentemente, serão precisas subjectividades apropriadas, com o máximo de consenso colectivo e individual, e o mínimo de conflito.

Terá sido necessário o surgimento de uma pandemia mortífera para adaptar as subjectividades às novas exigências do capitalismo global. A Covid-19 seria o trampolim a catapultar a colectividade para um nível superior, o da sociedade digital. Em vez de progredir gradualmente, passando por fases mediadoras, a pandemia vai obrigar a um salto brutal, impondo indiscriminadamente a digitalização de todas as actividades. Inverter-se-ia a ordem de subordinação: o digital, que estava submetido à hegemonia de hábitos ligados ao corpo físico (a desterritorialização obrigava os corpos a deslocarem-se ou a desapropriarem-se de si próprios), tornar-se-ia dominante, condicionando os outros actos sociais, quando não os suprimia.

O que se procurava, afinal, era que as gerações pré-pandémicas, com a sua cultura humanista, os seus hábitos jurídicos, a sua consciência judeo-cristã, não entravassem mais o livre funcionamento da economia. Só pelo número de mortos idosos, a pandemia já ajudou a limpar o horizonte. Mas foi sobretudo pela construção de novas práticas, novos constrangimentos, novos hábitos de prazer a que obrigou o isolamento social, que as subjectividades digitais poderão florescer e dominar. Serão subjectividades desterritorializadas, de certo modo, nómadas e transparentes, mas reterritorializadas no digital.

A inteligência artificial terá sem dúvida um papel decisivo neste processo de sedentarização. As novas subjectividades caracterizar-se-ão pela submissão e adequação dos corpos às (ou mesmo a sua exclusão das) tarefas da economia digital, e a permeabilização das mentes às ordens e necessidades da vida virtual. A nova subjectividade comportará capacidades passivas de obediência voluntária e capacidades activas de funcionamento programado. Estas características estavam já presentes na subjectividade digital pré-pandémica, que descrevemos acima.

O capitalismo, a esperança e as forças de vida

Vivemos, neste momento, dois tempos diferentes, em simultâneo: o nosso presente da vida confinada e o tempo da espera que a pandemia acabe. Nem um nem outro, nem os dois sobrepostos, ajudam a agir. Alguns pensam que este período de isolamento deverá ser aproveitado para tomar consciência da necessidade de mudar de vida, recusando voltar à “normalidade”. A normalidade representa o tecno-capitalismo e a vida caótica que ele engendra.

Através das fragilidades e insuficiências das políticas de saúde, esta crise revelou in vivo a desigualdade que condena tendencialmente os pobres à contaminação e à morte, a indiferença dos sistemas económicos perante o sofrimento e a doença, ou a falta de solidariedade e de coesão dos Estados membros da União Europeia. Mas mais profundamente, ela mostrou, segundo muitos, a futilidade e o vazio da vida sem sentido em que os povos viviam antes da pandemia. Apareceram então – e continuam a aparecer – certos pensadores, laicos e religiosos, que afirmam ser esta pandemia a ocasião única para operar “revoluções” ou “reformas interiores” ou “conversões” radicais que trouxessem uma mudança radical no modo de vida da humanidade. 

A verdade é que este período de luta pela sobrevivência física não gerou até agora nenhum sobressalto político ou espiritual, nenhuma tomada de consciência da necessidade de mudar de vida. Não gerou esperança no futuro. No nosso país, a unidade nacional foi reforçada apenas no sentimento colectivo de compaixão pelos mortos e doentes, e pela gratidão para com os médicos e enfermeiros. Talvez um pouco, também, pela adesão geral à política do governo.

Não se conceberam nem novos valores éticos, nem novos programas económicos ou práticas políticas. E nem a violência brutal do sofrimento e da morte nos hospitais, escancarada no espaço público mediático, conseguiu varrer as imagens enganadoras com que nos habituámos a lidar com a realidade. O confinamento não favoreceu a reflexão e a acção, pelo contrário, suspendeu o tempo, a vida activa e o pensamento. O contágio temido, imaginado, alucinado, foi o único acontecimento que condicionou as emoções e os gestos quotidianos.

Se, com o confinamento, fugimos à desterritorialização desabrida que vivíamos antes da pandemia, não nos reterritorializaremos, afinal, senão no digital. Quando se diz “estamos todos juntos nesta luta” ou “só com o esforço de todos poderemos vencer o vírus”, este “todos” que compreende sobretudo os confinados constitui, no fim de contas, uma realidade virtual. Estamos, virtualmente com todos e com a comunidade, em que participamos à distância, separando-nos dela. É toda a vida que se virtualiza.

De resto, o confinamento não foi e não é um tempo de expansão e alegria. Com as ruas desertas, as cidades silenciosas e o sofrimento gritante dos doentes, a casa em que nos fechámos não constitui, propriamente, um lugar de entusiasmo e criação. Nem propício à meditação metafísica, nem à elaboração de grandes projectos de vida. Afinal, a grande maioria das pessoas quer “voltar à normalidade” (ou, a uma “nova normalidade”, como diz Cuomo, o governador do estado de Nova Iorque). 

Ao ver o desejo premente e angustiado dos políticos de certos países da Europa, de acabar, neste mês de Abril, com o isolamento obrigatório para pôr a economia a funcionar, constata-se que se está a preparar tudo para voltar e retomar – por mais difícil que venha a ser – o estado de coisas anterior. A economia versus a saúde, como se tem dito, ou a vitória da economia contra a saúde (nos vários sentidos da palavra). O tecno-capitalismo voltará a funcionar, talvez não como dantes, talvez como “capitalismo numérico”, construindo rapidamente novas subjectividades digitais. Não escaparemos ao seu poder de preservação, auto-regeneração e metamorfose. 

Resta-nos ver mais longe, e prepararmo-nos, com o máximo das nossas forças de vida: esta crise não é independente da crise ecológica que estamos já a viver e que em breve atingirá um patamar irreversível. Aí, e porque para ela não haverá vacina, teremos todos de pôr radicalmente em questão o tecno-capitalismo e os seus modos de vida, se quisermos ter um (outro) destino na Terra.



sexta-feira, 17 de abril de 2020

ISABEL DA NÓBREGA





Tenho o privilégio de ser amigo da escritora Isabel da Nóbrega há mais de cinquenta anos. Mulher de grande cultura e sensibilidade, sempre disponível para acorrer aos que necessitam de uma palavra ou de um gesto, a Isabel é, como a definiu um amigo comum já falecido, uma verdadeira força da natureza.

Recebi hoje de sua filha uma linda fotografia, tirada ontem por seu neto Francisco, poucas semanas antes da Isabel completar 95 anos.

Assim, é com um imenso prazer, e também no cumprimento de um dever de amizade, que publico essa fotografia, para satisfação de todos os amigos da Isabel, que ainda são muitos, apesar da voragem do tempo, e que a todos servirá para recordarem momentos das respectivas vidas.