domingo, 31 de outubro de 2010

A PRESIDENTA


Segundo as mais recentes previsões, Dilma Roussef foi hoje eleita, à segunda volta, presidente do Brasil. É a primeira vez que uma mulher alcança a mais alta magistratura do país, após uma campanha renhida com o seu adversário José Serra e beneficiando do incondicional apoio do presidente cessante Lula da Silva.

É um facto que durante os dois mandatos de Lula da Silva o Brasil registou não só um franco progresso económico mas uma significativa melhoria das condições de vida da população mais pobre (e são milhões) do país. Deve dizer-se que Lula beneficiou da herança de estabilidade do seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, mas não se lhe pode negar nem o carisma que sempre o caracterizou, nem o esforço desenvolvido para erradicar a imensa miséria existente no país.

Ouvindo muitos testemunhos das centenas de milhar de brasileiros e brasileiras que hoje vivem em Portugal, onde se dedicam às mais diversas actividades, públicas e privadas, registamos que a sua preferência é nitidamente por Dilma Roussef, a pessoa que Lula (e o Partido dos Trabalhadores -  PT) escolheu para lhe suceder. Acontece, todavia, que nem sempre a "Criatura" corresponde à vontade do "Criador", antes pelo contrário. E sendo Dilma a "Criatura" de Lula, não tem nem a sua aura, nem o seu poder de convencimento, nem o seu trajecto. Nem é certo que siga obedientemente as instruções de Lula, quando investida do supremo poder. Observando o seu percurso, constata-se que Dilma Roussef tem mudado sucessivamente muitas das suas convicções, porventura ao sabor das conveniências do momento, e nada assegura que a sua presença na presidência seja uma garantia da continuidade da política de Lula.

Nem tão pouco se pode esperar de Dilma uma intervenção na cena política internacional como a que manteve o presidente cessante, obtendo para o Brasil um estatuto de parceiro privilegiado, como uma das novas potências emergentes.  Os seus contactos com Obama, mas também com Castro e Chávez, com os líderes europeus, mas também com Putin e finalmente com Erdogan e Ahmadinejad, dois homens-chave do momento actual no Médio Oriente, garantiram-lhe uma projecção que Dilma, certamente, nunca alcançará.

Diz-se que o mandato desta senhora constituirá um interregno para que Lula, impedido pela Constituição de se recandidatar a um terceiro mandato consecutivo, volte a apresentar-se em 2014. Quem viver verá.

ATENTADO EM ISTAMBUL



Verificou-se hoje um atentado contra o posto nevrálgico da polícia de Istambul, situado na praça de Taksim, no coração da cidade. Um bombista suicida, de aparentemente 20 anos, fez-se explodir quando pretendia apossar-se de um veículo policial. Este ataque, que provocou o pânico naquela que é a principal praça da parte nova da antiga capital otomana, ocorreu quando se ultimavam os preparativos para a comemoração do aniversário da República Turca, proclamada em 1923. As celebrações ocorrem normalmente no Dia Nacional, a 29 de Outubro, mas este ano as celebrações tinham sido adiadas devido ao mau tempo.

O atentado foi reivindicado pelos Falcões da Liberdade do Curdistão (TAK), considerado como uma ramificação do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e provocou mais de 30 feridos, entre os quais 15 polícias.

O primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan condenou vigorosamente este ataque, mas apesar dos sucessos alcançados pelos sucessivos governos turcos contra a guerrilha curda, desde há décadas, o problema, uma funesta herança da forma como as potências ocidentais não resolveram a situação decorrente do colapso do Império Otomano no fim da Primeira Guerra Mundial, mantém-se, com implicações em zonas do norte da Síria e principalmente do Iraque, onde os curdos pretendem finalmente criar um estado independente.

sábado, 30 de outubro de 2010

UM FILME DE TERROR


Há cerca de duas horas ouvi na rádio Eduardo Catroga afirmar que o acordo Governo/PSD sobre o Orçamento de Estado (onde ambas as partes terão feito algumas concessões) fora assinado ontem em sua casa, às 23 horas e qualquer coisa, e que até lhe tinham tirado uma fotografia com o telemóvel, para registar esse momento histórico.

Ouvi logo a seguir Teixeira dos Santos ressalvando ter o PSD que fazer concessões na negociação na especialidade, pois, para atingir o défice previsto, há que encontrar mais 500 milhões de euros, seja cortando na despesa, seja aumentando na receita, inclusive com nova subida de impostos.

Estou estupefacto! Ou estarei doido?

Então o acordo não é para cumprir?

Depois de semanas de jogo do gato e do rato, de declarações inflamadas, de mentidos e desmentidos, dos conselhos do presidente da República, das intervenções do prof. Marcelo, das declarações dos líderes dos dois principais partidos e dos seus apaniguados, das proclamações dos outros líderes partidários, de centenas (ou mesmo milhares) de horas de mesas redondas ou quadradas ou rectangulares na televisão, da reunião do Conselho de Estado, do acordo finalmente assinado, ficará tudo como dantes? Ou quase?

Foi tudo uma farsa?

Estamos a assistir a um verdadeiro filme de terror. Mas o suspense não se assemelha, nem de perto nem de longe, ao que Agatha Christie, uma senhora muito "old England", introduzia nos seus romances policiais.

O que acontecerá nas próximas horas?

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O HORROR

Como aqui se escreve, tudo isto é, de facto, um horror.

O VIOLADOR DE OVELHAS


Acabo de ouvir no noticiário da RTP1 que um indivíduo, que supostamente sodomizava as ovelhas confiadas à sua guarda, foi assassinado por outro indivíduo, entretanto detido pelas autoridades. Passa-se isto na freguesia de Proença-a-Velha, concelho de Idanha-a-Nova, num distrito possivelmente de Meia-Idade.

Ignoro se as ovelhas eram menores, nem conheço a legislação que eventualmente reja a vida sexual das ovelhas. Também não se sabe, julgo eu, se o acto era praticado com o consentimento das ditas.

Duas coisas são todavia indiscutíveis: 1) se houve um homicídio, o assassino deverá ser julgado e condenado, nem poderia ser de outra forma; 2) a frequência com que a comunicação social fala de violações sexuais (também se alude muito à violação do segredo de justiça, ou dos segredos de Estado, mas isso não tem, necessariamente, a ver com o sexo) contribui largamente para o aumento das mesmas.

AINDA AS INUNDAÇÕES


Como se pode constatar aqui por estas imagens, a chuvada de uma manhã inundou parte da capital de Portugal. O dinheiro desperdiçado em comemorações inúteis e prebendas de duvidoso préstimo melhor utilizado seria no saneamento de Lisboa.

DE TRÁS-OS-MONTES


Foi ontem apresentado, no Palácio da Ajuda, o livro de Virgílio Nogueiro Gomes Transmontanices, compilação de crónicas do autor sobre a cozinha transmontana. Homem de bom gosto, na culinária e não só, Virgílio Gomes ensaia neste livro uma visita às especialidades daquela região, donde é oriundo, viajando entre os diversos sabores e os variados ingredientes que a cozinha regional, e tradicional, nos proporciona.

Quando se pretende impor, a todo o custo, o consumo de pratos exóticos (que importa conhecer mas não adoptar como regra de vida) ou do fast-food (uma invenção anglo-saxónica, só podia ser) para eliminar o prazer de uma refeição convencional em prol de um aproveitamento de tempo que logo a seguir se perde, é prestimoso e pedagógico que alguém evoque, em jornais ou em livros, alguns dos manjares da autêntica cozinha portuguesa. E Virgílio Gomes é uma das pessoas mais qualificadas para o fazer.

INUNDAÇÕES


 

PUBLICADO HOJE PELO BLOGUE "O INSURGENTE"

Outubro 29, 2010

Cosmopolitismo de terceiro mundo

Filed under: Política,Portugal — Adolfo Mesquita Nunes @ 12:00
Lisboa não resiste às primeiras chuvas e deixa-se afogar como uma pequena povoação de uma qualquer Venezuela chavista. O centro da cidade, que os socialistas querem sem carros e cheio de comércio e vibrante juventude, inundou. O pequeno comércio da Baixa, que os socialistas querem proteger e manter, inundou. O trânsito, que os socialistas querem desviar até se tornar impossível andar de carro no centro, inundou. Este é o retrato de uma Lisboa que gasta milhões em concertos e festas ao melhor espírito cosmopolita mas que se esquece de limpar as sarjetas para prevenir as inundações.


ESTÁ TUDO DITO!!!

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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O REGIME


Como tem sido dito e repetido, encontra-se Portugal (e a Europa) face a uma crise não só económica e financeira, mas social, moral, cultural. Numa palavra: uma crise de regime.

Os anos atribulados da Primeira República, agora comemorados sem entusiasmo nem participação popular, tiveram o seu epílogo na iminência  de uma bancarrota total que, através de medidas drásticas, Salazar conseguiu evitar. Apertou-se o cinto (já não sou desse tempo), exigiram-se sacrifícios mas viram-se resultados. Depois, a Segunda Guerra Mundial obrigou a novas e desagradáveis medidas, que só não foram mais gravosas por termos sabido evitar a participação no conflito.  Restabelecida a paz entrámos, lentamente, no caminho de algum progresso, apesar da guerra colonial. Começaram os benefícios sociais, houve uma recuperação económica, mas o problema africano constituía um impasse. 

Houve então a revolução de Abril. E significativos (e desmesurados) benefícios para os que mais deles precisavam e para quem deles não necessitava. Afastaram-se também, indevidamente, pessoas de reconhecido mérito. É sempre assim nas revoluções. Acabada a confusão do PREC, instaurada a dita democracia representativa, vieram, com a entrada na Comunidade (depois União) Europeia, os dinheiros de Bruxelas. Foi um fartar vilanagem. E daí em diante sempre nos foram pedidos novos sacrifícios em nome de miríficos horizontes nunca alcançados. Sempre os mesmos são chamados a contribuir para a salvação da Pátria, ignora-se a título de quê. Quem usa de expedientes, safa-se, quem é honesto, lixa-se. Há cada vez mais ricos (não se sabe como) e mais pobres (sabe-se muito bem como). As assimetrias são insuportáveis e tornar-se-ão explosivas.

Parece que é a União Europeia quem nos impõe os presentes e novos sacrifícios que deveremos imolar no altar da Pátria (?). Em troca de quê? Quem nos garante o retorno??? Ninguém!!!

Foi a União Europeia na sua génese um projecto generoso mas ilusório porque não teve em conta a cupidez humana. O sonho europeu é agora um pesadelo, por razões de vária ordem, para a maior parte dos estados que a compõem. E não se pode exterminá-la? Parece que não, que seria ainda pior.

Voltando à cena doméstica, o que se torna necessário e urgente é a revisão do regime, certo que este regime, e quase ninguém tem a coragem de o dizer embora muitos o pensem, já não satisfaz as exigências nacionais. Nem parece que o pessoal político que nos pastoreia há 20, 30 ou mais anos, continue em condições de dirigir esta nave enlouquecida. 

Mantenha-se a forma republicana, mas transformem-se as instituições, remodelem-se visceralmente os partidos, reforme-se o parlamento, altere-se o sistema judicial, crie-se um novo tipo de governação. Tarefa difícil mas imprescindível, nem que para tal haja que suspender, como sugeriu Manuela Ferreira Leite (com quem não partilho a maior parte das ideias, que também é co-responsável da actual situação, mas com quem estou de acordo neste particular) por algum tempo a "democracia".

Não é este Orçamento, nem qualquer outro que nos poderá salvar, mas só um novo regime.


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

FÓRUNS NA RÁDIO

A RDP1 e a TSF mantêm, de 2ª a 6º feira, de manhã, um fórum radiofónico, onde são tratados temas considerados de actualidade. Estes fóruns, em que participam (supostos) especialistas dos assuntos abordados, são abertos à participação dos ouvintes, que assim têm a oportunidade (e a possibilidade) de exprimir as suas opiniões sobre as matérias em discussão.


Entre alguns inevitáveis disparates, podemos ouvir todos os dias os mais pertinentes comentários acerca dos temas em apreço, nomeadamente quando se referem à situação actual do país. Muitos dos intervenientes apresentam casos concretos da sua vida que deveriam fazer corar de vergonha os nossos governantes; outros lançam um grito de indignação contra as injustiças a que foram submetidos pelos poderes públicos (legislativo, executivo ou judicial). Há, todavia, um ponto comum a quase todas as intervenções: a crítica frontal do regime.


Não sei se a nossa classe política costuma ouvir estes fóruns. Talvez não, porque se julga muito esclarecida e anda muito ocupada. Mas fazia bem em escutar as opiniões, não digo anónimas pois os cidadãos são identificados, do que se costuma chamar o povo. Era bom que os nossos políticos ouvissem essas opiniões. Antes que seja tarde...

terça-feira, 26 de outubro de 2010

OS DESAFIOS DA DEMOCRACIA


Marcel Gauchet, historiador e filósofo francês, autor de numerosos e notáveis livros, como Le Désenchantement du monde (1985), publica esta semana o terceiro volume de L'Avènement de la démocratie, subintitulado À l'épreuve des totalitarismes 1914-1974. Os dois primeiros volumes desta obra foram dedicados, o primeiro a La révolution moderne e o segundo a La crise du libéralisme 1880-1914.

O Nouvel Observateur desta semana (nº 2398) entrevista Marcel Gauchet sobre os novos desafios da democracia. Lúcido na análise, as conclusões a que chega parecem-nos demasiado optimistas. Só a leitura do livro nos permitirá uma opinião fundamentada. Mas, no entretanto, deixamos a indicação da ligação http://hebdo.nouvelobs.com/sommaire/les-debats/101544/les-nouveaux-defis-de-la-democratie.html para os leitores interessados poderem conhecer o pensamento desta eminente figura, director de estudos na École des hautes études en sciences sociales e redactor em chefe da revista Le Débat.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A FAMÍLIA VILLIERS

Philippe de Villiers

Ainda a braços com o escândalo L'Oréal, em consequência dos donativos particulares efectuados ao partido de Nicolas Sarkozy (além de outros a outras pessoas) por madame Liliane Bettencourt, uma senhora muito "vieille France", e também a mulher mais rica do país, que a filha pretende interditar por esbanjamento dos seus bens, está a França política agitada com outro processo, o da família Villiers.

Trata-se de um caso que surgiu à luz do dia em 2006, que foi relativamente silenciado,  e que agora volta à barra dos tribunais. Em 30 de Outubro desse ano, Laurent de Villiers, o filho mais novo do visconde Philippe de Villiers (ex-membro do governo francês, eurodeputado, chefe do partido político "Mouvement pour la France" e candidato ás eleições presidenciais em 2007) apresentou queixa à polícia contra o seu irmão mais velho Guillaume, a quem acusou de o ter violado sistematicamente, desde 1994, tinha ele então 10 anos e o irmão 16. Dispensamo-nos dos pormenores, aliás sobejamente relatados na imprensa francesa.

Guillaume de Villiers
Aquando da queixa, o irmão, então com 28 anos, negou vigorosamente os factos. Depois, o assunto foi remetido para um limbo, a fim de evitar a promiscuidade de um problema de família com uma candidatura presidencial.  O caso assumiu maior gravidade, já que o casal Villiers, profundamente católico, monárquico, conservador, é suposto ter conhecimento da ocorrência desde 2000 e ter tentado por todos os meios evitar o rebentar do escândalo.

Laurent de Villiers
Vai agora o acusado comparecer perante o tribunal de menores a fim de se determinar se realmente existe matéria de facto para um procedimento judicial ou se tudo não passou de um delírio do irmão mais novo para se evidenciar ou para tentar prejudicar a carreira política do pai.

A ser verdade este incesto fraterno (que o irmão mais novo só denunciou aos 22 anos), trata-se, afinal, de uma situação muito mais vulgar no seio das famílias do que se pretende fazer crer, como já é hoje perfeitamente notório. Nem o assunto assumiria em França particular relevo, não fosse tratar-se dos filhos de Philippe de Villiers, como o caso L'Oréal não seria falado, se não estivesse em causa a fortuna de madame Liliane Bettencourt, a cupidez da filha e os donativos para a candidatura de Nicolas Sarkozy.

domingo, 24 de outubro de 2010

OS RESPONSÁVEIS


Durante as últimas décadas recebeu Portugal, das Comunidades Europeias primeiro e da União Europeia depois, importâncias astronómicas para o seu desenvolvimento económico e, em consequência, para a sua estabilização financeira. Ignora-se o que aconteceu a grande parte desse dinheiro. Em alguns casos, especialmente no dos fundos destinados às chamadas "acções de formação", chegaram a ser levantados processos que não chegaram a qualquer conclusão. É hoje convicção generalizada dos portugueses que parte substancial das verbas recebidas entraram directa ou indirectamente em bolsos a que não se destinavam mas jamais se conheceu quem fosse responsável pelo desvio ou pela má utilização dos dinheiros públicos.

Clamam todos, ou quase todos, os políticos actuais, com inaudito "descaramento democrático", que a culpa da situação crítica a que chegámos é dos seus predecessores, ainda que alguns dos actuais protagonistas políticos estejam no poder desde o golpe de Estado de 1974.

Mas é um facto que nunca foram pedidas responsabilidades (ao menos políticas) a ninguém. Realmente, o que se tem verificado são sucessivos pedidos de sacrifícios aos mais desprotegidos, sejam os idosos, os doentes, os desempregados, os reformados ou outros enteados da sorte e a quem a vida foi madrasta.

Diga-se até que alguma parte dos dinheiros comunitários se destinou à destruição da nossa agricultura e das nossas pescas.  Em nome de uma Europa solidária que nos está cada vez mais distante.

Julgo, por isso, que o actual "discurso político", da direita à esquerda, é de uma incomensurável falta de vergonha. E que temos assistido, nas últimas semanas, a uma má encenação de um péssimo espectáculo, a que não tem faltado a prestimosa colaboração de parte da comunicação social. Mesmo os mais distraídos se dão conta do "déjà vu", da impunidade triunfante, do enriquecimento súbito de poucos (já não tão poucos como isso) à custa da miséria de muitos, da progressiva extinção da classe média que é o alicerce do regime democrático e o sustentáculo das instituições.

Será que não existem mesmo responsáveis pelo roubo e pelo desgoverno? Ao longo de 35 anos?

Não acredito.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

OS VALORES UNIVERSAIS

Claude Lévi-Strauss

No recente fórum do Libération, em Lyon, Jean Daniel e Jean-Claude Carrière travaram um debate sobre os "valores universais", em grande parte à sombra desse insigne mestre que foi o antropólogo Claude Lévi-Strauss.

Porque se trata de um tema apaixonante e de pertinente actualidade, remetemos os nossos leitores para o número do Nouvel Observateur que transcreve esse debate. http://jean-daniel.blogs.nouvelobs.com/archive/2010/10/12/y-a-t-il-des-valeurs-universelles.html

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

LYAUTEY E MARROCOS


Em post publicado anteontem, no seu blogue "La république des livres", http://passouline.blog.lemonde.fr/, refere-se Pierre Assouline à figura do Marechal Lyautey,  a propósito do próximo centenário do estabelecimento do protectorado francês em Marrocos (1912). Considera o escritor e jornalista que a data é particularmente embaraçosa para os marroquinos, já que Lyautey, embora representante de um poder colonial, foi uma figura de extraordinária importância no desenvolvimento do país.


Primeiro Residente-Geral da França em Marrocos (1912-1925), Louis Hubert Gonzalve Lyautey (17 Novembro 1854 - 27 Julho 1934)  conciliou a sua acção de "pacificador"  com um profundo respeito pelas tradições e costumes do país, através da legislação que fez publicar. Deve-se-lhe o desenvolvimento do urbanismo moderno na periferia das medinas, a interdição aos "infiéis" da entrada nas mesquitas - medida certamente discutível, e hoje extendida à Argélia e à Tunísia, já que o islão não proíbe aos não-muçulmanos a entrada nos seus templos (podem visitar-se as mesquitas da Líbia, do Egipto, da Síria, do Líbano, da Turquia, etc.) - e a contribuição para o apaziguamento das tensões existentes no território.  Monárquico convicto (embora representante de uma república) num país monárquico, católico fervoroso (embora representante de uma França laica) num país religioso, sempre invocou Lyautey estas duas qualidades como causa do seu êxito na difícil missão que desempenhou. Estávamos no tempo em que o marechal podia exortar a França a tornar-se "uma grande potência muçulmana", sem que isso surpreendesse ou chocasse. Existem, porém, outras razões, que Assouline omite, voluntariamente que não por desconhecimento, e a que importa aludir. Falaremos delas adiante.


Numa obra em três volumes (cerca de 1.000 páginas), o historiador francês Daniel Rivet percorre o tempo do protectorado francês em Marrocos e a vida de Lyautey, já que ambos são inseparáveis. Paralelamente à aplicação de medidas respeitantes ao progresso material do país, preocupou-se o Residente-Geral com a educação dos marroquinos, e o liceu francês de Casablanca mantém ainda hoje, meio século após a independência (1956) a designação de Lycée Lyautey, continuando o seu busto a ornamentar o recinto. Diga-se que deste liceu saíram algumas das mais ilustres figuras da vida marroquina e também das elites francesas, como, por exemplo, o actual ministro da Emigração do governo Sarkozy, Éric Besson.

A vida militar de Hubert Lyautey decorreu quase exclusivamente nas colónias, primeiro na Argélia, depois na Indochina, onde serviu sob as ordens do futuro marechal Joseph Gallieni, a seguir em Madagáscar e finalmente em Marrocos. Detentor de numerosas condecorações, Lyautey foi promovido a marechal em 1921. Era também membro da Academia Francesa, eleito em 1912, foi ministro da Guerra em 1916/17, durante a Primeira Guerra Mundial, comissário-geral da Exposição Colonial Internacional de 1931, em Paris e presidente de honra dos escuteiros de França.



A chave do sucesso de Lyautey reside, entre outras razões, na sua profunda atracção pelos marroquinos. Num livro profundamente documentado, Lyautey-Charlus, Christian Gury refere-se à homossexualidade do marechal e não hesita em afirmar que Lyautey foi mesmo o modelo que serviu a Marcel Proust para compor a personagem do Barão de Charlus, o célebre homossexual da não menos célebre obra À la Recherche du Temps Perdu.


Georges Clemenceau, que foi primeiro-ministro francês à época, afirmaria ironicamente a propósito de Lyautey: «Voilà un homme admirable, courageux, qui a toujours eu des couilles au cul... même quand ce n'étaient pas les siennes!».  Dispenso-me de traduzir.

Poderia aliás dizer-se, a propósito do marechal, que ele foi - utilizando uma expressão de Frédéric Mitterrand, no seu livro La Mauvaise vie - um precursor daquilo que o actual ministro francês da Cultura classificou de "tentation arabe". Quantos franceses, e não franceses, escritores e artistas, seguiram as suas pisadas no norte de África, na Argélia mas especialmente em Marrocos e na Tunísia. Para apenas mencionar alguns citaria Gide, Genet, Barthes, Foucault, Paul Bowles, Tennessee Williams, Montherlant, Peyrefitte, William Burroughs, Pasolini, Visconti, Gore Vidal, o nosso Teixeira Gomes e mais não escrevo.



No seu livro Auprès de Lyautey, o diplomata e académico Wladimir d'Ormesson (tio do académico e escritor Jean d'Ormesson, ainda vivo) descreve a sua relação de amizade com o marechal, que nutriu por ele uma ardente paixão quando aquele foi, durante o serviço militar, seu oficial às ordens.

Também o jovem Maurice Rostand (filho do dramaturgo Edmond Rostand, autor de Cyrano de Bergerac) foi objecto das atenções de Lyautey, vindo a consignar as solicitações do marechal num livro, dedicado à vida literária, artística e sexual do seu tempo, Confession d'un Demi-Siécle.


Não é possível resumir no espaço de um post a multifacetada carreira do marechal Lyautey nem a influência que a homossexualidade desempenhou na sua conduta, por vezes bizarra (como fazer-se acompanhar de um piano através do deserto e obrigar os seus jovens ajudantes que sabiam música a tocar dentro de tendas até de madrugada) mas sempre orientada pelo sentido do dever. A sedução que lhe despertaram as culturas "exóticas" acompanhou-o até ao fim da vida, como aconteceu a outros seus compatriotas, tal o académico Pierre Loti que, retirado da Marinha e da sua amada Turquia, acabou por mandar construir uma mesquita "doméstica" na casa para onde se retirou nos últimos anos de vida. No caso de Lyautey, já a Indochina, aonde esteve no princípio da carreira, lhe despertara particular atenção, como despertaria mais tarde a outro oficial, o marechal De Lattre de Tassigny, herói da França, que aí foi alto-comissário e comandante em chefe das forças francesas em 1950, e que conseguiu formar um exército nacional vietnamita e bater por três vezes o general Giap. Afinidades electivas dos marechais de França, embora nada conste de concreto sobre o marechal Philippe Pétain, ainda que se trate de uma matéria acerca da qual nunca existem certezas absolutas.

Hubert Lyautey foi sepultado na Igreja des Cordeliers, de Nancy, sendo mais tarde inumado em Rabat e repousando o seu corpo, desde 1961,  no Hotel des Invalides, em Paris, aonde também se encontra o túmulo de Napoleão Bonaparte.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

MARIANA REY MONTEIRO



Morreu hoje, em Lisboa, com 87 anos, Mariana Rey Monteiro. Filha de Amélia Rey Colaço e de Robles Monteiro, considerada uma das maiores actrizes de teatro da segunda metade do século vinte, interpretou os grandes dramaturgos clássicos e contemporâneos, quer no Teatro Nacional D. Maria II, quer em outros palcos e na televisão.


Deixando a outros o cuidado do obituário, registo apenas a expressão de uma imensa saudade.


 

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A SITUAÇÃO EM FRANÇA


Agrava-se a situação em França, devido às sucessivas greves e manifestações provocadas pela decisão do governo de elevar de 60 para 62 anos a idade de reforma. Não me parece que essa medida seja razão bastante para tanta agitação social, no momento em que a Europa e o Mundo atravessam uma das piores crises da sua história.

Julgo, contudo, que os franceses se insurgem violentamente não tanto por esta medida em si mesma mas pelo cortejo, que se avizinha, de uma redução drástica de benefícios e do agravamento da sua situação económica e financeira, após a aprovação da alteração da idade de reforma.

Para já, com um milhão de pessoas nas ruas, nas diversas cidades e vilas do país, começa a França a ficar paralisada pela falta de combustíveis, de alimentos, pelo bloqueio de estradas, pela interrupção das carreiras aéreas e ferroviárias, e pelos confrontos entre a população e as forças da ordem.

A governação errática de Sarkozy, homem sem convicções, sem cultura, sem princípios, na verdade um falso francês, tem-se revelado catastrófica. Outros homens de ideias bem diversas, e sempre discutíveis, como De Gaulle, Pompidou, Giscard, Mitterrand e Chirac, souberam incarnar sempre uma certa ideia da França. O actual ocupante do Eliseu não faz a mínima ideia do que isso seja.

É também provável que este vasto movimento de contestação se alargue a outros países, como a Espanha, Portugal, a Bélgica, a Irlanda, a Itália ou a Grécia, onde, há semanas, já se registaram violentos confrontos com a polícia. A regressão das regalias sociais, especialmente quando não plenamente justificadas e qunado se assiste à delapidação dos dinheiros públicos, não pode deixar de gerar um clima de profunda indignação e revolta, até porque as vítimas dos rigores orçamentais são sempre as mesmas, os mais desprotegidos. A Alemanha, onde existe um maior rigor e os cidadãos são - sempre foram - mais organizados e disciplinados, poderá subsistir por mais algum tempo indemne a esta vaga contestatária, mas, apesar da mulher de blusa castanha que a governa, acabará por soçobrar no pântano europeu onde impera, claudicante o sr. Barroso.

Espera-nos o pior.

A BANCA


Apresentação do recente livro de Marc Roche, pelo seu editor Albin Michel:

Une nouvelle puissance a surgi sur la scène mondiale. C'est celle d'une banque privée ultrasecrète.

Créé en 1869 cet établissement s'est longtemps contenté d'exercer son métier de banque d'affaires, avant de spéculer sur tous les marchés (boursiers, matières premières, or, produits dérivés...).
Depuis une dizaine d'années ses dirigeants ont pénétré les cercles les plus fermés de Washington. Et le krach de septembre 2008 est arrivé, faisant disparaître leur principal concurrent, Lehman Brothers. La « maison Goldman » est alors devenue à ce jour la banque la plus prospère de l'histoire.

Conseiller des Etats on l'a vu récemment avec la Grèce mais il y a d'autres pays concernés recruteur du staff du président des Etats-Unis Bush hier, Obama aujourd'hui , interlocuteur des grandes organisations internationales et du FMI, Goldman Sachs est au centre d'une gigantesque toile d'araignée. Aujourd'hui mise en cause pour avoir trahi ses clients, la banque reste une puissance, une pieuvre tentaculaire disent ses détracteurs.

Pour la première fois cette passionnante enquête livre un récit riche d'anecdotes sur les rapports de force entre le capitalisme et les gouvernements du monde entier et dresse le portrait de ses redoutables dirigeants, et notamment celui de son président, Lloyd Blankfein.

Comentários para quê?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

AINDA JUNQUEIRO


Ainda Guerra Junqueiro, no seu discurso de defesa (10 de Abril de 1907) no tribunal criminal do primeiro distrito do Porto, presidido pelo dr. Almeida Ribeiro, composto pelos juízes drs. Vaz Pinto e Diogo Tavares Leote, sendo delegado do ministério público o dr. Adérito de Alpoim e advogado de defesa de Junqueiro o dr. Afonso Costa: 

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«O meu valoroso e nobre defensor acaba de nos fazer a história dum reinado, em que os dois grandes bandos da monarquia, ao alternarem no governo, um ou outro, se acusam, publicamente, do saque da nação; em que o jornal dum antigo chefe de ministério, adverso aos dois bandos, confirma que pelos conselheiros da Coroa, nos últimos tempos, andaram quadrilhas de ladrões; em que alguns homens, dizendo-se já cansados de tanta baixeza e de tanto escândalo, proclamam que o ceptro se converteu num rolo de tabaco, num símbolo de afronta e de tirania, e vão depois humilhar-se ao mesmo ceptro, convertendo-o, para a investida ao direito, de rolo de tabaco, que faz náuseas, em arma de bronze, que faz mortes. E como epílogo e como supremo comentário, a voz altiva dum general do exército, ajudante do rei, soltando da tribuna da Câmara estas palavras vingadoras: Contra as prepotências que se estão dando, a história só indica um remédio, o apelo redentor à Revolução armada
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Guerra Junqueiro fora processado pelo representante do ministério público devido a afirmações publicadas no jornal A Voz Pública, em 2 de Dezembro de 1906. O poeta foi condenado a cinquenta dias de multa a um escudo por dia e nas custas e selos do processo.

QUALQUER SEMELHANÇA COM OS NOSSOS DIAS É PURA COINCIDÊNCIA

FINIS PATRIAE


Publicou Guerra Junqueiro Finis Patriae em 1890. A voz do poeta teve uma imensa repercussão nacional nos últimos anos da Monarquia. Não há hoje vate que se lhe compare na sua contestação da política portuguesa. Nem sempre concordando com as ideias que expressou, entendo que vale a pena, atendendo às actuais circunstâncias, transcrever o poema final daquela obra, dedicado "À Inglaterra". Para que a actualidade se mantenha, substitua-se Inglaterra por União Europeia e realizem-se mentalmente as indispensáveis adaptações. A "dedicatória" à Inglaterra  foi motivada pelo ultimatum britânico a Portugal. Mas pode dizer-se, em abono da verdade, que a perspectiva da Inglaterra em relação aos outros países nunca se alterou, como se pode comprovar pela recente governação do sinistro Tony Blair. A obra Finis Patriae está publicada no livro Horas de Luta.







Clique nas páginas para ler melhor.

domingo, 17 de outubro de 2010

O QUE ESTÁ ERRADO NA DEMOCRACIA?

Sugere-se a leitura deste livro de Loren J. Samons II, professor da Universidade de Boston.

sábado, 16 de outubro de 2010

A LOUCURA DE SÓCRATES


Acho que Sócrates endoideceu. Refiro-me, evidentemente, a Sócrates, improvável primeiro-ministro de Portugal, e não ao notável filósofo grego do mesmo nome.

Integrar o Teatro Nacional D. Maria II (e também o S.João, do Porto) nessa coisa aberrante que é a OPART (que engloba o Teatro Nacional de S.Carlos e a Companhia Nacional de Bailado) não abona quanto ao estado mental do chefe do Governo nem da sua ministra da Cultura.

Além dos sacrifícios não equitativamente distribuídos pelos portugueses, que mais nos estará ainda reservado???

SIMPLEX


Anuncia o governo que vai ser criada mais uma comissão ou qualquer coisa do género (não sei bem o nome nem já me interessa) para traduzir para uma linguagem clara (plain language) o articulado obscuro da legislação nacional. Considera-se agora, finalmente, que a maioria dos diplomas publicados estão escritos numa linguagem inacessível à maior parte dos cidadãos, numa espécie de juridiquês, segundo ouvi alguém dizer hoje na rádio.

Tremo ao pensar nas simplificações que vão ser introduzidas na língua portuguesa, depois do famigerado acordo ortográfico luso-brasileiro de infausta memória. Vamos continuar a caminhar, agora mais resolutamente, e oficialmente, para o empobrecimento da língua nacional, já hoje suficientemente abastardada

Esquecem-se os proponentes deste simplex linguístico, ou querem-nos fazer esquecer, que o mal não está na utilização correcta da língua (ainda que por vezes possa existir algum rebuscamento na legislação). O mal reside no facto de os diplomas publicados serem suficientemente herméticos para os tornar incompreensíveis para a generalidade da população. Tem isto uma "simplex" razão de ser: obriga a frequentes consultas a advogados, ao recurso sistemático aos tribunais, etc. Mas se ainda fosse só isso! O pior é que a legislação publicada, especialmente aquela que respeita à possibilidade de realização de chorudos negócios, é ambígua e opaca e mais não digo, com o único intuito de permitir o exercício legal de actividades e a celebração de contratos da mais duvidosa seriedade. Não me esqueço de que, há anos, foi discutido com grande veemência um caso em que a introdução de uma simples vírgula num diploma da Assembleia da República alterou por completo o sentido do mesmo. E terá permitido um negócio, ao que se dizia então, de muitos milhões de contos.

Deixemo-nos pois de brincadeiras, e haja um módico de vergonha.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ESTADO DE SÍTIO


Ao fim de 35 anos de "democracia representativa", o país chegou ao estado actual. Independentemente de factores externos, alguns porventura fabricados, têm hoje os portugueses a consciência plena de que foram ludibriados e roubados "internamente" por uma classe dirigente sem escrúpulos (e ressalvo as excepções de homens honrados que, embora poucos, ainda os há e houve) que conduziram a nação à situação de insolvência patenteada nas medidas ora apresentadas ao parlamento.

Não deixa de ser uma ironia do destino, que no mês em que se comemora o centenário da proclamação da República, sejam adoptadas medidas de salvação nacional extraordinariamente gravosas para quase todos os portugueses.

A falência do Estado foi a causa primeira do golpe militar de 1926. E o saneamento das contas públicas a tarefa primeira do Estado Novo. Encontramo-nos numa situação, não idêntica, mas semelhante à que se vivia nos finais da Primeira República. Há hoje, para o Bem e para o Mal, uma União Europeia, que impede (ou tenta impedir) os golpes militares, e vai ajudando os povos a troco da sua liberdade, da sua subsistência, da sua consciência nacional. 

Essa União, dotado de três presidentes, o semestral, o do Conselho e o da Comissão (o famigerado sr. José Manuel Barroso), governa para satisfazer os interesses dos grandes países à custa do suor, das lágrimas, e brevemente do sangue dos pequenos países. Estamos no limiar de um novo período de escravatura, que dividirá a humanidade em homens superiores e homens inferiores, isto é, de uma sociedade que Adolfo Hitler não conseguiu impor militarmente, mas que outros tentam realizar pela via económica e financeira.

Há que dizer que os portugueses (os governantes, as oligarquias), partilham a parte do leão na responsabilidade do caos em que nos encontramos e que piorará de dia para dia. Mas também o cidadão comum não é totalmente inocente na hecatombe que se avizinha.

Nos momentos de crise nacional, em que a Pátria está em perigo (escrevo Pátria embora para muitos esta palavra careça já de significado), tem Portugal sabido encontrar um Salvador. Não sendo partidário de soluções messiânicas, entendo que há momentos cruciais em que essa via se impõe. Talvez este seja um deles. Como diria o Poeta:  "É A HORA!"

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ALFREDO MARGARIDO


Aos 82 anos, morreu anteontem Alfredo Margarido,  poeta, ficcionista, sociólogo, pintor, tradutor e estudioso de Pessoa.

Especialmente interessado na África Negra, divulgador do nouveau roman em Portugal, colaborou em diversas publicações, entre as quais as revistas "Colóquio-Letras" e "Persona". Há muito retirado das luzes da ribalta, o seu nome é hoje menos conhecido das gerações mais novas, o que não impede se reconheça o contributo que durante anos prestou à vida cultural portuguesa.

Este começo de Outono está a iniciar a sua ceifa.

MARIA CRISTINA DE CASTRO



Morreu anteontem. com 79 anos, a cantora lírica Maria Cristina de Castro, uma das vozes mais notáveis da ópera em Portugal, na segunda metade do século XX.

Integrou a Companhia Portuguesa de Ópera, criminosamente extinta após a revolução de Abril, apresentou-se diversas vezes no estrangeiro e, em 1958, cantou La Traviata, com Maria Callas e Alfredo Kraus, no Teatro de São Carlos, num registo sonoro hoje felizmente disponível.

Tive o privilégio de ser amigo de Cristina de Castro, com quem privei durante muitos anos, até porque tínhamos amigos comuns. Não a via há algum tempo e a notícia da sua morte entristece-me profundamente.

Era uma mulher culta e inteligente, e tendo alcançado grandes triunfos no campo operático, manteve-se sempre extraordinariamente modesta. Retirada da cena lírica, continuou a sua actividade como professora, ensinando gerações de alunos com um profissionalismo exemplar. Conversei com ela, pela última vez, na inauguração da exposição sobre a Callas, na Fundação EDP.

 Numa altura de profunda decadência nacional, não só económica e financeira mas sobretudo moral, o seu desaparecimento constitui mais uma perda para o património cultural português.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A IV REPÚBLICA?


A Universidade de Lisboa concedeu ontem aos três ex-presidentes da República, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio o grau de doutor honoris causa. À noite, na Reitoria, onde se realizou o semanal programas televisivo "Prós e Contras", Judite de Sousa abordou com os doutorados a situação política nacional.

Tratava-se, no fundo, de obter dos convidados a justificação para a aprovação do próximo Orçamento para 2011. As prestações dos ex-presidentes não foram substancialmente diferentes, entre o maior pessimismo de Soares e o menor pessimismo de Sampaio. Nenhum propôs, nem tal se esperava, a substituição do sistema político vigente.

Mas corresponderá o actual sistema às necessidades da conjuntura? Ou será preferível uma refundação, uma IV República, agora que se completaram 100 sobre a fundação do regime?

E será viável uma União Europeia, mais ou menos federalista, com sistemas como os actualmente vigentes nos Estados que a integram? Ou estará também esta União, onde proliferam os políticos incompetentes, ambiciosos e corruptos, condenada a uma dissolução a curto prazo?

Não houve respostas para estas questões, nem sequer  houve perguntas.

Entretanto, o préstito fúnebre inicia a sua marcha.

Adenda: Por lapso, escrevi Judite de Sousa em vez de Fátima Campos Ferreira. João Gonçalves chamou-me a atenção num comentário que publiquei e que agradeço.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

CONFRONTOS EM BELGRADO





Os confrontos de ontem, no centro de Belgrado, por causa de uma manifestação do orgulho gay, provam até que ponto é necessário avaliar do estado de espírito de uma sociedade, antes de realizar iniciativas que, em determinados contextos, surgem como nitidamente provocatórias.

Sempre houve em Belgrado, e em toda a Sérvia, uma percentagem de homens mantendo, normalmente ou episodicamente, relações homossexuais semelhante à que se verifica em toda a Europa. É das leis da natureza. Aliás, o livro Serbian Diaries, de Boris L. Davidovich, professor da Universidade de Belgrado, publicado em 1996, é um relato das experiências homossexuais daquele intelectual sérvio entre 1987 e 1993.




Existem, contudo, na Sérvia, particularidades especiais, comuns aos restantes países balcânicos, mas que aqui assumem uma importância acrescida. Durante décadas, esteve o leste europeu submetido a regimes comunistas, que consideravam a homossexualidade um produto do imperialismo ocidental destinado a infiltrar-se no sistema socialista. Com a queda dos regimes das democracias populares, reemergiu a toda poderosa Igreja Ortodoxa, silenciada durante meio século, e que, na matéria, é ainda mais intolerante do que o ideário comunista. Dos países que acederam recentemente às democracias representativas, a questão homossexual colocou-se com mais acuidade, por ordem de grandeza, na Bulgária, na Polónia (o peso da Igreja Católica), na Roménia e, finalmente, na Sérvia, não tanto pelas razões comuns aos outros países citados, mas pelo facto dos acontecimentos políticos dos últimos anos, que levaram ao bombardeamento do país pelas forças da NATO, por imposição da então secretária de Estado norte-americana, a grande prostituta política internacional, a judia-checa-americana Madeleine Albright, em 1999, na conferência de Rambouillet, contra a vontade (ainda que só esboçada) da maioria dos países dessa organização militar.


Rua Kneza Milosa
Rua Kneza Milosa
Rua Kneza Milosa
Os traumas do bombardeamento de Belgrado, e de toda a Sérvia, e a separação, hoje já independência, do Kosovo, ainda não foram superados, e a questão dos costumes, alardeada na praça pública, voltou a ser considerada uma ingerência do Ocidente, responsável pela desagregação da Jugoslávia primeiro, pelo desmembramento da Sérvia depois e, finalmente, pelo ataque da NATO.

Na generalidade, não é propriamente contra os gays que está uma pseudo-maioria de sérvios, salvo os casos dos habituais hooligans e dos fundamentalistas religiosos, que voltaram a brandir (como em Portugal, a propósito da aprovação do casamento same-sex) os ícones de Cristo, mas com a imagem que a Sérvia, com o seu secular orgulho, possa projectar no Ocidente.


Passagem Sremska
Passagem Sremska
Fortaleza Kalemegdan
É por isso necessário deixar sarar as feridas ainda abertas no país, permitir aos homossexuais que possam continuar a manter os seus relacionamentos (ainda que discretos) e evitar confrontos que só contribuirão por agravar a situação de muitos sérvios. Mas será que os autores da contra-manifestação ignoram o que se passa no parque da Fortaleza Kalemegdan, nos jardins e urinóis públicos da cidade (com destaque para o da passagem subterrânea Sremska, em plena Terazije, no coração de Belgrado) ou nos bares e discotecas habitualmente frequentados por gays

Duas coisas são, porém, indispensáveis: permitir que as manifestações legalmente autorizadas se efectuem pacificamente, impedindo que os que nelas participam sejam alvo de agressões e punir severamente os infractores. Há na Europa toda uma extrema-direita que se aproveita destas oportunidades para as instrumentalizar de acordo com as suas conveniências. Sabe-se lá a mando de quem.  

Deve, pois, o governo sérvio prevenir os incidentes e castigar os delinquentes, por muito patrióticos ou religiosos que sejam os pretextos invocados. Há um tempo para tudo.

domingo, 10 de outubro de 2010

A CENSURA OCIDENTAL


Foi inaugurada anteontem, no Musée d'Art moderne de la Ville de Paris, e estará aberta ao público até 2 de Janeiro, a grande mostra retrospectiva "Kiss the Past Hello", dedicada à obra do famoso fotógrafo e realizador norte americano Larry Clark (n. 1943, em Tulsa, Oklahoma), autor de alguns filmes célebres, como Kids (1995), Bully (2001) ou Ken Park (2002). 


Desde os 16 anos que Larry Clark começou a fotografar momentos da vida íntima dos seus amigos e das pessoas que o rodeavam. Focando nomeadamente os aspectos mais controversos, em especial  cenas de sexo, droga e violência.


O que torna mais controversa esta exposição é que, pela primeira vez, a visita de uma exposição é condicionada aos maiores de 18 anos. Uma situação inédita. Devido a uma nova lei da França de Sarkozy (2007), relativamente às mensagens de "carácter violento ou pornográfico ou de natureza a atentar gravemente contra a dignidade humana", foi o director do Museu, Fabrice Hergott, advertido das gravíssimas penas em que poderia incorrer com a normal abertura desta exposição, de indiscutível carácter artístico.


Transcrevo do PÚBLICO de anteontem algumas declarações de Hergott:

"O que é grave aqui é que a mais elevada forma de criação se veja reduzida ao ponto de parecer um delito. Que objectos de arte sejam tornados em objectos de delito criminal é inquietante e muito perigoso."

"O mundo mudou, a sociedade mudou e a lei mudou. A História não evolui linearmente, tem ciclos, e na Europa vivemos agora um momento de retrocesso... Hoje o mundo tem muito mais medo de tudo, e também de si mesmo."

"Esta exposição é extremamente educativa. Permite perceber a realidade, certas dificuldades. Para um adolescente, é uma grande educação visual: é como aprender a ler... Nós não nos começamos a interessar pela sexualidade aos 18 anos! Pensar isso é quase contra natura!"

Segundo Brett Gary, professor da Universidade de Nova Iorque: "A arte que provoca, que nos tira dos nossos modelos de olhar e pensar o mundo, que nos faz repensar categorias - como a de juventude e inocência - é fundamental. A sociedade decidiu que as crianças são inocentes e que essa inocência tem de ser protegida. Sabemos que elas se embebedam, se drogam e têm sexo, mas estas 'violações' passam-se fora do âmbito público. Não queremos ver isso, e quando queremos torna-se alarmante. O discurso do museu e da arte como categorias especiais é um dado adquirido. Mas esse mesmo discurso existe à volta das crianças, que decidimos que temos de proteger. Aquilo a que estamos a assistir é a uma colisão entre duas categorias especiais. Não é de solução fácil."




Se esta decisão tivesse sido tomada nos Estados Unidos, nada nos espantava. Estaria de acordo com a cultura dominante do puritanismo (hipócrita) reinante naquele país, onde se verificam e donde emanam os maiores atentados à moral universal. Mas em França, é difícil compreender este tipo de censura, que aliás se está a espalhar por toda a Europa (Union oblige). Ou talvez este processo faça parte de um desígnio maior de escravizar os europeus não só económica mas também culturalmente (moral incluída), a fim de reduzi-los a uma espécie de untermenschen, ideia que esteve em voga na Europa há meio século.