segunda-feira, 11 de outubro de 2010

CONFRONTOS EM BELGRADO





Os confrontos de ontem, no centro de Belgrado, por causa de uma manifestação do orgulho gay, provam até que ponto é necessário avaliar do estado de espírito de uma sociedade, antes de realizar iniciativas que, em determinados contextos, surgem como nitidamente provocatórias.

Sempre houve em Belgrado, e em toda a Sérvia, uma percentagem de homens mantendo, normalmente ou episodicamente, relações homossexuais semelhante à que se verifica em toda a Europa. É das leis da natureza. Aliás, o livro Serbian Diaries, de Boris L. Davidovich, professor da Universidade de Belgrado, publicado em 1996, é um relato das experiências homossexuais daquele intelectual sérvio entre 1987 e 1993.




Existem, contudo, na Sérvia, particularidades especiais, comuns aos restantes países balcânicos, mas que aqui assumem uma importância acrescida. Durante décadas, esteve o leste europeu submetido a regimes comunistas, que consideravam a homossexualidade um produto do imperialismo ocidental destinado a infiltrar-se no sistema socialista. Com a queda dos regimes das democracias populares, reemergiu a toda poderosa Igreja Ortodoxa, silenciada durante meio século, e que, na matéria, é ainda mais intolerante do que o ideário comunista. Dos países que acederam recentemente às democracias representativas, a questão homossexual colocou-se com mais acuidade, por ordem de grandeza, na Bulgária, na Polónia (o peso da Igreja Católica), na Roménia e, finalmente, na Sérvia, não tanto pelas razões comuns aos outros países citados, mas pelo facto dos acontecimentos políticos dos últimos anos, que levaram ao bombardeamento do país pelas forças da NATO, por imposição da então secretária de Estado norte-americana, a grande prostituta política internacional, a judia-checa-americana Madeleine Albright, em 1999, na conferência de Rambouillet, contra a vontade (ainda que só esboçada) da maioria dos países dessa organização militar.


Rua Kneza Milosa
Rua Kneza Milosa
Rua Kneza Milosa
Os traumas do bombardeamento de Belgrado, e de toda a Sérvia, e a separação, hoje já independência, do Kosovo, ainda não foram superados, e a questão dos costumes, alardeada na praça pública, voltou a ser considerada uma ingerência do Ocidente, responsável pela desagregação da Jugoslávia primeiro, pelo desmembramento da Sérvia depois e, finalmente, pelo ataque da NATO.

Na generalidade, não é propriamente contra os gays que está uma pseudo-maioria de sérvios, salvo os casos dos habituais hooligans e dos fundamentalistas religiosos, que voltaram a brandir (como em Portugal, a propósito da aprovação do casamento same-sex) os ícones de Cristo, mas com a imagem que a Sérvia, com o seu secular orgulho, possa projectar no Ocidente.


Passagem Sremska
Passagem Sremska
Fortaleza Kalemegdan
É por isso necessário deixar sarar as feridas ainda abertas no país, permitir aos homossexuais que possam continuar a manter os seus relacionamentos (ainda que discretos) e evitar confrontos que só contribuirão por agravar a situação de muitos sérvios. Mas será que os autores da contra-manifestação ignoram o que se passa no parque da Fortaleza Kalemegdan, nos jardins e urinóis públicos da cidade (com destaque para o da passagem subterrânea Sremska, em plena Terazije, no coração de Belgrado) ou nos bares e discotecas habitualmente frequentados por gays

Duas coisas são, porém, indispensáveis: permitir que as manifestações legalmente autorizadas se efectuem pacificamente, impedindo que os que nelas participam sejam alvo de agressões e punir severamente os infractores. Há na Europa toda uma extrema-direita que se aproveita destas oportunidades para as instrumentalizar de acordo com as suas conveniências. Sabe-se lá a mando de quem.  

Deve, pois, o governo sérvio prevenir os incidentes e castigar os delinquentes, por muito patrióticos ou religiosos que sejam os pretextos invocados. Há um tempo para tudo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Li em tempos o livro de Davidovich. é um must.