sábado, 30 de novembro de 2013

A SÍRIA ATRAVÉS A HISTÓRIA




Publicado en finais do ano passado, o livro Le Roman de la Syrie não é obviamente um romance, mas também não é propriamente um livro de história. A preocupação dos autores foi dar-nos um panorama histórico-político-cultural da região que há milénios se denomina Síria, dos povos que a ocuparam e dos que hoje lá vivem.

Estando a Síria, pelas piores razões, desde há cerca de três anos no centro das atenções internacionais, os autores, Didier Destremau e Christian Sambin, procuraram fornecer-nos uma perspectiva do país desde a Antiguidade aos nossos dias e do conflito que nele agora se desenrola, no culminar do processo a que imprudentemente se chamou "Primavera Árabe", e que provocou o caos, que se mantém, nos territórios contaminados pela ilusão do estabelecimento de regimes democráticos (nem no chamado Ocidente verdadeiramente os há) em países onde o fundamentalismo religioso se aproveita do jogo eletoral para se alcandorar nas esferas do poder.

Conhecemos todos as interferências nesse processo por parte da União Europeia, dos Estados Unidos, da Turquia, do Irão e da Arábia Saudita e demais monarquias do Golfo, para referir apenas as mais evidentes. Nem faltou a intervenção armada da NATO na Líbia, incessantemente reclamada por Bernard-Henri Lévy, esse arauto das guerras a quem Pierre Assouline chamou "Lévi d'Arabie".

O livro de que nos ocupamos, que contém várias imprecisões e inexactidões (todavia não graves) e cuja estrutura é pouco rigorosa, tem, todavia, o mérito de, sem extraordinárias preocupações de erudição, permitir aos menos familiarizados com a matéria acederem a um nível razoável de conhecimentos sobre o país que é hoje notícia, diariamente, nos jornais.

Com uma referência especial à capital, Damasco, esta obra traça em linhas gerais a história do país, com ênfase para o nascimento do Cristianismo, para a instalação do Islão, para as invasões dos Cruzados, para a queda do Império Otomano, para o período do mandato francês e para a independência. Reserva um capítulo para as minorias activas: os alauítas, os drusos, os curdos, os cristãos (repartidos por mais do que uma dezena de comunidades).

Para quem não tiver a possibilidade (ou o interesse) de um estudo mais pormenorizado, e quiçá mais rigoroso, este livro contém o essencial a saber sobre a Síria, país de antiquíssimos saberes, que foi palco de várias civilizações, hoje esfacelado por uma guerra sem quartel (em parte fratricida, em parte de ingerência), e para o qual se deseja, tão rapidamente quanto possível, a paz.

P.S.: Nota-se, ligeiramente, que os autores são franceses e, provavelmente, cristãos.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

LUCHINO VISCONTI




Luchino Visconti (1906-1976) foi uma das personalidades artísticas mais emblemáticas do século passado. E também das mais contraditórias. Homem erudito, realizador cinematográfico, encenador de teatro e de ópera e argumentista de alguns filmes, procurou conciliar ao longo da vida três realidades dificilmente compatíveis: ser aristocrata (filho do duque de Modrone, foi sempre tratado por Conde de Modrone),  ser homossexual (assumidamente, sendo célebres as paixões que nutriu por Horst [Paul Horst], Alain Delon, Jean Marais ou Helmut Berger) e ser comunista (membro do Partido Comunista Italiano, e amigo do então Secretário-Geral Palmiro Togliatti). Ao contrário do seu compatriota, e também cineasta, Pier Paolo Pasolini, as preferências de Visconti iam para um tipo de beleza apolínea (especialmente nórdica), no que se referia às relações permanentes, já que nos encontros casuais, segundo os seus biógrafos, não cultivava especiais exigências. Já Pasolini se fascinava com os jovens operários, com os rapazes dos bairros de lata, com as pessoas de condição humilde. Com opções tão diferentes, retrataram nos seus filmes dois tipos de beleza masculina e são justamente considerados, pelas películas que dirigiram, os maiores realizadores italianos do século XX, sem obviamente esquecer as notáveis figuras de Fellini, Rossellini, De Sica,  Bertolucci, Antonioni ou Zeffirelli.

Horst

No seu recente livro, Visconti, le prince travesti, o realizador Dominique Delouche traça um retrato vibrante e íntimo do realizador de Senso, O Leopardo e Morte em Veneza,que tudo ou quase opunha a Fellini, de quem Delouche foi assistente.

Escreve Delouche na contracapa:

«On a souvent voulu me persuader que, de nature et d'éducation, j'étais foncièrement plus proche de Visconti que de Fellini, et je me suis posé la question : qu'en aurait-il été si, au lieu de rallier le Cirque Fellini, c'avait été l'écurie Visconti qui m'avait engagé ? Je n'ai jamais su exactement par quel charme j'avais pu susciter l'intérêt, puis l'affection de Federico, mais je suis sûr que mon profil s'éloignait trop de celui des poulains du signor conte pour que je sois éligible dans son phalanstère. Si j'avais intégré sa légion d'or, j'aurais sans doute eu à regretter la molle sensualité tout orientale où baignaient les tournages du faro. De mes cinq «felliniennes années», j'ai le souvenir d'un apprentissage chaleureux du métier et de la vie. Visconti sera désormais pour moi l'artiste hautain qu'il faut se contenter de ne connaître que par son oeuvre : contradictions, travestissements, énigmes et aveux qu'il nous donne à déchiffrer, un peu comme le rébus de sa vie.»
 
Alain Delon

 A verdadeira biografia de Visconti é a sua obra, já que ele incarnou algumas das suas personagens. A condessa Livia Serpieri, de Senso, é Visconti; o príncipe Fabrizio de Salina, de O Leopardo, é Visconti; o compositor  Von Ascenbach, de Morte em Veneza, é Visconti; o Professor, de Violência e Paixão, é Visconti. A sua vida pessoal, abstraindo os sinais exteriores, foi um enigma até o fim. Podemos admitir, certamente, que Visconti, aliás como Pasolini, foi sempre um ser torturado pelas contradições que o envolviam, contradições que não procurou resolver (seria isso possível ?) mas cuja convivência preferiu cultivar.

Jean Marais

O livro analisa em particular a identificação de Visconti com Marcel Proust, de quem pretendeu passar ao cinema À la recherche du temps perdu, projecto que nunca concretizou, talvez por entender não estar à altura de semelhante cometimento.


Helmut Berger

O breve livro em apreço é uma obra que vivamente se recomenda a todos os apreciadores de Luchino Visconti, melhor dizendo, do seu cinema.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

ESCRITORES E LIVROS




Foi publicada há poucas semanas a edição portuguesa (infelizmente em português acordês) do livro Alfabeti - Saggi di letteratura (2008), com o título Alfabetos, do escritor italiano Claudio Magris.

Trata-se de uma volumosa obra (mais de 400 páginas) onde o autor procede a uma viagem por entre os livros e quem os escreve.

Reproduz-se um resumo da apresentação original: « "Alfabeti" è un viaggio tra i libri e nella letteratura - uno dei mille possibili viaggi. Il percorso inizia dalle letture d'infanzia e d'adolescenza. Ci sono i libri che ci hanno formato, che ci hanno ferito e insieme hanno saputo curare la ferita. I libri che permettono di conoscere e ordinare il mondo e quelli che ne svelano il caos travolgente e distruttore, l'incanto e insieme l'orrore. I libri che fanno balenare la salvezza e quelli che si affacciano sul nulla. Soprattutto quelli che allargano i confini della letteratura e rimandano al di là di essa. "Alfabeti" parla soprattutto di libri che s'intrecciano e si scontrano con la vita e con la storia per tornare poi alla vita, plasmando gli sguardi, le idee, i sogni e le esistenze quotidiane dei loro lettori. Libri che trascendono anche la propria perfezione estetica per dire il dolore come la bellezza, l'amore come l'abiezione.».

Claudio Magris, o grande escritor natural de Trieste, cidade célebre da Mitteleuropa, criador desse magnífico fresco (apetecia-me chamar-lhe roman-fleuve) que é Danubio, aborda em Alfabetos algumas dezenas de obras e respectivos autores, sobre a(o)s quais tece considerações de natureza literária, obviamente, mas também política, social, estética, ética e mesmo de carácter pessoal.

O universo do seu livro é o mundo, mas a Europa tem um lugar especial, e muito particularmente a Europa Central, que foi o Santo Império antes de se tornar (ainda como Santo Império) o Império dos Habsburgos, abalado pelas invasões napoleónicas e que cairia definitivamente no fim da Segunda Guerra Mundial.

O livro agora editado é uma colectânea de artigos de Magris publicados nos últimos anos em vários jornais e revistas, na maior parte no Corriere della Sera. Há também um texto mais extenso, o ensaio intitulado "Praga ao quadrado", que é de particular interesse pelo relevo da cidade que foi uma das capitais do Império (Rodolfo II viveu lá) e que é uma referência da Mitteleuropa e da pluriculturalidade. Leia-se, a propósito, Praga magica, de Angelo Ripellino

As considerações sobre os escritores do Leste europeu e suas obras são-nos mais alheias, pois ainda é menor a nossa familiaridade com essas culturas, mas Alfabetos abrange um vasto horizonte temporal e convida-nos a uma reflexão sobre os protagonistas da aventura humana que consubstanciaram na literatura a sua visão do mundo.

Claudio Magris, um combatente contra as ditaduras, de qualquer sinal,  não tem ilusões sobre o rumo da nossa civilização. Lembrando o "socialismo de rosto humano", proclamado pela Primavera de Praga, e recordando as cruzadas anti-comunistas que proliferaram e ainda hoje se manifestam pelo mundo, o escritor propõe um "anti-comunismo de rosto humano", perante a barbárie em que soçobra o Ocidente.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O ALASTRAR DA GUERRA




A explosão de dois bombistas suicidas, hoje, em Beirute, junto à embaixada do Irão, provocou pelo menos 23 mortos e mais de uma centena de feridos.



A violência da deflagração danificou cinco edifícios vizinhos e causou a morte de cinco seguranças e do adido cultural iraniano.

O governo sírio acusou as monarquias do Golfo, embora as Brigadas Abdullah Azzam tenham reivindicado o atentado. Um membro deste grupo escreveu no Twitter que se tratou «de uma operação de duplo-martírio levada a cabo por dois heróis dos heróicos sunitas do Líbano».

Como se previa, o conflito da Síria alastra ao vizinho Líbano, outrora território sírio, preludiando um incêndio em todo o Médio Oriente. Os dirigentes dos países que apoiaram, e ainda apoiam, a rebelião na Síria ou foram (e são) ingénuos, ou estúpidos, ou cínicos, ou todas as coisas ao mesmo tempo, dado que não são incompatíveis.


PORTUGAL NO MUNDIAL DE FUTEBOL




Ao vencer hoje a Suécia por 3-2, Portugal classificou-se para o Mundial de Futebol de 2014. A selecção nacional actuou com denodo e os três golos de Cristiano Ronaldo mostraram mais uma vez que o jogador português é presentemente o melhor jogador do mundo. Os seus companheiros, como Nani, Rui Patrício, João Moutinho, Fábio Coentrão e demais, ajudaram à festa.

domingo, 17 de novembro de 2013

NANI (27 ANOS)




No dia em que a Selecção Nacional de Futebol viaja para a Suécia, o jogador Nani completa 27 anos. Como no ano anterior, aqui registamos a data, desejando-lhe felicidades e os maiores êxitos na carreira profissional.

ESTADO DE EMERGÊNCIA EM TRIPOLI





Depois dos confrontos violentos de anteontem e ontem em Tripoli, que provocaram pelo menos 46 mortos e 400 feridos, foi declarado o estado de emergência na capital da Líbia. A população insurgiu-se definitivamente contra a acção das milícias armadas tribais, que fazem as vezes de forças de segurança mas que actuam verdadeiramente de acordo com os interesses próprios.

O governo do primeiro-ministro Ali Zeidan não possui já qualquer autoridade e o país transformou-se numa manta de retalhos de pequenos estados autónomos. Segundo o PÚBLICO, o próprio chefe dos serviços secretos, Mustafa Noah, foi raptado quando chegou hoje ao aeroporto de Tripoli, vindo de uma reunião na Turquia.

Informa a Al-Jazira que a situação de instabilidade alastrou a todo o território, sendo imprevisível o evoluir desta crise, a maior desde a queda do regime de Muammar Qaddafi.

A invasão da Líbia pela NATO foi um erro, a menos que se tenha tratado do inconfessável objectivo de destruir o país. Conhecem-se as turpitudes do deposto e assassinado coronel, mas a acção militar inicialmente prevista visava apenas a protecção da cidade de Benghazi, alvo das iras de Qaddafi, e não o derrube do regime.

A situação económica e social na Líbia é hoje muito pior do que antes da revolução de 2011, e a insegurança é generalizada.

Deveria perguntar-se ao grande arauto da invasão, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy e aos chefes dos governos da Aliança Atlântica, que solução preconizam agora para transformar a Líbia num estado democrático?


DORIS LESSING




Morreu hoje, aos 94 anos, a escritora britânica Doris Lessing, Prémio Nobel da Literatura 2007.

Doris Lessing, que nasceu no Irão, foi considerada pela Academia Sueca «uma épica da experiência feminina que, com cepticismo, fogo e poder visionário, sujeitou uma civilização ao escrutínio».

sábado, 16 de novembro de 2013

A DÍVIDA HUMANA




O antropólogo e economista americano David Graeber, professor da London School of Economics publicou uma obra oportuníssima: Debt: The First 5.000 Years, que acabou de ser traduzida em francês com o título Dette. 5.000 ans d'histoire.

A propósito, David Graeber concedeu  ao Nouvel Observateur (nº 2557) uma interessante entrevista que não se encontra online e provocou o seguinte artigo de Hervé Nathan no hebdomadário francês Marianne (nº 857):

La dette humaine

Mercredi 2 Octobre 2013 à 10:53
 

On en parle sans arrêt, mais on la connaît mal. Dans «Dette, cinq mille ans d'histoire», véritable best-seller aux Etats-Unis, l'anthropologue David Graeber décrypte le fonctionnement de la dette. Une analyse passionnante par l'un des initiateurs d'Occupy Wall Street. 

Qui de nous a fait attention au nouveau billet de 5 euros ? Un simple petit biffeton de presque rien. Aussi moche et sans saveur que son prédécesseur et ses grands frères de 10, 20, 50, 100, 200 et même 500 (rarissimes dans nos contrées). Apparemment, il n'y a aucune raison de considérer ce minuscule rejeton de la famille, aux couleurs pisseuses et illustré d'un motif volontairement sans signification, donc sans intérêt.
Pourtant, en regardant bien, on distingue une sorte de griffonnage qu'on imagine réalisé avec une pointe Bic : « MDraghi ». Ce MDraghi, pour Mario Draghi, a remplacé récemment « JcTrichet », pour Jean-Claude Trichet. Le paraphe de « SuperMario » signifie : « Moi, président (de la BCE), je m'engage à rembourser 5 euros dès qu'on présentera ce billet au guichet de ma banque. » Il s'agit donc d'une reconnaissance de dette ! Et c'est justement parce que c'est une dette que nous nous disons, en rangeant le billet dans notre portefeuille : « C'est du sûr. »

Car, à moins d'habiter à Chypre, nous sommes certains que Mario Draghi paiera les 5 euros. Mais pourquoi avons-nous confiance dans la signature d'un homme que nous connaissons à peine, et pas dans le sigle de l'institution imposante qu'est la Banque centrale européenne, comme les Américains attachent de la valeur à l'improbable signature de Jack Lew, le secrétaire d'Etat au Trésor des Etats-Unis, imprimée sur les dollars ?

Nous avons donc de la dette en poche. Et nous trouvons ça très bien. Mais, lorsque nous lisons les journaux qui évoquent la dette grecque, française, italienne, espagnole, nous sommes scandalisés par la punition infligée à ces peuples par la troïka Fonds monétaire international-Banque centrale européenne-Union européenne. C'est ce paradoxe qu'explore l'anthropologue américain David Graeber dans son livre Dette, cinq mille ans d'histoire, qui vient de sortir en français.


De victime à coupable
Graeber prend à rebours la définition des économistes orthodoxes pour qui la dette et les taux d'intérêt sont le simple prix à payer pour le temps (celui de l'investissement) et le risque (de tout perdre). Un instrument neutre, comme aiment à le prétendre les libéraux. Une mystification pour l'auteur : la dette est un instrument de la domination des hommes sur les hommes. « Pourquoi la dette ? D'où vient l'étrange puissance de ce concept ? Sa flexibilité est le fondement de son pouvoir. L'histoire montre que le meilleur moyen de justifier des relations fondées sur la violence, de les faire passer pour morales, consiste à les recadrer en termes de dettes. Cela crée aussitôt l'illusion que c'est la victime qui commet un méfait. »

C'est ainsi qu'au XIXe siècle les colonisateurs français de Madagascar inventèrent de toutes pièces une « dette », en exigeant que les Malgaches remboursent les frais de leur occupation. Ou encore que le gouvernement du roi Charles X obligea en 1825 la jeune république d'Haïti à emprunter (en France, bien sûr) la somme énorme de 150 millions de francs-or (l'équivalent de 18 milliards de dollars actuels), afin de « dédommager » les anciens colons, français bien entendu, chassés vingt ans plus tôt lors de l'indépendance. Les descendants des esclaves ont dû payer pour la libération de leurs parents, jusqu'à la cinquième génération. Haïti est encore aujourd'hui le synonyme de « dette infâme », symbole de toutes les extorsions perpétrées par le fort sur le faible.


Une forme d'assurance
Et pourtant nous continuons à penser que « tout le monde doit payer ses dettes ». Nous y mettons même un point d'honneur. Rien n'est pourtant moins évident que cet adage. Depuis la nuit des temps, les hommes se prêtent entre eux. Bien avant le troc, bien avant la monnaie, ils échangeaient entre voisins des biens et des services en se reconnaissant des créances réciproques. Nul besoin d'éponger la dette : l'assurance que l'échange perdurerait suffisait.

Avec l'irruption du marché, il y a cinq mille ans, et des taux d'intérêt, la dette change de sens : elle devient le signe de l'infériorité matérielle et morale des débiteurs à l'égard des créanciers.
 

La religion s'en mêle. « Pour les anciens brahmanes, la dette est synonyme de culpabilité et de péché », rappelle Graeber. Les hindouistes ont écrit leurs textes vers 1500 av. J.-C. Trois mille cinq cents ans plus tard les économistes Michel Aglietta et André Orléan inventent le concept de « dette primordiale »*. C'est une « dette de vie », écrivent-ils en « reconnaissance des vivants à l'égard des puissances souveraines, dieux et ancêtres ». « L'homme naît endetté. Il l'est avec sa communauté, avec sa famille, avec les dieux.» Evidemment, il est impossible de rembourser totalement une vie et on passe donc son existence sur Terre à la rembourser par les sacrifices.


Ces péchés qu'on rachète
De ces âges obscurs nous est resté un vocabulaire qui mêle intimement argent et morale. En anglais, le Jugement dernier est appelé Reckoning, le « règlement des comptes ». Le mot guilty (« coupable ») est dérivé du vieil anglais geild, qui signifiait « indemnité » ou « sacrifice », et de l'allemand geld (« argent »). Pour les juifs et les chrétiens, la « rédemption » veut également dire le « rachat ». Jésus meurt sur la croix pour racheter les péchés de l'humanité. Avec un surmoi collectif pareil, pas étonnant que la majorité des Européens d'aujourd'hui, et pas seulement les Allemands, obtus, forcément obtus, estiment que les Grecs sont les premiers responsables de leur malheur. 

Le sort du débiteur étant de son fait, le créancier est donc habilité à agir envers lui, presque comme bon lui semble, et jusqu'à la sauvagerie. La manière la plus ancienne et la plus pratique a été de se saisir de sa personne ou de celles de ses épouse, fils ou filles, pour les faire travailler jusqu'au remboursement du capital et des intérêts. La dette est donc intimement liée à l'esclavage, au moins autant qu'à la guerre, grande pourvoyeuse de captifs.
Et pas seulement dans les sociétés antiques. L'exploitation de l'Amérique à partir de la conquête s'est réalisée essentiellement grâce à l'utilisation de millions de péones, des paysans endettés réduits au travail forcé sur les latifundia de leurs créanciers. On s'en souvient peu, mais la loi d'interdiction de l'esclavage promulguée par Abraham Lincoln lors de la guerre de Sécession libère aussi des travailleurs blancs surendettés. L'Inde n'a supprimé les dernières lois permettant l'esclavage pour dettes qu'en 1975 et le Pakistan qu'en 1992. 

 C'est ainsi que, depuis trois mille ans, possédants et possédés s'affrontent avec acharnement. Et si l'image de l'endetté est mauvaise, celle de l'usurier, du banquier l'est encore davantage, jusqu'à les placer en marge de la société, comme les juifs sous l'Ancien Régime. « Chaque fois qu'un conflit ouvert a éclaté entre classes sociales, il a pris la forme d'un plaidoyer pour l'annulation des dettes, la libération des asservis et, en général, pour la redistribution équitable des terres », explique David Graeber. A partir du XIXe siècle av. J.-C., les Mésopotamiens, ceux-là mêmes qui avaient inventé le prêt à intérêt vers 3000 av. J.-C., « effacent les ardoises » pour éviter les révoltes et continuer à percevoir des impôts.
L'abandon des créances tous les sept ans, institué par Moïse, rétablit l'égalité entre les enfants d'Israël, conformément au mythe fondateur : « Je suis l'Eternel, ton Dieu, qui t'a sorti de la maison d'esclavage en Egypte.»


Une course à l'abîme 

Au VIe siècle avant notre ère, dans Athènes, petite cité au bord de la révolution sociale, le législateur Solon décrète la remise des dettes et l'interdiction de l'asservissement. Il fait franchir un pas de géant à la démocratie : désormais chaque citoyen est à la même distance du pouvoir (isocratie) et a donc vocation à l'exercer. Au lendemain de la Seconde Guerre mondiale, Keynes appelait à « euthanasier les rentiers » afin d'ouvrir le chemin à un nouveau contrat social progressiste.

Au tournant du XXe siècle, le capitalisme financier a eu l'ambition de faire tourner la machine à l'envers en permettant à tout le monde de devenir rentier, de manière que tous les « travailleurs » puissent happer un fragment des profits créés par leur propre exploitation. On a appelé cela « la démocratisation de la finance ». Formidable renversement opéré par la magie des marchés spéculatifs : les pauvres, ou du moins les classes moyennes laborieuses, fournissent l'épargne qui permet de prêter aux riches, qui eux, abusent de l'emprunt pour spéculer sur l'immobilier, les matières premières, les monnaies... Comme dit la chanson : « le monde a changé de base », non pas, hélas, grâce au communisme, mais avec la révolution reaganienne.

Pour interrompre cette course à l'abîme, David Graeber, rejeton de la gauche radicale américaine, appelle à en finir avec les dettes, par un « jubilé biblique planétaire ». Effaçons toutes les ardoises, et imaginons enfin des relations dont le centre ne soit pas l'argent. Pour être enfin humains.

* La Monnaie souveraine, 1998, ouvrage collectif 1998, éditions Odile Jacob.

  Dette, 5.000 ans d'histoire, Les liens qui libèrent, 624 p.,

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A ESPANHA AMEAÇADA




O grande escritor espanhol Antonio Munõz Molina, em entrevista ao Nouvel Observateur (nº 2556), reflecte sobre as derivas económicas e políticas de Espanha, a propósito da publicação da tradução francesa (Tout ce que l'on croyait solide) do seu ensaio Todo lo que era sólido (2013).


Pourquoi l'Espagne a coulé


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Corruption, régionalisme triomphant, spéculation débridée: dans "Tout ce que l'on croyait solide", Antonio Muñoz Molina observe l'errance politique de son pays. Entretien. 


 Né en Andalousie en 1956, Antonio Muñoz Molina est l'un des plus grands écrivains espagnols. Il a reçu de très nombreux prix dont le prix Prince des Asturies et, en France, le prix Femina étranger pour «Pleine Lune» (1998). Il est l'auteur de nombreux romans dont «Séfarade» (2003) et «Dans la grande nuit des temps» (2012). Il vient de publier au Seuil «Tout ce que l'on croyait solide».

Le Nouvel Observateur Vous écrivez dans votre essai, «Tout ce que l'on croyait solide» (Seuil), qu'en Espagne l'année 2006 fut celle où l'on connut le plus haut niveau de prospérité. La Bourse de Madrid avait alors atteint le niveau le plus élevé de son histoire, les terrains s'étaient valorisés de 500% entre 1997 et 2007 et, selon «The Economist», l'Espagne était avec la Suède l'économie la plus dynamique d'Europe. Ce bel édifice reposait-il sur des sables mouvants?

Antonio Muñoz Molina Oui, et tout le monde semblait d'accord pour s'en réjouir. Le sentiment d'étrangeté que j'ai pu ressentir à l'époque devait beaucoup au fait que je vivais alors entre l'Espagne et les Etats-Unis et que je faisais sans cesse des allers-retours entre Madrid et New York. Lorsque vous résidez dans le pays le plus riche et puissant du monde, et que vous revenez dans votre pays natal pour y constater que certains, notamment les hommes d'affaires, ont un niveau de vie supérieur à celui des Américains, et que le gouvernement dépense des sommes folles pour construire des aéroports et des autoroutes, c'est un vrai choc.
Que produisions-nous au juste ? Que réalisions-nous réellement pour financer tous ces grands projets ? Où étaient les usines ? Nous n'exportions aucun savoir-faire ni technologie, nous ne produisions rien qui puisse être important pour le reste de la planète. Tout ce que nous avions, c'était le tourisme de masse et le secteur du bâtiment. Les experts étaient convaincus que l'économie espagnole allait rattraper et supplanter celles de la France et de l'Allemagne. C'était dément.

Comment expliquez-vous cette hallucination politique collective?

Tous les soi-disant experts étaient unanimement d'accord pour dire que la situation était excellente, et ce jusque très tard dans la crise. Il fallait voir les prédictions du FMI pour les années à venir ou les analyses prévisionnelles des économistes travaillant pour les banques. Il y avait bien quelques voix isolées qui essayaient de tirer le signal d'alarme, mais elles étaient très minoritaires. En un sens, c'est aussi ce qui s'est produit aux Etats-Unis où la bulle spéculative immobilière a fini par éclater: ce n'était pas un phénomène purement espagnol. La différence, c'est qu'en dépit de la bulle spéculative qui s'était créée autour de l'immobilier, les Etats-Unis possédaient une économie puissante. En Espagne, il n'y avait rien hormis une spéculation galopante. Le système politique et les médias se sont rendus complices de ce mensonge. Aujourd'hui, tout le monde se moque de ces aéroports et des autoroutes qui n'ont jamais été inaugurés. Ca paraît absurde aujourd'hui, mais à l'époque personne n'a même songé à se demander si ça avait un sens.

Pour vous, l'une des causes de cette folie vient du «pelotazo», ce système de combines alliant la corruption et le clientélisme politique.

«Pelotazo» veut littéralement dire «taper dans le ballon». Cela revient à s'enrichir rapidement et immédiatement, non pas en inventant une quelconque machine que tout le monde aurait envie d'acheter, mais en magouillant grâce à vos relations dans le monde de la politique. Vous décrochez un contrat pour fournir des matériaux de construction pour le nouveau palais des sports local: vous connaissez les gens qu'il faut, et vous vous trouvez au bon endroit au bon moment. Et là, vous tapez dans le ballon: vous tapez fort et vous vous enrichissez en un clin d'oeil.

Vous écrivez qu'après quarante années de dictature franquiste l'Espagne a fait l'expérience de la démocratie pendant trente-cinq ans. Sans qu'il existe une culture démocratique en Espagne?

Oui, pour diverses raisons. Tout d'abord, parce que les partis et l'élite politique ne rendent pas de comptes à la nation. Ils contrôlent l'administration mais ne sont pas eux-mêmes soumis au contrôle d'une autorité extérieure. Ils ne sont pas astreints à la loi ni à la censure de l'opinion publique et des médias. La plupart du temps, les médias se rendent complices de la corruption ambiante. Et en Espagne l'idéologie - résumée à ce qui permet de se définir comme proche d'un parti - demeure très forte chez beaucoup. Si vous vous revendiquez comme étant de gauche, ce que font les gens de gauche est par définition bénéfique et juste, et c'est exactement la même chose à droite. Il est donc très difficile de parvenir à un consensus national sur les questions essentielles, de même que de critiquer l'action des politiques, surtout s'ils sont du même bord que vous.
C'est dû à un certain manque d'éducation politique: les partis et les hommes n'ont jamais vraiment cherché à créer une culture du débat et du regard critique. Ce qu'ils veulent, c'est que leurs électeurs les suivent aveuglément: vous êtes avec moi, ou contre moi. Il y a actuellement deux grands scandales de corruption en Espagne: l'un concerne la droite, l'autre la gauche.
En Andalousie, par exemple, le gouvernement régional - de gauche - a permis à ses affidés de s'enrichir grâce aux indemnités versées aux chômeurs. C'est une honte. Un fonds avait été créé afin de protéger ceux qui avaient perdu leur emploi: si une entreprise venait à faire faillite, le fonds venait en aide aux salariés licenciés jusqu'à ce qu'ils retrouvent un nouveau travail. Il y a eu des faillites frauduleuses et ceux qui touchaient des indemnités n'étaient pas en réalité ceux qui avaient perdu leur emploi, mais des gens qui devaient leur place au copinage politique.
C'est un scandale gigantesque en Andalousie où le chômage atteint presque les 40% de la population active. Mais il y a aussi en ce moment l'affaire Bárcenas, un autre grand scandale qui touche la droite et le Parti populaire actuellement au pouvoir. Il aurait bénéficié de financements occultes émanant d'investisseurs privés, notamment dans le bâtiment, et les dirigeants auraient reçu des rémunérations secrètes.

Vous dénoncez le développement des nationalismes régionaux en Catalogne, au Pays basque ou en Andalousie comme l'un des principaux problèmes de l'Espagne d'aujourd'hui ?

La Catalogne et le Pays basque sont des entités culturelles et politiques très fortes : chacune possède sa propre langue, et c'est quelque chose qui doit être respecté et protégé. Ce que nous ne sommes pas parvenus à accomplir, c'est de créer l'idée d'une citoyenneté républicaine qui respecterait l'autorité du système. C'est l'essence même de la démocratie: vous vous percevez comme membre d'une communauté de citoyens égaux entre eux.
A la place, en Andalousie comme en Catalogne ou ailleurs, nous avons laissé se développer une forme de sentiment romantique d'appartenance irrationnelle à un peuple. Ce sentiment n'a rien à voir avec le pacte fédéraliste qui lie des citoyens adultes au sein d'une démocratie. Au contraire, il veut vous convaincre d'appartenir à une communauté presque mystique de par votre naissance dans un endroit donné. Le fait d'être basque, catalan ou andalou vous confère une fierté que vous allez constamment revendiquer.
Mon avis est que l'on ne peut bâtir une véritable démocratie sur cette idée de l'enracinement dans la terre. On assiste à un retour de cette très vieille manie espagnole - datant de l'Inquisition - de la pureté du sang, une pureté paranoïaque définie par la négation, non pas seulement des autres - juifs, musulmans, hérétiques mais aussi d'une partie de nous-mêmes, celle que le voisinage avait inévitablement contaminée. Et, à ma grande surprise, on voit cette montée en puissance des identités régionales et de leur pureté intrinsèque supposée. C'est le vieux fantôme de la pureté du sang qui revient nous hanter : vous êtes désormais un pur Basque, un pur Catalan, un pur Andalou.

Vous êtes vous-même andalou et vous racontez que vos amis restés au pays protestent parce que vous vivez à Madrid.
 
Oui, parce que ces cultures régionales ont fait naître un fort sentiment d'intolérance. Pour un Andalou, aller s'installer à Madrid, c'est un peu comme s'expatrier, ça devient presque un acte de trahison. Les Espagnols se ressemblent pourtant tous à bien des égards : on repère un Espagnol de loin. Mais nous possédons un talent incroyable pour nous inventer des différences ou pour exagérer celles qui existent réellement.


Votre livre est un réquisitoire contre les turpitudes politiques et économiques de votre pays. Pourtant, vous paraissez aussi fier des années qui se sont écoulées depuis la mort de Franco.

En 1975, au moment de la mort de Franco, après quarante ans ou presque de dictature, les prédictions concernant l'avenir du pays étaient plutôt sombres. Tout le monde s'attendait à ce que les Espagnols retombent dans leurs vieux travers et sombrent à nouveau dans la guerre civile.
Nous avons réussi à créer une vie démocratique qui nous a donné la plus longue période de paix de notre histoire: ce n'est pas une mince performance. Nous avons mis sur pied un système de santé national que l'actuel gouvernement conservateur tente de démanteler en le privatisant. Notre système de santé est remarquablement efficace, c'est le meilleur du monde pour les greffes d'organes. La peine de mort a été abolie en 1978 en Espagne, plus tôt qu'en France ou au Royaume-Uni. Nous avons également réussi à passer d'une société profondément inégalitaire à une société beaucoup moins clivée, notamment en matière d'égalité entre hommes et femmes. En Espagne, le mariage gay a été accepté très naturellement en 2006 par la majorité de la population. Nous avons vaincu le terrorisme en démantelant une organisation terroriste particulièrement féroce, et nous y sommes arrivés sans rétablir la peine de mort ni voter de lois d'exception comme aux Etats-Unis.
Notre problème est qu'en Espagne aucune pédagogie de la démocratie n'a été véritablement pratiquée. Nous avons échoué sur certains points essentiels, particulièrement en ce qui concerne la création d'une administration professionnelle et indépendante. Nous n'avons pas su mettre en place des structures capables de contrôler l'action politique de manière efficace, nous n'avons pas su créer de contre-pouvoirs. Notre système est une farce parce que nous n'avons pas su instiller un vrai sens critique à notre opinion publique. C'est là notre principal échec.

C'est pour cela que votre livre est intitulé «Tout ce que l'on croyait solide». Des édifices politiques à l'infrastructure économique, tout peut disparaître un jour..

Ce n'est pas un problème purement espagnol, ça existe ailleurs en Europe. Mais en écrivant ce livre je voulais faire prendre conscience de l'importance de toutes ces choses que nous tenons pour acquises et que nous pouvons pourtant perdre. Je suis né en 1956, et je me souviens de mon premier voyage à l'étranger : il me fallait un passeport et une autorisation spéciale de la police parce que je n'avais pas encore l'âge de faire mon service militaire. Arrivé à la frontière française, je me souviens du moment où je l'ai traversée et où j'ai montré mon passeport au gendarme qui me dévisageait avec méfiance.
Ce que les Européens ont accompli en faisant disparaître les frontières est si important que nous oublions à quel point il a été difficile d'en arriver là. C'est une chose dont je suis peut-être plus conscient parce que j'ai vécu une partie de ma vie aux Etats-Unis. Beaucoup de ces choses que nous autres Européens trouvons normales et considérons comme acquises sont inenvisageables en Amérique: la couverture médicale pour tous, par exemple, ou un système éducatif national. Ce sont des réussites majeures de la construction européenne, et nous n'y faisons plus attention parce qu'elles font partie de nos vies quotidiennes. Nous avons vu la civilisation européenne s'effondrer à deux reprises au cours du XXe siècle. Construire est un processus très difficile, détruire est en revanche très simple. La crise a montré que ce que nous possédons est bien plus singulier et plus fragile que nous le supposions.

Quels sont les trois livres que vous emporteriez sur une île déserte?

«L'Education sentimentale» et la «Correspondance» de Flaubert est un choix évident. Seulement trois ? Je n'y arriverai jamais. Si je ne dois en garder que trois, j'éliminerai alors peut-être Flaubert. Et prendrai Proust, Montaigne et Cervantès.

Propos recueillis par François Armanet et Gilles Anquetil


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

MARCEL PROUST




Celebra-se hoje o centenário da publicação de Du côté de chez Swann, primeiro volume da imensa obra À la recherche du temps perdu, dada à estampa um sem número de vezes em francês e noutras línguas e de que existe agora uma edição de especial referência, dirigida pelo "proustólogo" Jean-Yves Tadié, na "Bibliothèque de La Pléiade" da Gallimard.

É Marcel Proust (1871-1922) um dos maiores escritores franceses do século passado, um inovador do romance, e contam-se por centenas os livros publicados em várias línguas sobre a sua vida e a sua obra, obra que se resume praticamente a esse extraordinário fresco constituído pelos sete volumes da Recherche.

Seria estulta pretensão discorrer aqui sobre uma obra em relação à qual se têm debruçado os mais eminentes especialistas franceses e estrangeiros. Nem mesmo sobre a vida privada de Marcel, em parte disfarçadamente plasmada na obra. Todavia, muitos censuram-no pela ocultação da sua sexualidade, num tempo que, não sendo evidentemente o de hoje, permitia já a Gide, a Jouhandeau, a Cocteau e a tantos outros desvendarem publicamente as suas preferências sexuais. Usando uma linguagem actual, poderíamos dizer que Proust sempre se recusou a "sair do armário". De tal forma que, mesmo em 1981, a sua empregada Céleste Albaret ainda se recusava a admitir a homossexualidade do antigo patrão.

E afinal a Recherche está povoada de gays ou de "amigos íntimos" que Proust ou travestiu, como o motorista Alfred Agostinelli que lá figura como Albertine, ou que lhe sugeriram personagens, como o barão de Charlus, inspirado parcialmente no marechal Lyautey (Christian Gury dixit).

E agora vou deitar-me, fiel à primeira frase de Du côté de chez Swann: «Longtemps, je me suis couché de bonne heure».

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

NÃO HÁ MAPA COR-DE-ROSA




Acabei de ler o último livro de José Medeiros Ferreira (JMF) Não Há Mapa Cor-de-Rosa - A História Mal(dita) da Integração Europeia. Trata-se de um interessante e oportuníssimo estudo sobre a União Europeia, seus antecedentes e seu percurso até ao presente momento.

O autor começa por abordar as anteriores tentativas de criar uma união no Velho Continente. Para se compreender a génese da ideia importa recuar ao fim da Primeira Guerra Mundial e ao I Congresso Pan-Europeu de Viena, em 1926, organizado pelo conde austríaco Richard von Coudenhove-Kalergi e que reuniu algumas das mais eminentes personalidades da época. Foi ele, aliás, que inspirou o estadista francês Aristide Briand na sua proposta de um "laço federal" para os países europeus em 1929.

A Grande Depressão e a subida de Hitler ao poder inviabilizaram os esforços de Briand e do ministro dos Negócios Estrangeiros (e ex-chanceler) alemão Gustav Stresemann no sentido da formação de uma espécie de embrião da comunidade europeia. Será, contudo, o regime nazi que avançará mais concretamente no plano de uma "Nova Europa", naturalmente sob a égide da Alemanha. A proposta de uma "Nova Ordem", proclamada por Hitler, assumirá contornos diferentes no decorrer da Segunda Guerra Mundial. O próprio Goebbels se referirá em 1940 à reorganização da Europa e, em 1943, Joachim von Ribbentrop propõe claramente, para depois da vitória militar do Reich (?) a criação de uma Confederação Europeia, englobando determinados países e deixando um "alargamento" ao critério do Führer.

Com a derrota da Alemanha, é a vez dos Aliados apresentarem os seus projectos. Prepara-se então o terreno para a "solução" Jean Monnet, enunciada na Declaração do ministro francês dos Estrangeiros Robert Schuman, de Maio de 1950, em acordo com o chanceler federal alemão Konrad Adenauer. Surge, assim, a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) em 1951, englobando a França, a Alemanha (Ocidental), a Itália, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. E, em 1957 a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom), criadas pelo Tratado de Roma, ainda com os seis países citados. Aderiram posteriormente o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca (1973), a Grécia (1981), Portugal e a Espanha (1986). As três entidades fundiram-se em 1965 (Tratado de Bruxelas). Com o Tratado de Maastricht (1992) é criada a União Europeia (UE). Seguem-se os tratados Amesterdão (1997), de Nice (2001) e de Lisboa (2007). Sem contar com o malogrado Tratado Constitucional de 2005, com o Pacto de Estabilidade de 1998, e o Pacto de Competitividade (2011). E ainda o Pacto Orçamental de 2012, sem esquecer a criação do Espaço Schengen (1985) e da Eurozona (1999). Entretanto, a União Europeia absorveu novos membros, designadamente os países da chamada Europa de Leste. São hoje, ao todo, 28 estados.

Como salienta JMF, há um número inimaginável de escritos sobre a UE mas a sua verdadeira historia é ainda mal conhecida. Constituída principalmente à margem dos povos (em que países estes foram consultados sobre a adesão ?), a sua evolução é também assunto discutido nos arcanos das chancelarias. Et pour cause. Hoje como ontem verifica-se a preeminência da Alemanha como a grande nação da Europa, capaz de impor a sua vontade (se não pelas armas, pelo dinheiro) aos outros países do continente.

Muito haveria a dizer sobre o problema continental europeu (a tensão França/Alemanha) e sobre a insularidade do Reino Unido. Sobre as causas e as consequências das duas guerras mundiais e também, para lembrar Keynes, sobre as consequências económicas da paz. 

Mais concretamente, sobre Portugal, JMF escreve:

«Pouco, ou nada, se sabe sobre o processo negocial de adesão (de Portugal) entre 1977 e 1985 e respectivo Tratado, embora ainda seja o período sobre o qual mais se escreveu.»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre as derrogações dos períodos transitórios, sobre a reforma da PAC em 1992, e sobre os mandatos para as organizações comuns de mercados (OMC).»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre a decisão da entrada do escudo no Sistema Monetário Europeu (SME) em Abril de 1992, embora seja sobre esse caso que existe a única confissão de um desaire negocial português em Bruxelas.»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre a decisão da entrada do escudo na zona euro e sobre os procedimentos que levaram à taxa de conversão do escudo em euros, em 1999.»

«Pouco, ou nada, se sabe sobre as condições de aceitação do superveniente Pacto de Estabilidade e, no entanto, ele condiciona quase toda a política orçamental e a própria execução dos fundos comunitários desde 2001.»

Diz JMF: «Estão por escrever As Décadas da Europa...»

E ainda:

«O maior perigo que espreita a República Portuguesa é mesmo o da alienação da sua vontade de participar activamente na política internacional, no exacto momento em que os mecanismos próprios do sistema financeiro mundial e do funcionamento actual da UE tendem a anular os interesses de países como Portugal. Ora, a sociedade portuguesa só pode vencer esse desafio com uma política externa própria e activa. E sem novas ilusões sobre qualquer Mapa Cor-de-Rosa que o prolongamento das dificuldades tem tendência a suscitar.»

Sobre o livro mais não escreverei, porque seria sempre uma pálida imagem do seu conteúdo. Trata-se de uma obra que importa ler e compreender, de um valiosíssimo contributo para o esclarecimento de uma matéria que à força de ser tão falada se tornou quase hermética.

Acrescentarei tão só duas coisas. Primeiro, que me parece que o último capítulo (com várias repetições) foi escrito mais apressadamente que o resto do livro. Segundo, que a designação "Comendador de Crentes" (pag 46), atribuída ao sultão otomano, não é correcta. O sultão intitulava-se, por ser também Califa do Islão desde Selim I (1517), Comandante dos Crentes (Amir al-Muminin, em árabe:
أمير المؤمنين .

O título de Comandante dos Crentes é ainda hoje usado pelo rei de Marrocos e pelo sultão do Brunei.