“Sou o Jorge, nome fictício. Por favor, acredita em mim, não sou um tarado! Por favor, acredita em mim, não sou um tarado!”. Sugeriu que eu lhe pagasse uma bebida, pois discordava do cavalheirismo bafiento do homem que providencia bens a mulheres em implícita troca do ascendente sexual. Conversámos um pouco, aquela discoteca de música machista estava a fechar e eu propus que fôssemos para minha casa. Ele concordou, mas apenas se assinássemos um contrato de subarrendamento espontâneo em que eu permitia claramente que ele passasse lá a noite. Dividimos o Uber, preenchemos a papelada e lá fomos.

Chegamos a casa e ele pede-me autorização para me olhar de alto a baixo. Eu penso nas implicações dessa clara objetificação do meu corpo durante três minutos e acabo por aceder ao pedido. Ele olha-me então de alto a baixo. Foi sexy na sua espontaneidade. Sentamo-nos no sofá, a beber um copo de vinho. Falámos sobre o facto de todos os homens serem uns violadores e como ele tinha de arcar com esse fardo. A certa altura, eu tento beijá-lo. Mas ele para-me. Não podíamos fazer aquilo sem antes redigir uma declaração conjunta em que explicitávamos que os nossos lábios se tocariam de forma plenamente consentida, intermitentemente por período de duas horas, contrato renovável automaticamente. Chamámos um amigo dele que trabalha num notário do Areeiro, assinámos a cena e beijámo-nos com aquela paixão ardente que se vê nos filmes. É aí que ele requer anuência para pôr a mão nos meios seios, eu aceito e mando uma mensagem de voz para o grupo de Whatsapp das minhas amigas, para ficar com um registo claro e fiável das minhas intenções naquela altura.

Decido começar a despir-me, anotando, em papel timbrado, que peça despi e a que horas, e peço-lhe para me fazer sexo oral, isto já na presença dos nossos dois advogados, que, entretanto, foram chamados para assegurar que tudo estava dentro da lei. Aí ele levanta-se, liga à Câmara Municipal de Lisboa a solicitar renovação da autorização especial de ruído para me dar uma palmada no rabo, atempadamente aprovada por uma Junta Médica, que naturalmente fomos obrigados a convocar.

Puxei-o para mim e disse-lhe, “quero que me faças”. Fizemos o teste do balão, tirámos uma selfie e beijámos a Bíblia. Estava tudo a postos, começámos a fazer amor. Ele pede permissão a cada penetração. Eu grito, para que todo o prédio ouvisse, “Eu estou a fazer isto de livre vontade! Eu estou a fazer isto de livre vontade! Eu estou a fazer isto de livre vontade!”. As 24 testemunhas escolhidas aleatoriamente para presenciar o ato, entre populares, notáveis da sociedade, diplomatas e juristas, aplaudem em êxtase. Vizinhos desfraldam a bandeira, ouve-se o hino ao fundo, tambores retumbam na rua. Em lágrimas, Marcelo Rebelo de Sousa abraça os meus pais, “foi consensual, foi consensual, foi consensual”.