quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

NUS MASCULINOS EM VIENA



Pela sua curiosidade e interesse, transcrevemos a notícia de hoje do PÚBLICO:

«A exposição Nackte Männer [Homens Nus], inaugurada em Outubro de 2012 no Museu Leopold, em Viena, deveria ter encerrado no dia 28 de Janeiro, mas continua a atrair tantos visitantes – já foi vista por cerca de 400 mil pessoas – que a direcção do museu austríaco decidiu prolongá-la até 4 de Março.

Acedendo a alegadas solicitações de associações nudistas, o Museu Leopold vai ainda reservar um dia para aceitar visitantes despidos. No dia 18 de Fevereiro, a partir das 18h00, quem quiser ir nu ver os nus está, por assim dizer, à vontade.

A decisão irá provavelmente provocar polémica, mas a controvérsia tem sido, desde o início, um dos factores de sucesso desta exposição. Ainda antes da abertura, o Leopold espalhou pelas paredes de Viena cartazes de grande dimensão mostrando três jogadores de futebol fotografados em nu frontal integral, um trabalho dos fotógrafos franceses Pierre e Gilles. Os protestos foram tantos que o museu teve de mandar colar umas faixas vermelhas em cima dos cartazes, para tapar os genitais dos jogadores. Mas é bastante provável que a mediatizada polémica em tornos destes outdoors tenha contribuído para o sucesso de Homens Nus.

A ideia de permitir que a exposição seja vista por visitantes nus é um golpe de marketing com precedentes próximos. O Museu Leopold, que conserva a maior colecção mundial de obras do pintor austríaco Egon Schiele (1890-1918), dedicou-lhe em 2005 a exposição A verdade nua: Klimt, Schiele, Kokoschka e outros escândalos, tendo oferecido bilhetes gratuitos aos visitantes que se apresentassem nus. E apresentaram-se algumas centenas.

Comissariada por Tobias G. Natter e Elisabeth Leopold, a exposição Homens Nus reúne cerca de 300 peças que sinalizam o tratamento do nu masculino na pintura, na escultura e na fotografia, de 1800 até à actualidade. Antonio Canova, Johan Heinrich Füssli, Egon Schiele, Richard Gerstl, Anton Kolig, Jean Cocteau, David Hockney, Andy Warhol, Robert Mapplethorpe ou Francis Bacon são alguns dos muitos artistas representados. E os curadores reservaram ainda um núcleo para o olhar feminino sobre o corpo masculino, preenchido com trabalhos de artistas como Maria Lassnig, Louise Bourgeois ou Nan Goldin.»

Para quando visitantes despidos nos museus portugueses? Uma ideia que sugerimos ao Ministério (perdão, Secretaria de Estado) da Cultura, a fim de aumentar as receitas de bilheteira.

ISRAEL ATACA A SÍRIA



Segundo informa o PÚBLICO, Israel bombardeou hoje centros de investigação militar sírios nos arredores de Damasco.

O governo sírio afirma que no ataque a Jamraya morreram duas pessoas e cinco ficaram feridas. Os aviões militares israelitas sobrevoaram também o Líbano

A desculpa inventada pelo vice-primeiro-ministro israelita Silvan Shalom é de que o governo de Assad estaria em vias de perder o controlo sobre as suas armas químicas, que poderiam vir a cair nas mãos do Hizzbullah.

A seguir com atenção.

O 80º ANIVERSÁRIO DA TOMADA DO PODER POR HITLER



A Alemanha assinala hoje os 80 anos da chegada de Adolf Hitler ao poder. Foi a 30 de Janeiro de 1933 que o velho presidente da República (de Weimar), o marechal Paul von Hindenburg, deu posse a Hitler como chanceler do que viria a ser o Terceiro Reich.

Hoje, falando à mesma hora, a chanceler Angela Merkel declarou que o facto de Hitler ter alcançado democraticamente o poder «deve ser um aviso permanente para nós, alemães», acrescentando que «os direitos humanos não se impõem por si só. A liberdade não aparece sozinha e a democracia não se consegue sozinha». Será bom que a srª Merkel medite nas palavras que proferiu e não ignore que as exigências com que a Alemanha pressiona hoje muitos países da Europa constituem exactamente um convite à emergência de situações como aquelas que alcandoraram o futuro Führer à chefia do governo alemão.

Local onde foi construído o Museu (fotografia tirada em Abril de 2009)

O discurso de Angela Merkel foi proferido no memorial da "Topografia dos Horrores", junto à Wilhelstrasse, na zona onde se situavam a antiga Chancelaria do Reich, a sede das SS, a Gestapo, o ministério dos Negócios Estrangeiros, etc. No local, foi inaugurada a exposição "Berlim 1933- O Caminho para a Ditadura" para mostrar a erosão das instituições democráticas nos primeiros anos da época nazi.

A Porta de Brandenburg, um dos locais emblemáticos de Berlim, tem uma exposição ao ar livre, lembrando a parada das tropas especiais e das SS, que dali saíram para desfilar na célebre avenida Unter den Linden "Sob as tílias" (árvores sempre muito apreciadas em todo o mundo e que ornamentam a avenida), na noite da nomeação de Hitler.

Segundo noticia o PÚBLICO, a figura de Hitler continua muito presente na Alemanha, quer com intuitos meramente comerciais, quer com intuitos políticos. Em 2010/2011 uma exposição sobre Hitler foi um sucesso, e no top dos best-sellers actuais está um livro Er Ist Wieder Da (Ele está de volta), de Timur Vermes, imaginando, de modo satírico, o regresso de Hitler a Berlim, sem fazer ideia do que se passou nos últimos 68 anos. Ainda é oficialmente proibido publicar (na Alemanha) o seu livro Mein Kampf  (A Minha Luta), manifesto fundador do nazismo, que, segundo as convenções internacionais,  entrará no domínio público daqui a dois anos.


Passado o tempo das emoções, dos exorcismos e dos aproveitamentos ideológicos de todos os quadrantes, convém que se analise, com o rigor que a História exige, o quadro temporal que permitiu a um homem inquestionavelmente controverso assumir o comando de um país como a Alemanha (berço de cultura) e de quase toda a Europa e de desencadear um conflito de proporções gigantescas.

Muitos scholars se têm dedicado à figura de Hitler, ao nazismo e a todas as matérias correlativas, embora nem sempre com a isenção e a objectividade que a verdadeira investigação exige. Mas importa que esse esforço prossiga e que, ao invés do que é muitas vezes defendido (e considerado politicamente incorrecto)  não se pretenda ocultar o homem e a "obra", com o pretexto de dissuadir a propaganda, antes se estude atentamente o fenómeno, um dos maiores do século passado, e as circunstâncias que o permitiram.

Valha a verdade que Adolf Hitler tem ainda hoje muitos adeptos e simpatizantes na Alemanha, e um pouco por toda a Europa, e mesmo pelo mundo. Mas a ocultação da sua figura e do período que entusiasmou os alemães, antes de serem confrontados com a catástrofe, apenas aproveita aos que se servem, para os mais variados fins, da sua pessoa e das ideias que veiculou.

O EGIPTO À BEIRA DO CAOS



A situação no Egipto degrada-se progressivamente, ao ponto de ontem, o ministro da Defesa, general Abdel Fattah El-Sissi, ter advertido que o estado egípcio está à beira do colapso.

As instruções do presidente Morsi para o recolher obrigatório em Port-Saïd, Ismaïlia e Suez não foram acatadas pela população, perante a passividade da polícia e do exército.

Na sequência dos incidentes da semana passada, após o julgamento dos presumíveis culpados pela catástrofe no estádio de Port-Saïd, o ano passado, e a que já nos referimos por mais do que uma vez, a violência irrompeu de forma extrema, não só nas cidades acima citadas, mas também no Cairo e Alexandria, havendo a registar já centenas de mortos e milhares de feridos nos últimos dias. A contestação da Irmandade Muçulmana, apesar de ter ganho as eleições para a presidência da República e, com o apoio dos salafistas, para a assembleia constituinte, é generalizada.

O presidente Morsi apelou a uma reunião de todas as forças políticas, mas a Frente de Salvação Nacional, dirigida por Amr Mussa, Mohammed El-Baradei e Hamdin Sabbahi, que defende a constituição de um Governo de Unidade Nacional, não esteve presente.

Para ajudar à tranquilidade dos espíritos, Fathi Shihab-Eddim, conselheiro do presidente, declarou que «os seis milhões de judeus que morreram nos campos de concentração alemães foram, na verdade, levados para a América». O conselheiro acrescentou ainda que «o mito do Holocausto é uma indústria que a América inventou».

Quaisquer que sejam as opiniões, e são muitas, acerca do número de judeus mortos pelo regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial, as afirmações de Shihab-Eddim são manifestamente delirantes e nada ajudam à pacificação de uma situação social, económica e financeira gravíssima.

Como escrevemos no sábado, a resignação do presidente Morsi parece constituir a única forma de evitar o pior, ou seja uma confrontação generalizada entre os egípcios, uma guerra civil como a que se verifica na Síria. Acredita-se que os Estados Unidos apelarão às Forças Armadas Egípcias para que retomem o poder, verificado que está que a experiência de governação da Irmandade Muçulmana se saldou por um retumbante fracasso.

Aguardemos...

domingo, 27 de janeiro de 2013

LUCIEN DONNAT



Morreu hoje, com 92 anos, o cenógrafo, figurinista e decorador Lucien Donnat, que colaborou durante mais de 30 anos (1941-1974) com o Teatro Nacional D. Maria II.

Entre muitos trabalhos para a Companhia Amélia Rey-Colaço/Robles Monteiro, devem destacar-se os realizados para as peças Romeu e Julieta e Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare.

Lucien Donnat, com a sua proverbial flor na lapela, era um dos últimos símbolos de uma Lisboa que se extingue dia após dia, de uma época que se arrasta, moribunda, até o exalar do último suspiro.

 Recordo muito bem Lucien Donnat das suas passagens pelo Chiado, de tomar café com ele n'A Brasileira, do seu atelier no Lugar da Misericórdia.

A sua obra não se limitou à actividade teatral, tendo efectuado as mais diversas decorações em Portugal (como o Hotel Palácio do Estoril e o Hotel Avenida Palace, em Lisboa) e no estrangeiro, nomeadamente em França, onde conservava muitos amigos, já que era natural de Paris.

No início da semana passada, o Teatro Nacional D. Maria II prestou homenagem a Lucien Donnat, que já internado no hospital não pôde estar presente, tendo o director João Mota, que o visitou, declarado que Donnat lhe confessara que "quando fechava os olhos continuava a pintar".

JAIME NEVES



Morreu hoje, com 76 anos, o major-general Jaime Neves, que chefiou o Regimento de Comandos da Amadora, unidade de elite do exército português, e foi figura destacada nos movimentos militares de 25 de Abril de 1974 e de 25 de Novembro de 1975.

Tendo realizado quatro missões de serviço em África, teve uma importância decisiva nas operações que levaram à queda do anterior Regime e à instituição da democracia formal hoje existente em Portugal.

Figura controversa, de carácter boémio mas um homem definitivamente corajoso e consciente da condição militar, o coronel Jaime Neves foi agraciado pelo presidente da República, Mário Soares, com o grande oficialato da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.


Em 2009, por sugestão dos generais Ramalho Eanes e Rocha Vieira, e proposta do Exército, aprovada pelas chefias de todos os ramos das Forças Armadas, foi promovido a título excepcional, por se encontrar já na situação de reforma, a major-general,  pelo presidente da República Cavaco Silva.

Jaime Neves, com todas as contradições inerentes ao género humano, personifica a incarnação das virtudes militares.

YANNIS TSAROUCHIS



Por absoluta indisponibilidade, não me foi possível evocar, no passado dia 13, o 103º aniversário do nascimento de uma das mais notáveis figuras da pintura grega contemporânea.


O famoso pintor grego Yannis Tsarouchis nasceu no Pireu, a 13 de Janeiro de 1910 e morreu em Atenas, a 20 de Julho de 1989. Frequentou a Escola de Belas Artes de Atenas (1929-1935), onde teve como professores, entre outros, Konstantinos Parthenius, que o incentivou na arte de vanguarda, e Photios Kontoglu, que lhe deu a conhecer a hagiografia bizantina. Com Dimitrios Pikionis e Angeliki Hatzimichali interessou-se pela arquitectura e pelos trajos populares. Posteriormente, veio a fazer parte do movimento de artistas que reivindicavam a tradição grega na pintura.


Em 1935/6 esteve em Istambul e em Paris e viajou pela Itália. Visitou numerosos museus e ficou especialmente impressionado com a arte do Renascimento. Durante essa viajem descobre as obras de Theophilus Hatzimihail e é influenciado por Matisse e Giacometti.


Regressado à Grécia, realiza os primeiros nus masculinos e em 1938 efectua em Atenas a sua primeira exposição individual. Em 1940, participa na Guerra Greco-Italiana.


Em 1949, junta-se a outros artistas gregos (entre eles Nikos Hadjikyriakos, Yannis Moralis, Nikos Nikolau, Nikos Engonopoulos e Panayotis Tetsis, criando o grupo artístico Armos.


A sua carreira começa a assumir repercussão internacional. Em 1951 realiza exposições em Paris e em Londres e em 1958 participa na Bienal de Veneza. Em 1967, instala-se em Paris, regressando mais tarde à Grécia, onde viria a falecer.


Durante os primeiros anos experimentou os diversos estilos de vanguarda (cubismo, surrealismo, abstraccionismo), acabando por cultivar um classicismo realista onde se fundem todas estas tendências.


Amante do mar e, por extensão, dos marinheiros, Tsarouchis retrata um mundo profundamente sensual, essencialmente masculino e de fortes conotações homoeróticas.


Em 1982, foi inaugurado em Atenas, no nº 28 da rua Plutarchu, o Museu Tsarouchis, situado na casa-estúdio do pintor, no bairro Marousi.


Recomenda-se a leitura do artigo de Olivier Delorme "Yannis Tsarouchis ou l'Éros en maillot de corps", publicado no nº 9 da revista Inverses, em Maio de 2009.


Registamos algumas das pinturas de Yannis Tsarouchis.

sábado, 26 de janeiro de 2013

INCIDENTES EM PORT-SAÏD



Verificaram-se hoje violentos incidentes em Port-Saïd, na sequência da decisão do tribunal que condenou à pena de morte 21 pessoas que teriam estado envolvidas nos graves confrontos ocorridos em 1 de Fevereiro do ano passado, naquela cidade, após um jogo de futebol, entre adeptos do clube Al-Ahly, do Cairo e apoiantes do clube Al-Masry, de Port-Saïd, e que redundaram em pelo menos 74 mortos e centenas de feridos, como referimos aqui.

Dos incidentes de hoje resultaram já 26 mortos, entre os quais dois polícias e mais de 2000 feridos. As manifestações tiveram lugar frente à prisão onde se encontram os condenados e os amotinados assaltaram várias esquadras da polícia.

Há mais 52 adeptos do Al-Masry presos e cujas sentenças só serão conhecidas a 9 de Março. Perante a ineficácia da polícia em conter os acontecimentos, o Governo ordenou a intervenção do exército.

Desde ontem verificam-se também sérios confrontos no Cairo e em outras cidades, por ocasião do segundo aniversário da revolução que levou à demissão do presidente Hosni Mubarak. Em Suez e Ismaïlia registaram-se 10 mortos e 470 feridos Em todo o país as forças armadas estão de prevenção rigorosa na tentativa de obstar ao alastramento da violência.

A Frente de Salvação Nacional, a principal força de oposição (anti-islamista) no Egipto, condenou hoje, em conferência de imprensa, a violência das últimas horas, e pediu ao presidente Morsi que nomeasse um novo governo de unidade nacional e que reexaminasse a nova Constituição recentemente aprovada. Ameaçou também boicotar as próximas eleições para o Parlamento, se as suas reivindicações não forem satisfeitas.

Começa a generalizar-se a ideia de que o presidente Mohamed Morsi é um factor de desestabilização do país (a braços com uma gravíssima crise económica, financeira e social, e sem turismo, uma das principais fontes de receita) e que seria conveniente a sua resignação. Milhões de egípcios, mesmo dos mais contestatários,  têm manifestado o seu desencanto pela queda do regime de Mubarak (que aguarda num hospital militar a repetição do seu julgamento), já que ansiavam que o seu afastamento desse lugar ao estabelecimento de uma ordem nova, que não a actualmente imposta pelos Irmãos Muçulmanos e seus aliados salafistas, ainda no início de uma "cruzada" fundamentalista.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

SALAZAR E A PASSAGEM DO TEMPO



Acabei de ler o livro Salazar e o Poder - A Arte de Saber Durar, de Fernando Rosas. Trata-se de um estudo objectivo e bem documentado ( Rosas indica as fontes de quase todas as citações, o que é imprescindível para a credibilidade de uma obra), dando-nos a sua visão não só de como Salazar obteve o poder, mas como conseguiu conservá-lo até à morte (cerebral).

Começa Fernando Rosas por desmistificar (e desmitificar) o que teria sido o passeio triunfal de Salazar para chegar à cadeira de São Bento. Desde a Revolução de 28 de Maio de 1926 até à sua exoneração da chefia do Governo por Américo Tomás, em 27 de Setembro de 1968, António de Oliveira Salazar é o mais influente político do século XX português.

Ingressa no gabinete de Mendes Cabeçadas a 12 de Junho de 1926, como ministro das Finanças, mas demite-se logo a seguir, na sequência do golpe militar (17 de Junho) que levou à substituição de Cabeçadas por Gomes da Costa. Volta para Coimbra e só regressa a Lisboa, definitivamente, para reassumir as Finanças, no ministério de Vicente de Freitas, a 27 de Abril de 1928, proferindo, no discurso de tomada de posse, a frase que se celebrizou: «Sei muito bem o que quero e para onde vou...».

Por demissão do presidente do Conselho, Domingos de Oliveira, Carmona nomeia Salazar para a chefia do Governo a 29 de Junho de 1932, tomando posse a 5 de Julho. Lugar que conservará, através de muitas vicissitudes, especialmente nos primeiros e nos últimos anos do mandato, até ao fim da sua vida (política) , em 1968, pois só viria a falecer (devido ao acidente que o incapacitou) a 27 de Julho de 1970.

É Fernando Rosas um especialista de Salazar, do Estado Novo, da 1ª República e, em geral, dos séculos XIX, XX e XXI portugueses. Já se preocupara com a longa duração do poder de Salazar no capítulo I da obra colectiva Salazar e o Salazarismo, publicada em 1989. No livro ora em análise, pretende o autor encontrar uma explicação mais detalhada para a longevidade política do chefe do Estado Novo. Sustenta Fernando Rosas que Salazar conquistou o poder (ainda que não absoluto), "passo a passo", em seis passos sucessivos: 1) Derrotar o reviralhismo e o movimento operário; 2) Transmutar-se de "mago das finanças" em chefe político da contra-revolução; 3) Afastar os militares republicanos da chefia do Governo e da Ditadura; 4) Estabelecer o acordo final com os militares republicanos e a institucionalização do regime; 5) Disciplinar e integrar o nacional-sindicalismo; 6) Unir numa só força, as várias direitas da direita. Um trabalho árduo, temos de concordar, para quem, como António Ferro o apresenta nas suas entrevistas: «Salazar é um homem só, acima da intriga e das conspirações políticas, sem aliados nem alianças, que só aceita, contrariadamente  (e não contrariamente, como vem escrito a páginas 49 do livro), sair do seu esplêndido isolamento para salvar a pátria».

Deve referir-se que uma obra analítica tão detalhada como esta de Fernando Rosas merecia uma cuidadosa revisão tipográfica. Abundam as gralhas. Ora se escreve Pio XI em vez de Pio XII, ora se refere Beleza Forjaz em vez de Beleza Ferraz, etc., ora se verificam falhas de concordância ortográfica, estas de menor importância. Uma atenção a ter com a eventual reedição da obra.

Acrescente-se, ainda, que no ensejo de nos proporcionar a leitura que pretende quanto à "arte de saber durar" de Salazar, o autor é obrigado (ou se obriga) a um vai-vem cronológico dos acontecimentos, que desorienta o leitor menos informado do período em apreço. À medida que percorremos a obra, tão depressa estamos no ano X como no ano Y como no ano Y-2 ou no ano X+3.

O livro está escrito na perspectiva ideológica de Fernando Rosas, mas é, antes de mais, obra de um historiador e não de um mero propagandista político. A referência à contestação do salazarismo dos primeiros anos, quer da Ditadura, quer do Estado Novo, é real, mas ela provinha, em especial (mas não exclusivamente) dos próprios políticos e militares da época (monárquicos, anarco-sindicalistas, ultra-direitistas, republicanos de direita e de esquerda, católicos ultramontanos, socialistas, comunistas, etc.); e não tanto da generalidade do "povo comum". Este pretendia, entre outras coisas, a tranquilidade, a segurança, mesmo, talvez, o "viver habitualmente" tão caro a Salazar, farto que estava das revoluções, das barricadas, dos tiroteios, dos pronunciamentos militares, dos assaltos, da confusão permanente que se vivia em Portugal desde os fins da Monarquia e durante toda a Primeira República (como muitas vezes ouvi dizer a meus pais, ambos nascidos ainda no tempo de D. Carlos). Não o refere Fernando Rosas no livro, mas essa terá sido também uma das razões que levou à consolidação do poder de Salazar, embora não explique a sua longevidade, dado que a partir especialmente do fim da Segunda Guerra Mundial, mormente depois da candidatura de Humberto Delgado e da abortada conspiração de Botelho Moniz, e com um problema colonial às costas, tão contrário aos "ventos da história", o povo português ansiasse por uma mudança de regime.

Teve a mudança de chefe do governo, mas Marcelo Caetano, excelente professor de Direito, não era (e não foi) o homem da mudança, por incapacidade própria mais do que por pressões alheias. Ambicioso, convencido, mas sempre hesitante, faltaram-lhe as qualidades que se exigem a um autêntico estadista.

A mudança só viria a 25 de Abril de 1974, verdadeiramente sem outro projecto abrangente (comungado se não por todos pelo menos pela esmagadora maioria) que não fosse o derrube do regime, e que, após 25 de Novembro de 1975, se saldaria pelo Estado que hoje temos, uma democracia formal, como a maioria das suas congéneres europeias, em que os legítimos direitos dos cidadãos são progressivamente postergados a favor de um sistema económico-social cada vez mais inegualitário e injusto.

Muito mais haveria a escrever sobre o livro de Fernando Rosas, mas nem este é o espaço próprio, nem eu sou o especialista habilitado a dissecar a obra.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AS "AMAZONAS" DA SÍRIA



Foi criada em Homs uma força paramilitar feminina disposta a sacrificar o seu sangue por Assad, segundo informa o PÚBLICO. Como a queda de Qaddafi proporcionou o desencadear das actuais operações terroristas na África Central (ex-francesa), cujas repercussões estão longe de ser calculadas, a provável queda de Assad provocará um terramoto na região e, como já o afirmei várias vezes, o eclodir de uma guerra regional que poderá mundializar-se. Não estou a exagerar; sejamos lúcidos, ainda que Pessoa ironicamente desdenhasse a lucidez.

Transcrevemos a notícia:

O regime de Bashar al-Assad criou unidades paramilitares integralmente femininas, grupos de “amazonas” que juram fidelidade ao Presidente e cuja missão é colaborar no combate do Exército da Síria contra as forças revoltosas que há quase dois anos lutam para fazer cair o Governo.

Abir Ramadan, uma técnica de laboratório de radiologia de 40 anos, integra a primeira unidade feminina das forças da defesa nacional, e agora “patrulha” a cidade de Homs, no Centro do país, armada de metralhadora e de capacete. “O meu marido encorajou-me a alistar-me e achei uma boa ideia. Apresentei-me e fui logo recrutada”, conta, acrescentando que o fez porque “a pátria está ferida” e a precisar de ajuda.

Esta mulher que “não se arriscava a ficar sozinha em casa com medo de ser atacada”, nem “ousava pegar numa arma”, agora vigia as entradas num dos estádios da cidade, ao lado de outras fedaïyate (literalmente, “aquelas que se sacrificam”).

Também foi a vontade de “apoiar o Exército e defender a pátria” que levou Itidal Hamad, uma funcionária pública de 34 anos e mãe de três filhos, a oferecer-se para as fileiras de combate femininas. E é o seu desejo de proteger o Presidente que a leva a gritar todos os dias, como as suas companheiras de armas: “Sacrificaremos o nosso sangue e a nossa alma por ti, Bashar!”.

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma organização não-governamental com sede em Londres, estima que a brigada feminina já conte com mais de 450 “amazonas”, com idades compreendidas entre os 18 e os 50 anos. O regime apresentou a nova formação à imprensa esta terça-feira, numa clara operação de propaganda.

A comandante Nada Jahjah, que supervisiona o treino e formação das paramilitares, explica o pensamento por trás da constituição desta unidade. “Trata-se de uma força voluntária. O serviço pode ser cumprido em dois horários, entre as 8h e as 12h ou entre as 12h e as 16h, para que as combatentes possam manter o seu emprego”.

“O treino abarca o tiro com metralhadoras Kalashnikov e BKC, o manuseamento de granadas, o controlo de multidões, a realização de buscas e acções de vigilância e ainda ensinamentos de tácticas militares”, enumera.

Nada Jahjah arrisca explicar a motivação destas mulheres, que trocam as famílias pelas trincheiras: “Vivemos em circunstâncias trágicas. Esta não é uma guerra normal. Desta vez, o inimigo pode ser alguém da nossa família, pode ser um dos nossos vizinhos. É uma guerra selvagem”.

A cidade de Homs é considerada a “capital da revolução”, lançada em Março de 2011 contra a repressão do regime de Bashar al-Assad. O conflito, que se prolonga desde então, já fez mais de 60 mil mortos, de acordo com as Nações Unidas.

Rússia começa a retirar cidadãos

Entretanto, a Rússia começou, na segunda-feira, a retirar os seus cidadãos da Síria, uma decisão que os analistas lêem como uma reviravolta significativa em termos da sustentação do regime de Assad. Isolado pela comunidade internacional, o Presidente sírio conta apenas com o apoio de Moscovo e de Pequim para impedir que as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas impondo sanções contra Damasco sejam aprovadas.

Por enquanto, a operação russa de repatriamento envolve apenas 100 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, que serão transportadas em autocarro até ao Líbano e, daí, de avião de volta a casa. Mas, tendo em conta que há milhares de russos na Síria cuja segurança poderá ficar comprometida no caso da derrota de Assad, a pressão para novas missões poderá aumentar.

Segundo o analista Alexei Malashenko, do ramo de Moscovo do Carnegie Endowment for International Peace, a operação russa "é um sinal de desconfiança em Assad, que parece na iminência de ser afastado do poder". Segundo disse à Al Jazira, existe uma grande preocupação no Kremlin de que a queda de Assad "gere uma onda de vingança contra aqueles que são vistos como os seus apoiantes", nomeadamente os russos que vivem na Síria.

sábado, 19 de janeiro de 2013

PORTUGAL CORRE O RISCO DE UMA REVOLUÇÃO



Segundo entrevista ao jornal "i", António Barreto afirma que "este governo é cobarde" e que "Portugal corre o risco de uma revolução".

Pela sua importância, e com a devida vénia, transcrevemos a estrevista:

António Barreto recebeu o i calmamente, no meio da azáfama da mudança da fundação a que preside, a Fundação Francisco Manuel dos Santos, do andar que ocupava na Torre 3 das Amoreiras, em Lisboa, para um edifício quase em frente, da Unilever, do grupo Jerónimo Martins. Deita os políticos por terra e diz que se está a escarafunchar na ferida.

Quais são os seus votos para 2013?

Que haja uma alteração importante no modo como as autoridades, as forças políticas, as forças sociais, a população e os jornais encaram a discussão dos nossos problemas políticos, económicos e financeiros. Estou muito desconsolado e muito desgostoso pela maneira como as coisas estão a correr.

E como estão a correr?

O governo informa pouco e mal, a oposição quer saber pouco e mal, o tom geral da discussão é calunioso e boçal, as pessoas acusam-se umas às outras, nunca por menos de mentiroso, bandido, criminoso, aldrabão, intrujão… As coisas que se dizem no parlamento, as coisas que se dizem na televisão, as coisas que se dizem nos jornais tornam impossível qualquer espécie de discussão racional. Eu não sou dado a consensos, mas alguns são precisos ou não se vai a sítio algum.

Diz-se que esta é a geração mais bem preparada...

Eventualmente, pode ser uma geração muito bem preparada, mas não sei de que ponto de vista. Tecnicamente já se percebeu que não, têm falhado as previsões todas, têm falhado as discussões todas. Moralmente, acho que não. O clima geral de promiscuidade e de corrupção que há no país também não é a melhor preparação moral. Talvez tenha melhor preparação cultural ou a nível universitário… Nos modos e costumes de tratamento e de comportamento entre as classe dirigentes, políticas ou económicas também não se vê essa preparação.

Isso muda-se?

Não sei. Na minha idade já não se muda. A alteração vai ser longa, vai demorar anos a reparar, arranjar, vai levar anos a tentar recobrar. Não é pêra doce, não vai ser nada fácil, e a esperança de que as coisas podem ser depressa e bem é irrealista. Vão sobrar – já sobram hoje! – profundas cicatrizes e sequelas de difícil resolução. E é para isso que nós agora estamos lançados: anos e anos de recuperação.
Neste momento estão a abrir-se mais feridas ou já se estão a fechar algumas para que possam cicatrizar?
Não se está a fechar nada. Estão-se a abrir mais feridas e mais impossibilidade de as resolver. Sem um plano a médio prazo para levar a cabo nos próximos quatro, cinco, seis, sete, oito anos, nada se poderá fazer. Sem um entendimento político suficiente, o que envolverá uma parte do poder político ou do poder parlamentar mais considerável que a actual, o acordo não é possível. E já se percebeu não só que o acordo é periclitante, como a maioria é reduzida, como se percebeu que dentro da coligação há brechas profundas e feridas profundas, como dentro do próprio PSD, o partido maioritário, há brechas e fracturas profundas.

Sem consenso político Portugal não chega lá?

A incompreensão por parte da população ou das forças políticas, dos partidos políticos, de que sem isto não se consegue chegar a sítio nenhum é aflitiva. Parece que tem de se chegar ao desastre para depois se perceber o que é preciso para curar o desastre.

Qual o papel da população?

Pode votar ou exercer pressão aqui e ali.

Já votou…

Terá de votar outra vez, um dia, não sei quando. A população tem três maneiras de agir. Uma delas é votar, regularmente e periodicamente, que é assim que deve ser. Depois manifestar-se – e vai-se manifestando cada vez mais ao longo destes anos. Por fim, exercer pressão através das suas associações, das suas forças, dos seus sindicatos, das confederações.

“Se não houver nos próximos tempos uma grande reforma, Portugal corre o risco de sofrer uma revolução.” Sabe quem disse esta frase, em 2011?

Posso ter sido eu, até.

Foi. Mantém?

Mantenho.

Recentemente Mário Soares apelou à revolução. É disso que fala?

Eu não quero que haja uma revolução, eu não espero que haja uma revolução, considero que se houver uma revolução é negativo para o país, é negativo para a população, é negativo para a liberdade, é negativo para a democracia e é negativo para os direitos individuais. Limito- -me a recear que, se esta miopia das forças políticas continuar, se a ignorância do que são as condições necessárias para resolver os nossos problemas, esta incapacidade ou impossibilidade de entendimentos mais sólidos e mais profundos entre várias forças continuar. Continuarão a esticar a corda, continuarão a chegar relatórios do Fundo Monetário Internacional e mais medidas em que o objectivo essencial parece ser continuar a esfolar, a esfolar, a esfolar… E um dia acontece o mal. Um dia dá para o torto.

O governo vai tomando medidas, vai reformando. Vê-lhes coerência, concorda que é necessário reformar o Estado?

Se alguém quer reformar o Estado, o que eu acho muito bem, já devíamos ter começado há 15 anos, ou há dez, ou há cinco…

Ou agora?

Ou agora. Mas é preciso, em primeiro lugar, partilhar com a população o Estado que se pretende. Discutir os objectivos, os horizontes. Que Estado queremos? Grande, pequeno, rico, pobre, com força, sem força, com autoridade, descentralizado, concentrado? Como deve ser em relação à Europa, em relação aos municípios, às freguesias? Isto tudo tem de ser mais discutido, debatido, e só depois de se saber o que se quer, para onde se vai, se faz o caminho.

Como viu o relatório do FMI?

Devo dizer que é, em numerosos parágrafos, absolutamente justo, porque revela ou sublinha o que muitas pessoas sabem mas não querem dizer em público. Aliás, há muitas coisas que é o próprio governo que diz, mas faz com que seja o Fundo Monetário Internacional a dizer para não ter de ser o governo a fazê-lo. O que é ridículo, é de um altíssimo grau de cobardia.

Quais são as coisas que todos sabem e não querem assumir?


Sabe-se há muitos anos que tem de haver uma alteração nos funcionários públicos, uma alteração no Estado de protecção social, que há grupos sociais e grupos profissionais que são muitíssimo privilegiados em relação a outros e que vivemos assim durante 20 ou 30 anos, alegremente. Tudo isto é verdade e – eu li-o –, o relatório põe o dedo nessas feridas. Com certeza não são imbecis, não são estúpidos. Toda a gente diz: “Ah, tratam Portugal como se fosse a Indonésia, as Filipinas ou a Costa Rica porque para eles os países são todos iguais.” Não é verdade! Muito do que vem no relatório do FMI está perfeitamente identificado.

Como, por exemplo?

Tem-se medo de dizer que, no conjunto europeu, os professores são mais bem tratados que os professores dos outros países, ou que os funcionários públicos têm um regime global muito privilegiado em relação aos trabalhadores do privado, que há inúmeras excepções para os emigrantes, para os habitantes dos Açores, para os residentes na Madeira, para as pessoas do Interior, para os filhos dos emigrantes, para os filhos destes, daqueles e daqueloutros. Há inúmeras situações de privilégios e privilégios. Sabe--se isto tudo há muitos anos e os governos fogem sempre a discutir isso. Porque isso não dá votos, não serve para a demagogia. E então põe-se o FMI ao serviço.

O governo não assume as suas políticas?

Tem tentado mostrar à população que está a ser forçado a tomar estas medidas. São peripécias que se fazem todos os dias, mas neste caso tomaram uma dimensão mais séria. Já não são pequenas fugas para a imprensa, um papel que se deixa cair, são programas a sério, como o caso do FMI, do Banco Central, até da OCDE. Anuncia por interposta pessoa, para mostrar que as coisas vêm de fora para se desculpar e também para ter espaço de manobra, ver como as medidas são acolhidas. Considero tudo isto cenografia adolescente e fútil. A grande política não se faz assim.

Este governo é cobarde?

Acho que sim. Neste caso acho que sim, é um governo cobarde. O governo toma as medidas que tem de tomar, muitas delas terríveis e algumas justas, ainda por cima, e toma-as de supetão, manda para a rua, como quem atira pedras, bumba! Têm tido coragem para tomar medidas, mas era muito mais corajoso tornar as coisas públicas antes, discutir e envolver os parceiros sociais. Isso era coragem.

Não haveria o risco de não passar da discussão à acção?

Mas não há outra maneira de viver em paz e em democracia. Fazer as coisas inesperadamente, de supetão, é fazer as coisas mal feitas. É por isso que se fazem disparates uns atrás dos outros, com inconstitucionalidades. Há sempre um tempo de discussão e um tempo de decisão, mas este governo parece só gostar do tempo da decisão. O clima que vivemos em Portugal é muito pouco apropriado à resolução dos nossos problemas. O Conselho Económico e Social reúne pouco e mal, as autoridades públicas vão ao parlamento e é uma berraria pegada – não conheço nenhum parlamento no mundo, a não ser o italiano em período de crise com o Berlusconi ou o da Coreia do Sul, onde de vez em quando se pegam à pancada assim. O nosso parlamento não serve para discutir nada, nada. Não há clima de civilização, de boa educação, de racionalidade… Tenho impressão que quanto menos razão as pessoas têm mais insultam.

Mas não se chega a acordo por decreto, ou chega?

Por isso digo que tenho a impressão que os partidos, governo e oposição, vão precisar de chegar ao desastre para perceber que têm de mudar de comportamento. Isto vem nos livros. Há os que mudam por vontade e os que mudam por necessidade, e normalmente a necessidade vem depois do desastre.

O Presidente da República pode impedir o desastre?

O papel do Presidente da República é o papel que ele definiu para si próprio. E o papel que ele definiu para si próprio é o papel de última instância, último árbitro. Eu não estou de acordo, mas é o papel que ele definiu para si e que tem vindo a assumir.

Os políticos portugueses são banais?

A comparar com quê? São melhores na Espanha, na Itália, na França? Só se for a comparar com um período romântico. Os políticos europeus de hoje são muitíssimo parecidos uns com os outros. Falam uma linguagem codificada, apostam muito na demagogia eleitoral, estão absolutamente tolhidos pela imagem, pelo que parece, é-lhes mais ou menos indiferente o que é, o que deve ser ou o que pode ser, o espectáculo é que é importante. O efémero é que é importante. Há uma concepção quase comercial da vida política. O que importa é ganhar, ter uma margem grande, esmagar os outros. Podiam ser todos como Churchill ou Charles de Gaulle? Bem, eu também gostava de ter políticos como os do século xix em Portugal, pessoas interessantes, capazes de ter bons discursos, cultas, capazes de escrever artigos e livros. Não é o que temos, nem em Portugal, nem na Europa. Temos discursos estereotipados, lugares comuns, sistematicamente, da freguesia à autarquia, ao governo, à Comissão Europeia, ao banco central, às reuniões internacionais.

Mas há gente interessante, ou não?

Sim, mas ocupam-se menos de política. Ocupam-se do lazer, da cultura, da família, da profissão, do sexo, da música, do cinema… Acham que tudo isso é mais interessante que a política – até que a política um dia acabe por dar cabo deles. Então aí a sociedade voltará a interessar--se pela política.

Se houvesse um governo de emergência nacional, de salvação nacional…

Não me vai fazer aceitar nenhum dilema de impasse. As pessoas são o que são. Nestas condições, com as pessoas estúpidas, burras ou inteligentes, é o que temos e é com esses que temos de trabalhar. Não vamos mandar vir de Marte, ou japoneses… Quando falo numa grande coligação, é porque são essas as condições políticas.

O que ia perguntar-lhe era se esse governo seria fruto de eleições antecipadas ou de uma escolha presidencial...

Se o Presidente da República nomeia o governo, e se é eleito com essa missão, não sou contra. O presidente da República em França nomeia governo, o presidente nos EUA nomeia o governo. Acontece que a nossa constituição não lhe dá esse poder, tem de ser o parlamento a nomear o governo.

Passando para outras eleições, o que acha que vai acontecer nas autárquicas?

Em condições normais a abstenção aumentaria, tem sido essa a tendência nos últimos 20 anos. Agora a população está tão ácida, zangada, e sobretudo aflita, que há duas reacções contraditórias possíveis. Pode acontecer que a população queira aproveitar as eleições para castigar ou que, dadas as circunstâncias, as pessoas queiram mostrar indiferença e não votem.

Vê António José Seguro como alternativa ao actual governo?

Não, acho que é igual ao Dr. Passos Coelho. São iguais, um no poder, outro na oposição. Ambos têm uma linguagem e uma maneira de fazer política muito estereotipada. Ambos tiveram um interesse importante: nenhum estava muito interessado em falar com o outro. O primeiro-ministro não quis atrair o PS à discussão e ao Dr. Seguro – porque está meio dentro, meio fora, por causa da troika, porque queria estar longe de Sócrates –, dava-lhe jeito não ter responsabilidades a mais na discussão com o governo. Como acontece às vezes com os casais, não estavam de acordo em nada a não ser na separação.

E entre o CDS e o PSD, é mais o que os une ou o que os separa?

Ainda é superior o que os une. O problema é que o PP não quer pagar as favas dos méritos ou deméritos do outro, que são grandes. Quando o PP entra numa coligação, a primeira coisa que faz é pensar em que altura vai sair: no pico dos benefícios e no mais baixo dos inconvenientes. Por isso rapidamente lança o nervosismo. A questão é que o PP não tem espaço de crescimento à direita, só tem espaço de crescimento à esquerda, isto é, à custa do PSD. A concorrência ácida entre PSD e PP é superior à que existe entre o PSD e o PS, em que os dois têm espaço de crescimento à esquerda e à direita.

A situação a que o país chegou é fruto de muitas políticas. O que se pode fazer para, a partir de agora, se corrigirem desvios em tempo útil?

O quadro de uma revisão constitucional seria o ideal para isso, desde que tivéssemos tempo, um ou dois anos. Há qualquer coisa no domínio do escrutínio dos governos e da fiscalização das suas políticas que a meu ver devia ser revisto. Ainda hoje o Tribunal de Contas não tem poderes suficientes, nem de exame nem de fiscalização, para impedir que se prossiga na via errada. O Tribunal de Contas e instituições como o Supremo Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Administrativo, a Procuradoria-Geral da República deviam ter uma intervenção mais funda para impedir erros e irregularidades sistemáticos. Não estou a sugerir – e repito muito sublinhado – que se penalize em tribunal e com pena de prisão quem governa mal. Estou a sugerir que o conjunto das entidades tenha poderes de travagem e de bloqueio de decisões.

A revisão constitucional é imperativa?

O que mais gostaria que acontecesse em Portugal, globalmente, é que fossemos capazes de pensar uma nova constituição com tempo e com razão. A impunidade política, financeira, do sector público, a maneira como o debate e o diálogo se processam, para não falar na organização da justiça, tudo isso exige uma revisão constitucional, não tenho qualquer dúvida.

Foi muito atacado porque disse que há muitos anos que sabe que as parcerias público-privadas têm cláusulas secretas. Porque veio dizer isso agora?

Este ano não foi a primeira vez que falei nisso, já o tinha feito há três anos na televisão. O que quero dizer é que criei a convicção, ao longo destes últimos seis anos, de que há cláusulas secretas nas PPP. Aliás, já fui ouvido pelo departamento de acção penal, pela Polícia Judiciária, pelo parlamento, já testemunhei por escrito e esclareci o que tinha a esclarecer. Mas um juiz do Tribunal de Contas disse expressamente que há cláusulas não sabidas e que os documentos das parcerias não estavam completos. Também já se fizeram revisões de contratos em que, de repente, o governo poupou mil milhões, oitocentos milhões. Se é tão fácil revê-los... Ainda hoje estou convencido que as autoridades já deviam ter feito uma análise completa de todos os contratos de parcerias público-privadas para saber se há ou não cláusulas secretas e de contingência. Temos o direito de saber.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos, a que preside, elaborou um relatório sobe a justiça, que tem vindo a apresentar...

Concentrámo-nos na justiça económica. Os nossos autores fazem uma proposta de revisão global do Código do Processo Civil e consideram que há muitas coisas que pura e simplesmente têm de ser deitadas fora. São as conclusões de uma ampla análise de processos, de propostas de encarregados de contencioso, advogados e juízes. Temos programadas até Julho sessões públicas e de discussão para tentar levar a carta a Garcia, levar o recado até ao fim.

Sobre as fundações, o governo prometeu mundos e fundos, acabar com subsídio-dependentes... Ficou tudo na mesma?

Devo dizer que felizmente foi prorrogado mais seis meses o prazo para alterar os estatutos. O processo é longo, porque é preciso mudar órgãos sociais, reeleger curadores, fundadores, administrativos, etc. Em relação ao que se passou em geral, foi mais um caso de política precipitada. O governo, aliás, diz que prometeu à troika um prazo e teve de fazer a correr. Fez mal e está a corrigir a mão. Parece que daqui a pouco tempo há mais algumas fundações que vão ou desaparecer ou fundir-se ou ter regras diferentes. Esperemos que sim. Sem mortos nem feridos, mas é um exemplo de que fazer sob pressão é fazer mal.

Passa-se o mesmo com as privatizações?

Sim. A necessidade de privatizar com data marcada deve ser chumbada num exame de Economia do 12.o ano. Se quer vender qualquer coisa, não pode fazê-lo com a obrigação de um prazo, porque isso degrada o preço, degrada as condições, transforma o comprador em rei e senhor e o vendedor num lacaio e escravo, que foi o que aconteceu. A minha convicção é que as privatizações, a terem de se fazer, deviam ser feitas sem qualquer espécie de condição e prazo, correr os seus processos normais, que é ter vários interessados, discutir o que se pretende com a compra e com a venda. O que aqui não houve. Parece que houve uma privatização que correu muito bem e que os resultados deram mais dinheiro do que se estava à espera... Esse facto, para mim, não chega para aceitar a ideia geral de privatizar à força.

Há empresas sobre as quais as pessoas têm posições muito extremadas, a TAP é uma delas. Acredita que vai ser privada?

Não sei, sinceramente. As pessoas têm uma atitude muito dividida para com a TAP: não, nunca, jamais. Outras pensam o mesmo sobre a água ou sobre os cimentos. A aceitar estas razões, então tudo tem de ser público. Não há para mim nenhuma empresa pública que mereça uma consideração excepcional, a não ser a RTP.

Porque é que a RTP é um caso à parte?

Porque a minha convicção é que se trata de um serviço público. Há um serviço de elevação cultural da população – repare que eu não digo de informação, de entretenimento ou de interesses locais – que eu sei que os privados não fazem nem nunca farão. Porque custa dinheiro, é caro, e não gera lucros. E acho que um país, uma nação, um Estado tem o direito, mal feito fora, de dizer que vamos ocupar desta maneira a elevação cultural e moral do povo português.

E a televisão pública já presta hoje essa serviço cultural de que fala?

Não, a minha programação de um serviço público de televisão não é obviamente a da RTP actual. Teria de ser uma RTP diferente. Nos Estados Unidos há o PBS [Public Broadcasting Service], que são dezenas de canais organizados a nível local, nacional, etc. Eu não tenho um plano para o serviço público português, mas quero que ele exista e que garanta a elevação cultural, não quero que faça concursos, desporto, futebol, nem sequer informação, até porque a informação da RTP hoje não é melhor que a dos outros.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

NAGISA OSHIMA



Morreu hoje, com 80 anos, em Tóquio, o famoso realizador japonês Nagisa Oshima. Autor de filmes notáveis, tornou-se mais conhecido em Portugal pelos que abordavam de forma muita directa a sexualidade, como O Império dos Sentidos e O Império da Paixão, Feliz Natal, Mr. Lawrence ou Tabu. A sua obra, iniciada em 1959, conta mais de 50 películas, algumas das quais correram o mundo.

Para uma notícia mais pormenorizada, consulte-se a Wikipedia. O cinema perdeu um dos seus grandes vultos.

A "REFUNDAÇÃO" DO PALÁCIO FOZ



Teve lugar hoje, e prosseguirá amanhã, no Palácio Foz (à porta fechada), uma conferência destinada a debater a "refundação" (não sei se esta designação ainda é correcta ou se, entretanto, outra já a substituiu) do país.

A sessão de hoje, com a participação de diversos convidados, foi protagonizada pelo secretário de Estado Carlos Moedas, por incumbência do chefe do Governo. Amanhã, usará da palavra o próprio primeiro-ministro Passos Coelho.

O Palácio Foz, mandado construir para sua habitação pelo primeiro marquês da Foz, tem sido cenário, ao longo de décadas, dos mais variados eventos. Designadamente políticos ou político-culturais.

Foi no Palácio Foz que António Ferro, por incumbência de Salazar, instalou o Secretariado da Propaganda Nacional, a partir do qual desenvolveu a acção, aliás muito meritória, ainda que ideologicamente discutível, que todos conhecem. Volta o Palácio Foz, hoje e amanhã, a ser o palco de novas acções de propaganda nacional, de mérito presumivelmente duvidoso.

Mas com uma diferença abissal: é que a distância entre António Ferro e Carlos Moedas, ou entre Oliveira Salazar e Passos Coelho é de muitos anos-luz.

O "INVERNO ÁRABE"



Duas explosões na Universidade de Aleppo causaram hoje pelo menos 52 mortos e centenas de feridos, no primeiro dia de exames, segundo reporta a Al Jazira. A maior parte das vítimas são estudantes.

Os rebeldes sírios responsabilizam o Governo pelo ataque, segundo dizem, aéreo, ao passo que as fontes oficiais afirmam tratar-se de uma acção dos terroristas.

A ocorrência não pode deixar de suscitar a maior repulsa, sugerindo pertinentes dúvidas que possa ter sido uma acção das forças governamentais. É sabido que a maioria dos revoltosos sírios são criminosos de guerra infiltrados no país, por conta da Al-Qaeda, subsidiada directamente pela Arábia Saudita, e indirectamente pelos Estados Unidos e Ocidente em geral, que apoiam o Governo saudita.


À medida que os dias passam, constata-se que a "Primavera Árabe" não passou de um equívoco, promovido ou permitido pelo Ocidente e incentivado pelos fundamentalistas islâmicos que pretendem incendiar o mundo a pretexto da difusão da fé.

Aguardam-se, por isso, dias sombrios não só no Mundo Árabe, mas também na Europa e nos Estados Unidos, se não forem tomadas, rapidamente e em força, as medidas adequadas ao controlo da situação.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

ATENAS EM ESTADO DE ALERTA



Um ataque de kalashnikov, esta madrugada, contra a sede do partido Nova Democracia, do primeiro-ministro grego Antonio Samaras, colocou Atenas em estado de alerta.

Segundo o PÚBLICO, o porta-voz do Governo grego afirmou que tinha sido disparada uma "bala simbólica" contra o primeiro-ministro.

Desde sexta-feira que se registam actos de violência em Atenas, tendo sido vandalizada a sede do Partido Socialista (PASOK) e também vários balcões bancários, a sede da empresa pública de electricidade, as residências de alguns jornalistas e outros alvos julgados estratégicos.

Depois de apresentar um pacote de medidas agravando o já violento clima de austeridade imposto pela troika que opera na Grécia, Antonio Samaras pediu paciência aos gregos, coisa que estes parece já não terem.

Segundo alguns especialistas, a manutenção ou o ainda admissível agravamento da situação actual conduzirá inevitavelmente a uma guerra civil.

Aguardemos.

domingo, 13 de janeiro de 2013

JABHAT AL-NUSRAH OU AS CONTRADIÇÕES DO OCIDENTE


Bandeira de Jabhat al-Nusrah

Os Estados Unidos  inscreveram o mês passado  na lista das organizações terroristas a Frente de Apoio ao Povo da Síria (Jabhat al-Nusrah li-Ahl al-Sham), um grupo filiado na Al-Qaeda, criado em Janeiro de 2012 e considerado o mais violento e eficaz dos movimentos que se opõem ao regime de Bashar Al-Assad.

Movimento salafista apoiado principalmente pela Arábia Saudita, este grupo insere-se na estratégia fundamentalista islâmica que consiste em levar o terror a todas as partes do mundo aonde os seus membros consigam penetrar. Vemos agora como a AQMI, a Al-Qaeda para o Maghreb Islâmico, está  actuar na África Central, designadamente no Mali, e que já levou a uma intervenção, porventura tardia e mal preparada, das tropas francesas.

Sem ignorar, como já escrevemos muitas vezes neste blogue, o carácter repressivo do regime sírio, não há dúvida que a guerra civil a que hoje, infelizmente, se assiste, só se tornou possível pelo apoio financeiro e logístico e mesmo pelo envio de fortes contingentes armados por parte dos países vizinhos e pelos encorajamentos e contradições do mundo ocidental, incluindo também considerável suporte operacional..

Nos Estados Unidos, Obama ora parece apoiar os rebeldes, ora considera os salafistas como um grupo terroristas. Na Grã-Bretanha, David Cameron, e em França, François Hollande, dois homens políticos de duvidosa moral, de curtos horizontes e de limitada inteligência, tão depressa estão ferozmente contra o presidente Assad, como condenam os crimes cometidos pelas oposições, que nada ficam a dever à atrocidades praticadas pelo regime. A Turquia, de Recep Erdogan, tem estado mais calada nestas últimas semanas, fazendo o jogo que mais lhe convém, como vizinha da Síria, acolhedora de milhares de refugiados sírios e aspirante à liderança do mundo muçulmano, disputada igualmente, na prática, pelos sauditas, e agora, também, pelo novo Egipto dos Irmãos Muçulmanos de Mohamed Mursi. Em Israel, que, malgré tout, tinha na Síria um parceiro estável, aguardam-se as próximas eleições para se conhecer o destino de Netanyahu, que deverá suceder a si mesmo.

Nunca os líderes ocidentais, pelo menos nas últimas décadas, foram tão medíocres como hoje. Apesar de preocupados com a situação vivida no Velho Continente, deveriam precaver-se contra a ofensiva de um islão radical, que nada tem a ver com a religião muçulmana tradicional, e persegue objectivos (que nunca alcançará) de domínio mundial. Mas não o fazem, ou porque se agarram a agendas mesquinhas, ou porque os interesses financeiros, que ameaçam controlar o planeta, os impedem de qualquer acção.

A Tunísia parece resistir melhor às investidas dos "barbudos" islamistas, pois que, ainda hoje, teve lugar em Tunis, comemorando o segundo aniversário da partida do presidente Ben Ali, uma grandiosa manifestação pedindo a demissão do governo islâmico do partido Ennhada. Segundo uma manifestante, «a máfia dos Trabelsi (a família da mulher do ex-presidente) foi substituída pela máfia dos islamistas».

Em todo este penoso processo de "re-islamização", o comportamento do Mundo Ocidental têm-se verificado verdadeiramente desastroso. Não que se defenda o direito de ingerência, e muito menos o dever de ingerência, mas reivindicar-se-ia o dever de coerência. Porém a Europa, nomeadamente, através de uma organização chamada União Europeia, e que deveria ter uma política externa minimamente harmónica, varia as suas opções ao sabor dos acontecimentos, numa indescritível confusão de objectivos e princípios.

Eu sei que de nada vale o que aqui escrevo, mas, realmente, assim não chegaremos a parte alguma.

ÂNGELO CORREIA E DURÃO BARROSO



Ângelo Correia acusou Durão Barroso de estar a comporta-se cinicamente em relação às responsabilidades nas políticas impostas a Portugal falando em «indecência política» e assumindo que classificava o presidente da Comissão Europeia de «falta de honestidade».

Em entrevista na TVI24 neste sábado, o empresário fez questão de «rejeitar aquilo que o doutor Durão Barroso cinicamente anda a dizer quando vem a Portugal dizer Não, não, os governos é que querem fazer isso, não há imposições».

«Como se ele não soubesse o que a desorganização dele anda a fazer sobre nós, como se ele lavasse as mãos como Pôncio Pilatos de tudo aquilo que a Europa nos está a fazer hoje em dia», disse Ângelo Correia frisando que «a coisa pior que há em política é a indecência política e a falta de honestidade».

Ângelo Correia assumiu que estava «totalmente» a acusar Durão Barroso de falta de honestidade. «Isto é uma falta de respeito com o país. É estar a acusar-nos de que fomos nós que quisemos fazer isto e a Europa não tem nada a ver com isto; nós escolhemos este caminho e a Europa não nos disse nada para o fazermos», exemplifico.

A HOMOSSEXUALIDADE E OS MILITARES



Por um mero acaso veio ter às minhas mãos o livro Du similisexualisme dans les armées et de la prostitution homosexuelle (militaire et civile) à la Belle Époque, de Edward I. Prime-Stevenson.

Uma precisão:

O livro agora citado (233 páginas), publicado recentemente em francês, reúne apenas dois dos treze capítulos da obra de Prime-Stevenson, The Intersexes: a History of Similisexualism as a Problem in Social Life (um "tijolo" de 641 páginas, que ocupou o autor uma dezena de anos), publicada entre fins de 1909 ou começos de 1910, em Itália, com uma tiragem de apenas 125 exemplares.

A editora Arno Press, dos Estados Unidos, considerou a obra suficientemente importante para a reimprimir em 1975, mas o resultado traduziu-se, pela má qualidade do processo de reprodução ou do próprio original, num livro de lisibilidade execrável. Assim, a edição original, hoje raríssima, atinge preços astronómicos no mercado de livros antigos. Diga-se que The Intersexes nunca teve tradução em qualquer língua até à presente edição (abrégée) francesa, a primeira publicação em língua estrangeira, devida ao empenho de Jean-Claude Féray.

Duas palavras sobre Edward Irenaeus Prime-Stevenson (1858-1942). Escritor e jornalista americano, autor de diversas obras, viajou pelo mundo e viveu a segunda metade da sua vida em Itália (nomeadamente em Florença), tendo morrido em Lausanne, de um ataque de coração. Com o pseudónimo de Xavier Mayne, publicou em 1906, Imre: A Memorandum, um romance de temática homossexual, ainda disponível nos alfarrabistas e o referido The Intersexes, uma defesa da homossexualidade do ponto de vista científico, legal e histórico.

Importa recordar que, para lá das exaustivas pesquisas de Prime-Stevenson, o livro viu a luz do dia pouco tempo depois do imenso "escândalo" registado na Alemanha, envolvendo a entourage do imperador Guilherme II. Entre os muitos visados figuravam o general conde Kuno von Moltke, comandante militar de Berlim e ajudante de campo do Kaiser e o príncipe Philip von Eulenburg, também íntimo do imperador. Eram acusados de promover orgias homossexuais com oficiais e soldados dos vários regimentos da capital. O caso, que chegou a tribunal, teve na sua génese intrigas políticas (como habitualmente), estalou após a substituição do chanceler Otto von Bismarck e criou um sentimento de profunda insegurança e de mal-estar na Alemanha, país então relativamente liberal em matéria de costumes, apesar do incrível parágrafo 175 do Código Penal germânico, que vigorou de 1871 a 1994 (!!!), e que condenava as relações homossexuais.

À eclosão da Primeira Guerra Mundial, desencadeada na sequência do atentado em Sarajevo, em 1914, que vitimou o arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do Império Áustro-Húngaro, não foi alheio o clima depressivo então vivido na Alemanha e que levou não só à queda de Guilherme II e do Segundo Reich, em 1918, como ao desmoronamento do Império Austríaco e do Império Russo.

É da história que os grandes escândalos ou pseudo-escândalos sexuais arrastam sempre consigo os regimes que os permitem ou promovem. Diga-se, num parêntese, que a durabilidade do Estado Novo se deveu, também, ao facto de Salazar nada se importar com as práticas sexuais dos cidadãos portugueses. Desde que não se ultrapassassem os limites impostos pelo "decoro" da ordem pública (e para isso uma polícia zelava atentamente), o que decorria entre quatro paredes nada preocupava o Ditador, que teve sempre, nos seus governos, ministros com amantes do sexo oposto ou do mesmo sexo, como aliás sabem os sobreviventes da época.

O livro agora em apreço (um extracto do original, como dissemos) é uma obra extraordinariamente bem documentada, com a conveniente fundamentação científica (pelo menos para o tempo em que foi escrita), e com um carácter objectivo, demonstrando igualmente os profundos conhecimentos que o autor, por experiência própria ou convivência alheia, e por investigação histórica, possuía sobre a matéria.

Para os apreciadores de ópera, regista-se uma curiosidade trazida por Stevenson. A célebre ópera Un Ballo in Maschera, de Verdi, composta a partir da peça de teatro Le Bal masqué, de Daniel Auber, que tem por tema o assassinato do rei Gustavo III da Suécia por Ankerström, devido a pensar que a sua mulher era amante do rei, não teve como móbil o ciúme do marido, presumivelmente enganado, mas tratou-se de uma conspiração contra o monarca, homossexual e grande general, movida no círculo dos amigos (e inimigos) homossexuais do soberano. Na altura, por razões óbvias, o tema passou a ser, na peça e na ópera, uma intriga de carácter heterossexual.

Para os portugueses, um acontecimento pouco divulgado. Em 1902, o príncipe Francisco José de Bragança (1879-1919), filho de D. Miguel (II), no exílio em Viena, foi enviado a Londres, na comitiva imperial às cerimónias da coroação do rei Eduardo VII. A polícia inglesa surpreendeu-o num bordel frequentado por marujos, na companhia de dois rapazes, um de 15 e outro de 17 anos, que lhe haviam sido arranjados por um intermediário de 24 anos. Julgado pelo tribunal de Southwork, em Londres, o príncipe foi finalmente absolvido pelo júri de Old Bailey. Em resultado do escândalo, foi privado dos seus direitos cívicos e obrigado a demitir-se de tenente do regimento de Hussardos do imperador Francisco José.

Ainda relacionado com Portugal, entre os numerosos bailes e festas da Belle Époque europeia, realizados em Berlim, Viena, Paris, Londres, Roma ou Nápoles, e que reuniam homossexuais, travestidos ou não, anota o autor um célebre baile que teve lugar em Berlim, no hotel König von Portugal, em Outubro de 1889, e que foi largamente descrito no jornal "Morgen Post".

A afirmação de Stevenson  de que Elizabeth de Áustria (Sissi), mulher de Francisco José, era lésbica, é, de certo modo, uma revelação, pois tal não consta geralmente das várias biografias da imperatriz. Todos conhecem a profunda afeição de Sissi por seu primo o rei Ludwig II da Baviera, homossexual público e notório, que considerava a soberana como a única pessoa que o compreendia. E também é sabido o profundo interesse de Elizabeth pelos desportos mais masculinos, como, por exemplo, o hipismo ou o trapezismo. Stevenson menciona uma relação da imperatriz com duas cavaleiras do famoso circo alemão Renz, então instalado em Viena, concretamente Emilie Loiset e Elise Petzold. Este caso é mencionado no livro Sissi ou la fatalité, de Jean des Cars.

Aludindo à prostituição masculina nas principais cidades do mundo, junto dos grandes hoteis, em ruas específicas, parques, urinóis, bares, jardins, proximidade de quartéis, pensões de curta permanência, estações de caminho de ferro, cais marítimos ou fluviais, etc.,  Stevenson menciona, em especial,  São Petersburgo, Moscovo, Londres, Amesterdão, Bruxelas, Paris, Marselha,  Bordéus, Toulouse, Estocolmo, Hamburgo, Berlim, Breslau, Munique, Madrid, Viena, Lisboa, Budapeste, Belgrado, Sofia, Constantinopla, Florença, Roma, Nápoles, Palermo, Milão, Turim, Veneza, Genève e Zurique. Quanto a Lisboa, é sempre oportuno recordar uma passagem de Raul Brandão no Volume II das suas Memórias (Edição Jornal do Fôro, pág. 361): «Lisboa foi sempre, como Nápoles, uma cidade de pederastas...».

O uso de fardas, prioritariamente de militares (mas também, hoje em dia, de polícias, de seguranças e dos profissionais de muitas outras actividades), constituiu, ao longo dos tempos, uma sedução para os homossexuais, e até para os heterossexuais, para já não falar das mulheres. Este livro detém-se demoradamente sobre esse aspecto.

Os soldados constituíram sempre um dos mais substanciais contingentes de recrutamento dos homófilos (até o próprio Luiz Pacheco nos fala disso no seu livro O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor). Mas de todas as fardas, aquela que mais suscitou o interesse homossexual foi a dos marinheiros. Stevenson recorda-nos o facto na sua obra, pretendendo fornecer explicações quase de carácter científico (e cita, como bissexuais praticantes, os navegadores portugueses Vasco da Gama e Fernão de Magalhães), não só pela passagem longo tempo no mar, como por aquilo a que ele chama "uma condição inconscientemente adquirida"; mas todas as obras relacionadas com a matéria se referem, mais ou menos desenvolvidamente, não só ao poder de atracção sexual dos marinheiros sobre os civis, como às próprias relações entre marinheiros.

No entanto, talvez o opus magnum, pelo menos na literatura contemporânea, sobre relações homossexuais entre marinheiros ou entre estes e civis, seja o célebre romance Querelle de Brest, de Jean Genet, imortalizado no cinema, e para sempre na História, por Rainer Werner Fassbinder. Sem esquecer uma obra precursora, Bom-Crioulo (1895), do brasileiro Adolfo Caminha. Ou a novela Billy Budd (1891), de Herman Melville (publicada postumamente em 1924 e só com edição autorizada em 1962), sobre a qual Benjamin Britten compôs a ópera homónima em 1951, depois revista em 1964).

Regista o livro, no último capítulo, diversos casos de chantagem  a que foram submetidos vários homossexuais, nomeadamente para extorsão de dinheiro mas também por motivos políticos, e o suicídio de muitas figuras de relevo, designadamente na esfera castrense, por receio de que as suas inclinações fossem tornadas públicas.

São ainda abordados vários casos de lesbianismo, que a história menciona com muito menos destaque, dado que as relações entre mulheres sempre foram mais discretas ao olhar do público.

O livro de Prime-Stevenson (a edição integral) tem o mérito de analisar nos seus treze capítulos a vida sexual nos principais países da Europa, e não só, com uma objectividade e um conhecimento da matéria que deve ter espantado os leitores da época, dado que cem anos atrás apenas se esboçavam os primeiros estudos científicos sobre a sexualidade, que tiveram o primeiro grande investigador em Siegmund Freud. Devem-se aos alemães  Kraftt-Ebing (1840-1902) e Magnus Hirschfeld (1868-1935), aos ingleses Edward Carpenter (1844-1929) e  Havelock Ellis (1859-1939) e ao americano Alfred Kinsey (1894-1956), entre outros, os principais estudos pioneiros sobre um assunto que tem preocupado a humanidade desde os seus primórdios.

A título de curiosidade, diga-se que a palavra "homossexual" (e, por oposição, heterossexual) se deve ao austríaco Karl-Maria Kertbeny, (1824-1882), consagrada num capítulo que escreveu para a obra de Gustav Jäger (1832-1917), Die Entdeckung der Seele (A Descoberta da Alma).

sábado, 12 de janeiro de 2013

A REPÚBLICA DAS PUTAS



Transcrevemos, com a devida vénia, o texto publicado no PÚBLICO e no blogue "O Vento que Passa" por João Magueijo:

 A República das Putas 

Por João Magueijo *



O livro de Skvorecky e o tempo da invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas são o ponto de partida para João Magueijo lembrar o "sentimento de um país traído, entregue ou vendido a uma ideologia questionável" e o valor dominante do dinheiro hoje. "Antes falar de tourada", escreve o autor, no âmbito da série especial sobre os valores humanos. 

Público de 11.1.13  

A expressão não é original, mas o plágio é deliberado. Quando Josef Skvorecky escreveu o livro A República das Putas, havia na então Checoslováquia o sentimento de um país traído, entregue ou vendido a uma ideologia questionável, por uma classe dominante corrupta e por políticos que eram de facto putas, metafórica e literalmente. No caso de Portugal não houve tanques a entrar pelo país e a ideologia a que fomos vendidos será a outra, supostamente oposta. Mas de resto a história é tal e qual, especialmente no que diz respeito à qualidade e moralidade dos políticos. 

E o pior é que paga o justo pelo pecador, ou pelo menos há pecadores, a nível mundial, que não pagaram nada. Até isto se resolver não me parece que faça grande sentido ser optimista, ou filosofar sobre o estado das letras e das ciências. Antes falar de tourada. 

Ainda deve haver por aí quem se lembre da Dona Branca, a auto denominada banqueira do povo. Para quem não sabe, era uma senhora que mais não fazia que comprar e vender dinheiro, fazê-lo circular, o que lhe era levado de novo era usado para pagar juros chorudos aos que já lá estavam, e cada vez havia mais. Ela arrecadava uma comissão, a coisa foi crescendo até que um dia PUM, foi tudo pelos ares. Recordo-me de uma Dona Arminda, que lavava as escadas lá do prédio, que perdeu as poupanças todas nestas andanças, ainda me lembro da senhora a chorar muito, faz-me lembrar o Portugal de hoje. E a Dona Branca inevitavelmente foi dar com os costados na prisão, coitada da senhora, estava muito avançada para a época, se fosse hoje davam-lhe um bónus de milhões, e teria uma posição de topo na Wall Street. 

Não sejamos hipócritas, já todos recorremos aos bancos, e houve tempos em que o mundo das finanças fazia algum sentido. Precisava-se de algo agora, a ser pago com dinheiro que se iria ganhar mais tarde, os bancos tratavam da necessária máquina do tempo financeira. Em Itália vai-se a uma terriola qualquer, e lá há-de estar a Caixa Agrícola de Montemerdini, ou lá o que for: emprestava para se comprar os adubos, as sementes, as alfaias, e quando se fazia a colheita pagava-se, ficava tudo contente, belos tempos. 

Eram tempos em que o capitalismo tinha um lado quase bom, ou pelos menos paternalista. Claro que a pobreza era extrema, e deixa lá as coisas correrem mal e logo se via quem passava fome. Mas o capital nesses tempos era usado para produzir riqueza real, e o sistema financeiro apoiava o processo, conduzia a coisas que se viam, que resultavam em produtos tangíveis e reais. 

O capitalismo de hoje é bem mais tenebroso. Os jogos financeiros contemporâneos são tão abstractos e auto-referenciais que trocando a coisa por miúdos mais não são do que comprar e vender dinheiro, como fazia a Dona Branca. Por razões que nunca entendi, muitas das galinhas dos ovos de ouro, em Londres e Nova Iorque, são físicos teóricos e matemáticos falhados, ex-colegas meus em alguns casos. Temos tido acesas discussões, mas numa coisa concordamos: a teoria do caos e o Lema de Ito que se lixe, aquilo é simplesmente jogar na lotaria. Como é que trocar acções por computador ao microssegundo, como se tem vindo a propor, pode corresponder a alguma operação económica real? Aquilo é verdadeiramente a Dona Branca: uma pescadinha de rabo na boca financeira, "financiar o financiamento das finanças financiadas", num jogo bem enterrado no umbigo da Wall Street e da City de Londres, um totoloto mundial mas com um belo seguro contra perdas: quando se ganha, ganham eles; quando se perde ,pagamos todos, em cascata. E é aí que entram as tais putas, especificamente as nacionais. 

Ao longo dos anos vimos o país a endividar-se com coisas que eram precisas e coisas que não eram. Tínhamos um serviço nacional de saúde do terceiro mundo e uma taxa de mortalidade infantil a condizer, analfabetismo e subdesenvolvimento a níveis do Subsara... e as coisas mudaram dramaticamente nos últimos 20 anos. Saí de Portugal em 1989 e sempre que voltava via algo de novo que era genuinamente preciso: portos para pescadores, estradas ao nível europeu, uma enorme expansão do ensino, etc., etc. E claro que tudo isto custa dinheiro, mas podia argumentar-se que se a Europa não queria ter um país do terceiro mundo no seu seio que o pagasse. 

Mas onde a porca torce o rabo é que se via também uma orgia de infra-estruturas desnecessárias: túneis nas entranhas da Madeira que levavam a lado nenhum, estradas em duplicado nos cus de judas regionais, coisas tão ridículas que davam vontade de rir. Foram-se fazendo obras públicas completamente faraónicas, de novo-rico que não sabe o que há-de fazer ao dinheiro. Tornava-se óbvio que se construíam infra-estruturas, não para preparar o futuro, mas sim para alimentar o presente, numa cumplicidade corrupta entre Estado e empresas privadas, em que o último elo da cadeia era o mundo das finanças internacionais. E esses andavam entretidos com os seus jogos de totoloto, e quando a bolha rebentou lixou-se o proverbial mexilhão, tradução, nós. 

Como Skvorecky notava, as "putas" que tinham antes vendido o seu país aos nazis eram as mesmas que agora acolhiam os soviéticos (e mais tarde, muito depois de o livro ser publicado, acolheriam o capitalismo selvagem, sem que ele o soubesse). O mesmo se passa no nosso caso: não tenham dúvidas de que em tempos de fascismo os nossos primeiros-ministros teriam sido rapazes de sucesso. Mas de certa forma estamos a bater no ceguinho. Se eles (e nós, por extensão) fizeram figuras tristes e agora estamos a pagar por isso, houve quem fez pior e se está agora a rir. Os usurários mundiais nem sequer construíram túneis inúteis: construíram castelos de valores inexistentes, que continuam a crescer e a alimentar a sua ganância. Até isto se resolver falemos de tourada, porque não faz muito sentido discutir o estado da nossa sociedade, e o demais, em 2013. 

Aliás, parece-me que a nossa sociedade estaria muito bem, muito obrigado, se não fosse este "pequeno detalhe" político e financeiro. Por exemplo: a sociedade portuguesa é muito mais sã do que a inglesa. Na Inglaterra, quem abre a boca inevitavelmente vomita uma etiqueta de classe social autenticada. Os famosos sotaques britânicos fornecem informações precisas sobre a classe, uma pena não se ensinar isto nas aulas de inglês do secundário que cá se apanham. E este simples facto cria uma quase ausência de mobilidade e interacção entre as classes; pior, torna as pessoas em estereótipos da sua classe social. Por exemplo, a classe operária inglesa força-se a seguir um cliché de ignorância e estupidez, atitudes racistas e xenófobas, contra a cultura e a educação. A sua imagem de marca é falar com erros de gramática que em Portugal só um atrasado mental cometeria... assim as classes superiores os têm vindo a controlar. 

Nada disto se passa em Portugal (e já agora na Grécia, onde se encontram camponeses analfabetos a pagar a educação dos filhos em Cambridge). Ainda fui daqueles que tiveram de ir fazer a inspecção para a tropa, estava já então em Inglaterra, e o que mais me impressionou foi que entre os 500 "mancebos" de pirilau de fora que lá estavam, não se sabia de que classe era quem (tirando os casos extremos de dois grosseiríssimos labregos e de um pretendente à coroa). Ora na Inglaterra nada disto seria assim, e com graves consequências: ao contrário de Inglaterra, se há cultura e identidade neste país, elas residem precisamente na classe trabalhadora. E diria que é este o maior potencial de Portugal: temos uma sociedade muito mais saudável, em termos de identidade e de classe, apesar de todos os problemas com que nos deparamos. 

Sim, éramos um país de pobres que passou temporariamente a um país de novos-ricos. Mas agora somos um país de novos-pobres: miúdos cheios de talento desempregados há dois anos, pessoal de ponta a emigrar para o estrangeiro, médicos educados cá a colmatarem as faltas de sistema de saúde inglês... um desperdício óbvio de uma geração. Em vez de usarmos estas fontes de rendimento, deixámos os tanques financeiros entrar pelo país, para aumentar os impostos e baixar os salários, já de si entre os mais baixos da Europa. 

Não sei se haverá soluções milagrosas, mas uma quebra total com o que se tem vindo a fazer é evidentemente necessária. Lembro-me de uma senhora perguntar a um médico meu amigo se podia usar água benta para a sua enfermidade. O médico respondeu-lhe que sim, mas que a fervesse primeiro. Não me parece que doses sucessivas de banha da cobra sejam a solução dos nossos males. Muita da nossa dívida, e consequente austeridade, não é legítima, em perfeita analogia com as dívidas contraídas pelas prostitutas, e que as mantêm nas malhas dos seus donos. Se a nível mundial algo tem de ser feito para refrear os chulos financeiros, a nível nacional um corte com o passado seria um primeiro passo. Ou então que se dê o Prémio Nobel da Economia à Dona Branca. E viva a República das Putas. 

 * Físico teórico do Imperial College, em Londres