segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O MUNDO, UM LUGAR PERIGOSO



Nunca o nosso planeta foi um lugar tranquilo. Guerras e revoluções sucederam-se ao longo da história. Mas parece que vivemos hoje um período atípico na marcha do tempo. A cadeia insurreccional que atinge o mundo árabe, e que contagiará a breve trecho mais países da África e da Ásia, e com toda a probabilidade também da Europa e das Américas, tornou o Mundo um lugar definitivamente perigoso.

É por isso interessante recordar alguns textos de Carl Schmitt, publicados em francês sob o título La Guerre Civile Mondiale, que não é nome de nenhuma obra deste famoso jurista e filósofo alemão (1888-1985), um dos maiores pensadores políticos do século XX, afastado cedo das lides académicas devido aos seus compromissos com o regime nazi e porque recusou submeter-se  ao processo de desnazificação. Martin Heidegger, Gottfried Benn, Ernst Jünger, e muitos mais, ultrapassaram, uns melhor do que outros, as suas simpatias ou ligações ao nacional-socialismo. Mas nem por isso a influência intelectual de Schmitt no pós-guerra deixou de se sentir. Retirado da cátedra, continuou a ser incessantemente lido. Autor de numerosas obras, muitas das quais são constituídas por textos "avulsos", o seu grande livro é a Teoria da Constituição, publicado em 1928, sem esquecer Die Diktatur (1921)

A expressão "guerra civil mundial" (Weltbürgerkrieg) não aparece simultaneamente em 1961 em Hannah Arendt e em Carl Schmitt (em On revolution e na Theorie des Partisanen. Zwischenbemerkung zum Begriff des Politischen) como afirma Giorgio Agamben, mas ao que parece pela pena de Schmitt e de Ernst Jünger, cerca de vinte anos mais cedo, respectivamente em Die Wendung zum diskriminierenden Kriegsbegriff e em Der Friede. Tornou-se, no entanto, comum atribuir a Schmitt, Arendt e Ernst Nolte a introdução do conceito de guerra civil mundial.

É verdade que este conceito, para Schmitt, se reportava especialmente ao liberalismo/comunismo/fascismo, mas não é descabido utilizá-lo na situação actual, em que se trava um combate menos ideológico e mais pragmático, devido a um certo "desencanto" dos indivíduos no seu hic et nunc . Pensador avant la lettre do pós-guerra fria, e ao contrário do que mais tarde escreveria Huntington, considera Schmitt que o antagonismo Oeste/Leste (diríamos hoje Cristãos/Muçulmanos)  não é uma confrontação essencial, já que não é a história das ideologias ou das civilizações que fornece a chave das guerras actuais, mas uma "certa" história do direito, que explica porque é que as ideologias e as religiões tomaram subitamente tanta importância na política mundial. A mutação actual do direito internacional seria para Schmitt de uma profundidade comparável à provocada pelo nascimento da Europa moderna aquando do Tratado de Vestfália (1648).

Para Schmitt, Clausewitz foi o representante do "Jus publicum europaeum", e do que ele chama o conceito "clássico" de guerra: a guerra de gabinete, prosseguindo objectivos políticos limitados. Inversamente, faz de Lenine um dos iniciadores da guerra ideológica total (a guerra de classes). Considera Schmitt que após 1789 o direito cindiu-se em legalidade e legitimidade., o que deu origem ao positivismo puro. «Acrescentou-se a cisão da legitimidade em dois tipos: a dinástica e restauradora de um lado, do outro, a revolucionária, que acabou por vencer. Napoleão, enquanto aventureiro, conseguiu navegar entre as legitimidades contrárias; Lenine escreveu o grande manifesto consagrando a vitória da legitimidade revolucionária. Agora, há apenas uma legitimidade, a revolucionária. Esta legitimou Outubro de 1917 mas continua a legitimar todas as tentativas de fazer progredir globalmente o Estado social e a democracia: dito de outro modo, os partidos de esquerda como os de direita. Face a esta vitória maciça, todas as distinções empalidecem entre direita e esquerda (a direita deverá ir buscar à esquerda os seus temas para tomar o poder), assim como entre democracia e despotismo (todas as ditaduras se qualificarão de "democráticas"). A distinção entre direita e esquerda não é mais do que uma "triste mentira", uma categoria vulgar para batalhas eleitorais».

Não se pode, é por demais óbvio, condensar o pensamento de Schmitt em meia dúzia de linhas. Mas este breve apontamento talvez incite certos leitores à reflexão sobre alguns textos de Carl Schmitt, autor de uma obra que nunca tendo perdido actualidade ilumina particularmente os conflitos presentes e futuros.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A VEZ DO OMAN

Sultão Qabus

A contestação no mundo árabe atinge agora o Oman, onde ontem foram mortas duas pessoas durante manifestações contra a corrupção e o aumento do custo de vida. O tumulto geral que abala o norte de África e o Médio Oriente está longe de ter terminado e ameaça outras regiões do globo. Para já, verifica-se um aumento do custo do petróleo, que continuará a subir nas próximas semanas. Por outro lado, a vaga de migrantes que chegam ao Velho Continente, e ainda vamos no princípio, põe os cabelos em pé aos dirigentes europeus. Não será possível conter este êxodo, quer por questões humanitárias, quer por questões operacionais. Os norte-africanos vão mesmo entrar, o que até poderá ser um benefício para um continente envelhecido e demograficamente decadente. Não o compreendem Merkel e Sarkozy, mas também não admira; as suas preocupações  imediatas vão para os seus eleitores do momento, e são incapazes de ver o futuro a prazo. Desgraçada Europa. Haveria que gizar uma política de integração sem prejuízo do respeito de alguns valores das comunidades imigrantes. Harmonizar sem discriminar: não é fácil mas teria sido possível não fosse o obscurantismo, o calculismo e a idiotia dos dirigentes europeus. Talvez não seja ainda tarde, face a uma nova e "inesperada" vaga que poderá aceitar melhor certas regras fundamentais dos países europeus.

No caso do Oman, onde reina o sultão Qabus bin Saïd Al Saïd, homem de vasta cultura e refinados gostos,  que depôs o pai em 1970 e iniciou uma modernização do país, a contestação será diferente, tal como o será no caso do Qatar. O sultão remodelou o governo a semana passada e prossegue uma política de reformas.

Recordemos que o Oman nunca foi colonizado pelos ingleses e pertenceu a Portugal entre 1508 e 1648, restando ainda vestígios da ocupação portuguesa em Mascate, a capital.

* * *

Entretanto na Líbia prosseguem os violentos confrontos entre os contestatários do regime de Qaddafi e os derradeiros apoiantes do coronel-guia, que já provocaram mais de mil mortos e milhares de feridos. Também centenas de líbios e estrangeiros atravessam diariamente as fronteiras da Líbia com a Tunísia e com o Egipto e tentam sair por mar.


Na Tunísia, onde ontem se verificaram novamente graves incidentes, com três mortos e dezenas de feridos, o primeiro-ministro interino, Mohammed Ghannouchi, acaba de anunciar a sua demissão. Os confrontos de ontem teriam sido provocados por partidários do ex-presidente Ben Ali, mas é um facto que a Tunísia, tal como o Egipto, com o turismo paralisado e ainda por cima a receber as centenas de refugiados provenientes da Líbia, encontra-se numa situação muito delicada.

As próximas semanas serão decisivas para se avaliar da forma como os novos poderes conseguirão enfrentar a contestação popular. É que, verdade seja dita, os tunisinos não tinham liberdades políticas mas iam vivendo razoavelmente, apesar de um desemprego crescente. Agora, praticamente, está paralisada a actividade económica do país.

Esperam-se dias difíceis. No norte de África mas também na Europa.


Adenda: Segundo o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, chefiado por António Guterres, mais de 100.000 pessoas abandonaram a Líbia na última semana, na sua maioria trabalhadores migrantes.

TÃO AMIGOS QUE NÓS ÉRAMOS


Em 29 de Maio de 2007, em Tripoli.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

NANI


Para quebrar um pouco o assunto dos posts publicados nos últimos dias, sobre os acontecimentos que se sucedem vertiginosamente no Mundo Árabe, introduzo hoje uma nota, quiçá fracturante, na temática do blogue.


Falarei de um simpático jogador português de futebol, que foi perseguido com uma caneta laser por adeptos do clube de Marselha, num jogo recente com o Manchester United. Já há três anos, o clube de Lyon fora multado, devido á perseguição laser efectuada sobre Cristiano Ronaldo.


Nani, de seu nome Luís Carlos Almeida da Cunha, nasceu na Cidade da Praia (Cabo Verde) a 17 de Novembro de 1986. A família emigrou para Portugal quando Nani era ainda muito novo e o rapaz cresceu na Amadora, aos cuidados da tia Antónia. O pai voltou a Cabo Verde quando Nani tinha cinco anos e nunca regressou. Por sua vez, a mãe deixou Portugal quando o ele tinha 12 anos, para recomeçar a vida na Holanda. Nani tem oito irmãos do lado da mãe, de quem é o filho mais novo, e cinco do lado do pai.


O irmão mais velho ensinou-o a jogar futebol e quando tinha 14 anos levou-o a treinar no Real Sport Club, de Massamá. Aos 16 anos treinava alternadamente no Sporting e no Benfica, mas logo se transferiu para a categoria de base do Sporting. Na temporada 2005/2006 foi promovido à equipa principal do Sporting onde permaneceu até ao fim da temporada 2006/2007.


Os seus reais méritos, levaram o Manchester United a contratá-lo em 5 de Maio de 2007, tendo o clube inglês pago 25,5 milhões de euros ao Sporting. Especialista de capoeira, Nani costuma dar saltos mortais no relvado, para celebrar os golos, prática que lhe teria sido proibida por Sir Alex Ferguson, por precaução relativamente a qualquer acidente, mas que Nani viria a desmentir, dizendo que as conversas do treinador com ele foram sempre normais, como as que tem com os outros jogadores.



Espero que este post dê satisfação a muitos dos meus leitores, que têm pedido notícias sobre jogadores de futebol.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

NOTÍCIAS DE "AL JAZIRA"



A cadeia televisiva Al Jazira tem sido, nas últimas semanas, a principal fonte de informação para todo o mundo sobre os acontecimentos verificados nos países árabes. Aliás, desde há alguns anos, ela é a cadeia televisiva de maior audiência em todo o mundo árabe. Por isso, é interessante recuar um pouco no tempo e saber como nasceu Al-Jazira, palavra que, em árabe, significa “A Península”, a Península Arábica, no caso vertente.

Por um acaso do destino, em Julho de 1997, numa tarde de sábado, o satélite ArabSat, lançado em 1985 por 21 países árabes, e cujo principal sinal de emissão é emitido a partir de Riyadh, na Arábia Saudita, retransmitia um programa educativo, destinado a crianças, do Canal France International CFI), um banco de programas francês, filial do grupo France Télèvisions. Mas por um erro de manipulação das retransmissões satélites da Télédiffusion de France, de súbito verificou-se uma inversão com a cadeia paga Canal+, o que não teria consequências se o programa do Canal+ não fosse, nesse dia, Club privé au Portugal, um filme pornográfico.

Apesar das várias tentativas para interromper a emissão, não foi possível contactar de imediato os responsáveis, e só ao fim de meia hora os técnicos parisienses se deram conta do engano. Estima-se que o “porno” tenha sido visto, em vinte países árabes, por um público potencial de 33 milhões de pessoas.

A verdade é que este incidente foi motivo para afastar o CFI do satélite ArabSat: simples pretexto ou desejo de retirar os franceses, não há a certeza, embora fosse real a fúria dos sauditas. O que não impede que existam filmes pornográficos na Arábia Saudita, codificados e só visualizados por assinatura.

Assim libertado um canal, foi ele atribuído a uma jovem cadeia que desde há muito procurava aumentar a sua audiência nos países árabes através da difusão pelo ArabSat e tornar-se mainstream: a Al Jazira, que arranca verdadeiramente em Dezembro de 1998.

A sede de Al Jazira é em Doha, capital do Qatar: um bunker super-protegido, cujo acesso é precedido por vários controles policiais. Encontra-se já numa zona desértica, a vinte minutos do centro da cidade. O seu actual director (desde 2003) é o general palestiniano Wadah Khanfar, que pertenceu ao Hamas e cuja nomeação para o cargo foi uma decisão política do emir do Qatar. Aliás, a Al Jazira existe devido à exclusiva vontade do emir, o Sheikh Hamad Bin Khalifa Al-Thani, e foi lançada em 1 de Novembro de 1996. Durante muito tempo um dos países mais pobres do Médio Oriente, o Qatar, graças à descoberta de reservas de gás (as mais vastas do mundo, depois da Rússia e do Irão), tornou-se um dos mais ricos. Inicialmente pró-árabe, o emir evoluiu a partir de 2001, aceitando o diálogo com os islamistas. Dizem alguns que passou da órbita da Liga Árabe para a da Conferência Islâmica, afirmação contudo discutível. Na verdade, o Qatar tornou-se um país pivot na construção de um novo eixo com a Síria e o Irão, preferencialmente à ligação ao Egipto e à Arábia Saudita. A sua diplomacia é complexa e indecifrável, caracterizada por uma política de não-alinhamento em relação ao mundo árabe, feita de visibilidade internacional e independência regional. Pratica o país uma espécie de duche escocês: enquanto autoriza ao israelitas a abertura de um escritório “comercial” com estatuto diplomático, em Doha, protegem a poucos metros de distância uma residência de Khaled Meshal, o líder do Hamas.

A Al Jazira reflecte na sua linha editorial a subtil política do Qatar. Na opinião de um antigo director, a cadeia «é a política externa do Qatar, um produto de exportação, uma embaixada do Qatar». Um dos fundadores vai mais além: ela é «o ministério dos Negócios estrangeiros do Qatar». Está, ou estava, interdita na Tunísia, em Marrocos, na Argélia e no Iraque. Por vezes na Arábia Saudita e na Palestina. E até na Índia. O Egipto proibiu-a pouco antes da queda de Mubarak. Mas com uma antena parabólica o problema fica resolvido. Nos Estados Unidos, Bush detestava-a e, segundo uma nota confidencial relatando uma conversa do antigo presidente americano com Blair, aquele encarou mesmo a hipóteses de mandar bombardear a sede de Al Jazira em Doha.

O primeiro grande feito de Al Jazira foi a transmissão exclusiva do ataque aéreo americano ao Iraque, a Operação Desert Fox. Seguiram-se a segunda Intifada palestiniana de 2000, os vídeos de Osama Bin Laden, a guerra no Afeganistão em 2001, a guerra no Iraque em 2003 e a guerra em Gaza em 2008, emissões que a tornaram uma cadeia incontornável. A actual cobertura das revoluções no mundo árabe consagrou definitivamente o seu prestígio, equivalente, no ocidente, a uma CNN. Em Novembro de 2006 começou a emitir em inglês. A audiência estimada de Al Jazira é de 40 milhões de telespectadores em todo o mundo.

As principais cadeias árabes são a egípcia Nile News TV, próxima do ex-presidente Hosni Mubarak; Abu Dhabi TV, a partir do Golfo; Arab News Network, baseada em Londres, pertencendo ao sobrinho do presidente Bachar Al-Assad e próxima dos interesses sírios; Al-Aqsa TV, a cadeia palestiniana do Hamas; Al Manar, a cadeia libanesa do Hizbullah; Al Arabiya, a cadeia árabe de informação baseada em Dubaï Media City, sede do grupo MBC, e pertencendo a um grupo saudita.

Muito haveria a dizer sobre a informação de Al Jazira e a sua cobertura dos acontecimentos, ou até sobre a sua própria intervenção nos acontecimentos, pois a televisão exerce, como todos sabemos, um extraordinário poder sobre as massas. E a cadeia é muitas vezes acusada de conduzir “campanhas hostis”, de propagar notícias falsas ou de tentar destabilizar os regimes árabes vigentes. Vivemos, neste momento, um desses períodos. Mas já nos alongámos bastante sobre o tema. Outro dia, voltaremos ao assunto.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

NINGUÉM ESCREVE AO CORONEL


Não, não me refiro ao coronel do livro de Gabriel Garcia Marquez mas ao coronel Muamar Qaddafi, por estes dias a braços com uma contestação que se estendeu a todo o seu país. O coronel (já o era há 42 anos) perdeu o controle da maior parte do país e está entrincheirado em Trípoli, cidade capital mas também a zona onde se encontram os seus derradeiros apoiantes e os elementos da sua tribo.

Qaddafi apelou a mercenários da África sub-sahariana, sempre prestáveis para este género de serviços e outros (deve dizer-se que as profissões "humildes" na Líbia são desempenhadas por africanos negros (vi muitos em Trípoli, há alguns anos, a lavar carros nas ruas, a carregar o lixo, nos sanitários dos restaurantes, etc.), a fim de conter a rebelião contra o seu despótico regime. Diz o coronel que, se for preciso, morrerá como shahid (mártir). Mas entretanto, procurará dizimar o seu povo, com a ajuda dos filhos, que lhe comandam a guarda pretoriana, enquanto acusa a Al-Qaida de promover a contestação.

Suscitou Qaddafi alguma simpatia quando, em 1969, participou no golpe dos oficiais líbios que depôs o rei Idris al-Senussi e derrubou a monarquia. Um remake da revolução egípcia de Nasser. Rapidamente Qaddafi se apossou das rédeas do poder, apoiando-se no seu clã e nas tribos que lhe eram favoráveis. Criou um país sui generis, nem monarquia (que teoricamente não poderia ser) nem república, um governo de massas, baseado em assembleias do povo e comités revolucionários: a Jamahiriya. Entretanto, enlouqueceu.

Surge agora em Londres o príncipe herdeiro Muhammad al-Senussi, sobrinho-neto do último (e primeiro) rei da Líbia, pedindo à comunidade internacional que intervenha para pôr fim aos massacres. Estando, à partida, excluída uma intervenção internacional tipo-Iraque, encara-se uma operação de resgate dos muitos milhares de estrangeiros que se encontram no território. E receia-se o êxodo de mais de um milhão de líbios para a Europa, a juntar aos tunisinos e egípcios que já chegaram e aos outros que estão para vir. Razão tinha Umberto Eco quando  em 1997 afirmou que os norte-africanos haviam de passar ao Velho Continente. Já passavam a conta-gotas, há décadas; agora, chegarão aos milhares. Talvez esta vaga "inesperada" faça bem à Europa. Tudo depende de tudo. Vamos ver.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

INCIDENTES EM DJIBUTI



Milhares de pessoas manifestaram-se hoje em Djibuti, capital da pequena república homónima, e um dos estados da Liga Árabe, pedindo a resignação do presidente Ismaïl Omar Guelleh, que está no poder desde 1999.

Ao fim do dia, verificaram-se confrontos com a polícia, que utilizou gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes. O presidente Guelleh pretende continuar no poder depois do final do seu mandato em Abril , através de alterações constitucionais.

A vaga contestatária iniciada na Tunísia e que está a varrer o mundo árabe, ameaça alastrar à África sub-sahariana e à própria Ásia. Estamos perante um fenómeno de que apenas conhecemos os primeiros desenvolvimentos mas que poderá alterar dramaticamente o mundo em que estamos habituados a viver.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

UMA IMAGEM PARA A HISTÓRIA



SEM PALAVRAS.

PROTESTOS EM MARROCOS (II)



Afinal, os protestos de ontem em Marrocos não foram tão pacíficos como inicialmente previsto. Já depois de escrito o meu post, houve conhecimento que no fim do dia as manifestações assumiram um carácter violento com pelo menos cinco mortos e mais de cem feridos. Os confrontos tiveram lugar especialmente em Al-Hoceima, Larache e Marrakech, com pilhagem de lojas, incêndios e ataques a edifícios públicos e a residências.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

GUERRA CIVIL NA LÍBIA



A Líbia encontra-se em clima de verdadeira guerra civil, após Qaddafi ter mandado a aviação bombardear as populações civis. Os protestos que se iniciaram em Benghazi, cidade que já se encontra em poder dos revoltosos, alastraram a todo o país, incluindo Trípoli, a capital, onde se encontram ainda alguns apoiantes do coronel. A repressão dos manifestantes provocou já centenas de mortos e milhares de feridos no que o embaixador interino da Líbia nas Nações Unidas classificou de genocídio. Ibrahim Dabbashi disse mesmo que Qaddafi deveria ser presente ao Tribunal Internacional da Haia, por genocídio e crimes contra a humanidade.

O primeiro-ministro do Qatar, Hamad bin Jassim bin Jabr Al.-Thani, pediu a convocação urgente de uma reunião da Liga Árabe para terça-feira a fim de ser discutida a situação na Líbia. Entretanto, o ministro da Justiça do governo de Qaddafi e embaixadores líbios em várias capitais demitiram-se já dos seus postos. Também dois pilotos militares encarregados de disparar sobre os manifestantes desviaram os seus caças Mirage e aterraram em Malta.

O discurso de ontem à noite do filho de Qaddafi, Seif Al-Islam, nada contribuiu para apaziguar os ânimos, antes pelo contrário, estando anunciado para esta noite uma alocução ao pais do próprio líder, o que, a ser verdade, contraditaria as afirmações do ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, segundo o qual Qaddafi já se encontraria na Venezuela.

Apoiado pela sua família, pelo seu clã, pela sua tribo, os Qaddafa, e pelos comités revolucionários, mas odiado pela maior parte da população, é muito duvidoso que Qaddafi  consiga manter o poder, apesar do ensurdecedor silêncio de uma Europa castrada que mal ousa emitir uma condenação dos massacres. Detestado por todo o mundo árabe, resta ao coronel a fuga ou a morte ou, na mais optimista das hipóteses, continuar a governar uma pequena parcela da Líbia dividida.

QADDAFI AMALDIÇOADO


O intelectual egípcio sheikh Yusuf Al-Qaradawi, um dos mais reputados (e controversos) teólogos islâmicos, residente no Qatar, onde mantém na Al Jazira um dos programas de maior audiência no mundo árabe, e que é uma das figuras cimeiras do Islão sunita, emitiu esta tarde uma fatwa contra o líder líbio Muammar Qaddafi, que considerou um inimigo de Deus, e pediu aos soldados líbios, que para isso tivessem oportunidade, que o matassem.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PROTESTOS EM MARROCOS



Acompanhando a grande vaga de contestação que se verifica no mundo árabe, também em Marrocos se realizaram hoje várias manifestações de protesto contra a política governamental, na capital, Rabat, em Casablanca, a maior cidade do país, em Marrakech, Tanger, Agadir, etc., onde milhares de pessoas ocuparam as ruas.

Os manifestantes pedem a demissão do primeiro-ministro, um governo eleito pelo povo, a alteração da Constituição, a diminuição dos poderes do rei, o combate à corrupção, etc.

As manifestações revestiram um carácter pacífico, não se tendo registado incidentes, nem havido intervenção policial.

MASSACRE NA LÍBIA



Como escrevemos no post publicado na madrugada de ontem, quanto a um eventual banho de sangue na Líbia, provocado pela repressão governamental, confirmaram-se os piores receios. O balanço actual aponta já para mais de 200 mortos e milhares de feridos. Agarrado ao poder há 42 anos, Muammar Qaddafi, que mais parece um travesti do que um chefe de Estado, não hesita nos meios a utilizar para calar as reivindicações do povo. No leste do país, onde a contestação é mais forte, nomeadamente em Benghazi e Al-Beyda, parte do exército juntou-se aos manifestantes.

Devido a cortes intermitentes nas comunicações, com a finalidade de impedir o contacto entre a população, as notícias chegam fragmentadas. Existe uma insurreição generalizada na região da Cirenaica, e as forças da guarda pretoriana de Qaddafi instalaram atiradores nos telhados para disparar sobre a multidão.

O embaixador líbio na Liga Árabe demitiu-se em sinal de protesto contra a repressão de Qaddafi, que desde há longo tempo se encontra mentalmente doente e incapaz de dirigir os destinos do país. Aguarda-se, entretanto, uma comunicação do seu filho e presuntivo herdeiro Seif Al-Islam Qaddafi.

Muitos manifestantes tentam dirigir-se para a cidade de Al-Zawia, próximo de Trípoli,  com o fim de incendiar os edifícios que constituem o complexo de Qaddafi. Também um grupo de líderes religiosos e de intelectuais subscreveu um apelo em que se diz que "a morte de seres inocentes é proibida pelo Criador e pelo seu Profeta... Parem já o massacre".

As reacções da "comunidade internacional" têm sido tímidas ou inexistentes, mas parece muito difícil que o regime de Qaddafi consiga sobreviver a esta insurreição no país. Nem o famoso Livro Verde lhe poderá valer.

Neste site poderá seguir minuto a minuto a revolução na Líbia.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

BERARDO E A DITADURA


O comendador Joe Berardo admitiu hoje ao PÚBLICO ser necessário «mudar o sistema político», nem que seja «com um novo género de ditadura que todos temos de aprender». Segundo o conhecido empresário, Portugal vive «uma democracia podre», pelo que «alguém tem de vir com um novo sistema de democracia».  Recordou também que quando «Salazar tomou conta de Portugal não havia alimentação e havia bombas em Lisboa todos os dias nos anos 30».

Joe Berardo considera que o aumento do custo de vida e do desemprego é o mais grave problema a nível mundial,  e que vai resultar em revoluções como as da Tunísia e Egipto. Estas revoluções poderão propagar-se a todo o mundo, na opinião do comendador.

Concluiu, afirmando que «o maior roubo que está a acontecer na humanidade é feito pelos especuladores».

Palavras sábias, as deste polémico comendador, especialmente quando se refere aos especuladores, que deveriam ser pura e simplesmente extirpados da face da terra, qualquer que fosse o meio utilizado.

LÍBIA, BAHRAIN, IÉMEN, ETC. - A REVOLUÇÃO EM MARCHA



Os confrontos das últimas horas na Líbia provocaram já pelo menos dez mortos, dezenas de detenções e centenas de feridos. Os acontecimentos mais violentos registaram-se em Benghazi (a segunda cidade do país) e em Al-Beyda. Em Trípoli, foi organizada uma contra-manifestação de apoio ao coronel Qaddafi, tendo a polícia impedido os opositores do regime de se manifestar. Por todo o país, milhares de pessoas, em especial jovens, exigem a queda do regime, uma Constituição para o país e a saída de cena do coronel Muammar Qaddafi, que é o Guia da Grande Jamahiryia  há 42 anos. Apesar de ser o mais policial e repressivo de todos os estados do norte de África, o contágio dos vizinhos tunisino a oeste e egípcio a leste deixa pouca margem ao coronel para se manter no poder, a menos que enverede por um banho de sangue, hipótese não descartável, mas de efeitos tão desastrosos quanto efémeros.

Recorde-se que a Líbia assenta ainda numa base tribal, não sendo por outro lado de excluir uma secessão no país, que é constituído por três regiões distintas: a Tripolitânia, a Cirenaica e o Fezzan. Qaddafi tem seguido um percurso sinuoso nas suas relações internacionais, e depois de apoiar os grupos mais radicais voltou-se para Ocidente, especialmente após o bombardeamento dos Estado Unidos em 1986.



No Bahrain, a população, maioritariamente xiita, contrariando as ordens policiais, continuou a protestar, o que originou graves confrontos, com feridos e mortos. Os manifestantes já não só pedem a queda do governo, como o derrube da monarquia e a morte da família real. Entretanto, o monarca encarregou o príncipe real Sheikh Salman bin Hamad Al-Khalifa de estabelecer um diálogo nacional com todas as partes. Os Estados Unidos seguem a situação com muita atenção, já que o Bahrain é a base naval da Quinta Esquadra norte-americana, elemento essencial para o controle do Irão e da navegação no Golfo Pérsico.




No Iémen, os protestos continuam ininterruptamente pelo oitavo dia consecutivo, pedindo a queda do governo e a resignação do presidente Ali Abdullah Saleh, há 32 anos no poder. Dezenas de milhar de manifestantes, em Sanaa, em Aden, em Taiz exigem a satisfação das suas reivindicações, entrando por vezes em confronto com outras manifestações menores de apoiantes do regime.

Algumas figuras religiosas de prestígio pedem um governo de unidade nacional de transição, incluindo figuras da oposição, e eleições gerais dentro de seis meses, a fim de evitar-se que o país mergulhe no caos.

A revolução egípcia, influenciada pela tunisina e que alastrou já a outras países, está a ressuscitar no mundo árabe o sonho de um pan-arabismo, já não exactamente o do coronel Gamal Abdel Nasser, em luta contra o colonialismo, a dominação ocidental e o Estado de Israel, mas um pan-arabismo baseado na luta pela justiça social e a liberdade.

Os protestos intensificam-se por toda a parte: Jordânia, Kuwait, Djibuti, Palestina, etc. Em Marrocos anuncia-se uma grande manifestação para domingo. Afinal, parece que a procissão ainda vai no adro. Esperemos para ver.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O CINEMA NAZI

Leni Riefenstahl, em filmagens nos Jogos Olímpicos de 1936

Afinal, foram os alemães que realizaram pela primeira vez filmes em 3D. Enquanto efectuava pesquisas para um novo documentário intitulado How the Third Reich was Recorded, o realizador australiano Philippe Mora encontrou dois filmes de 30 minutos em 3D, executados para o III Reich em 1936, ou seja 16 anos antes do formato se tornar popular nos Estados Unidos. Segundo informações do jornal Guardian, o primeiro filme, com o título So Real You Can Touch It, apresenta imagens de uma barbecue de salsichas alemãs, enquanto o segundo, Six Girls Roll Into Wekend,  mostra artistas que terão sido estrelas durante os tempos de guerra.

Segundo Mora «a qualidade dos filmes é fantástica», já que «os Nazis estavam obcecados em registar tudo e todos os pormenores eram controlados - isto fazia  parte da forma como ganhavam o país e controlavam a população.». Mora acredita que a existência de filmes nazis em 35 mm prova que os alemães estavam adiantados décadas. Os filmes eram feitos em estudos independentes para o ministério da Propaganda de Joseph Goebbels.


O facto dos filmes agora descobertos estarem classificados como "Raum films" (filmes do espaço) , terá sido uma das razões porque até agora ninguém curou de saber de que se tratava, ignorando o facto de serem filmes em 3D. Acredita o realizador australiano, um perito na matéria, que apresentou em 1973 o filme Svastika, a partir de filmagens particulares efectuadas por Adolf Hitler e Eva Braun em Obersalzberg, que possam estar escondidos, algures na Alemanha, muito mais filmes estereoscópicos da época.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O "ÊXODO BÍBLICO" DOS CLANDESTINOS


Nas últimas semanas, chegaram à pequena ilha de Lampedusa (não posso deixar de recordar Il Gattopardo) mais de seis mil tunisinos, na maioria jovens, o que provocou a duplicação da população da ilha, que se encontra a meio caminho entre a costa tunisina (especialmente a partir da região de Mahdia) e a Sicília.

Desde há décadas que muitos tunisinos tentam a sua sorte, embarcando em pequenas bateiras (uma parte morre pelo caminho) em direcção a terras italianas. Mas a situação, após a revolução que levou à queda de Ben Ali, alterou profundamente os dados do problema. Até então, eram as próprias autoridades tunisinas que controlavam as suas costas, impedindo a emigração ilegal. Mas, com o colapso do regime, e nomeadamente das suas forças policiais, o caminho está aberto; e não é a marinha italiana que tem meios para patrulhar incessantemente as muitas milhas entre as duas costas.

O ministro italiano do Interior referiu-se a um "êxodo bíblico", prevendo que mais de 80.000 tunisinos consigam entrar ilegalmente em Itália nos próximos meses. O governo italiano decretou o estado de emergência humanitária e para tentar controlar a situação vai oferecer á Tunísia uma rede de radares, uma frota de embarcações rápidas e um cheque de 100 milhões de euros.

Estão também a chegar à Sicília barcos provenientes do Egipto com centenas de jovens, muitos de menor idade, que fogem das terras faraónicas após a queda do Raïs. O alastrar da contestação a todo o norte de África e Médio Oriente poderá significar que a Europa ficará braços com um problema de imigração ilegal único na sua história.

A União Europeia está a tomar providências (aliás inúteis) para evitar a entrada de clandestinos. A hipótese de uma distribuição dos emigrantes ilegais pelos países da União contou desde logo com a oposição do ministro do Interior alemão Thomas de Maiziere, tendo igualmente o governo de Sarkozy declarado que a França não aceitará nenhum emigrante tunisino que não possua um visto válido de entrada.

Recordo o que escrevi aqui há dias sobre a imigração ilegal, citando Umberto Eco. Eles entrarão quer a Europa queira quer não.

Importa acrescentar que estes novos migrantes, na sua quase totalidade jovens, trabalhavam (a maior parte) na  indústria turística, de forma legal ou ilegal. Passo a explicar. O derrube dos regimes tunisino e egípcio levou à queda abrupta da actividade turística dos respectivos países, já que os turistas em grupo ou os viajantes mais ou menos solitários cessaram as suas viagens para aqueles países. Que não retomarão tão cedo, pelo menos enquanto não estiver restabelecido um clima de tranquilidade e segurança. Ora o turismo constituía uma das principais fontes de emprego naqueles países. Os hotéis, os restaurantes, os bares, os transfers, os táxis, as piscinas, as praias, os bazares, os vendedores ambulantes, as lojas de pseudo-antiguidades, as lojas normais, as excursões, os passeios de barco, os desportos náuticos, e tudo o que se relaciona com estas actividades, empregavam muitos milhares, ou até milhões, de pessoas.

A esta actividade turística legal e sujeita a impostos (quando não se consegue proceder à evasão dos ditos), existe nestes países uma outra actividade turística (não tributada) e não legal, embora tolerada (e que é há séculos um dos apanágios do mundo árabe -  Gide, Foucault, Genet, Barthes, T. Williams, Gertrude Stein, Marguerite Yourcenar, poderiam esclarecer-nos, e esclareceram-nos, algo a esse respeito). É uma actividade discreta (nem sempre) que proporciona um amistoso convívio entre os autóctones e os estrangeiros, independentemente de idades ou sexos. Há toda uma literatura a este respeito. A prática desse convívio, para quem não tinha emprego certo, ou até para quem o tinha, sempre permitiu aos indígenas auferirem ao longo de décadas (e enquanto a idade lhes permitia) importâncias não despiciendas, em troca da satisfação que a sua actividade proporcionava aos visitantes. E para além dos encontros ocasionais de quem visita apenas uma vez um país, com os visitantes reincidentes estabeleceram-se ligações que perduraram no tempo, forjaram-se amizades de vidas, concluíram-se casamentos e uniões de facto, arranjaram-se passaportes e vistos, e por aqui me fico que a lista já vai longa.

Os políticos árabes, conhecedores deste fenómeno, que favorecia a economia e mantinha uma tradição nacional e civilizacional, sempre toleraram comportamentos, que muitas vezes contrariavam a ortodoxia religiosa. Os políticos europeus, a maior parte (não todos) indigentes mentais, nunca compreenderam esta realidade ou fizeram o possível por ignorá-la. Estas "trocas" ajudavam a manter o stau quo. Agora que o Maghreb e o Mashreq começam a desmoronar-se, há que encontrar soluções que permitam reequilibrar o sistema. Quem estará à altura de conceber tal desígnio, não um desígnio nacional ou europeu mas um desígnio intercontinental?

Não se sabe.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

HOJE, A LÍBIA




Milhares de pessoas manifestaram-se ontem e hoje contra o regime vigente na Líbia há mais de 40 anos, pedindo a imediata resignação do Guia da Revolução Muammar Qaddafi. Dos confrontos entre os manifestantes e as forças policiais resultaram dezenas de feridos e muitas detenções..

Os principais incidentes registaram-se em Benghazi, a segunda cidade do país e noutras cidades da região, tendo sido incendiadas esquadras da polícia.Muitos manifestantes gritaram "Não há outro Deus senão Deus (Allah) e Muammar é o inimigo de Allah".

A onda de contestação aos regimes autoritários do mundo árabe não conhece fronteiras. Não esperava a Europa ver-se confrontada a tão breve trecho com esta vaga revolucionária. Em breve, milhares, ou mesmo milhões, de árabes e africanos sub-saharianos rumarão em direcção à Europa. Face a este autêntico fluxo migratório que poderão fazer Barroso, ou Sarkozy, ou Merkel, ou Cameron,  ou mesmo a baronesa Catherine Ashton? Nada!

Adenda: Está marcada uma manifestação para amanhã em Trípoli, a capital do país.

UM CASE STUDY



Segundo noticia a imprensa internacional, a jornalista Laura Logan, da CBS, repórter do programa "60 Minutos", que se deslocara ao Cairo para relatar os acontecimentos que levaram à queda de Hosni Mubarak, foi sexualmente agredida, «de forma brutal e ininterrupta», na praça At-Tahrir, no dia em que o presidente renunciou ao poder. Ignoram-se todos os pormenores sobre a situação ocorrida, salvo que foi salva por um grupo de mulheres e 20 soldados egípcios.

Laura tinha-se afastado dos membros da sua equipa, embrenhando-se na multidão, mas a seguir ao "assalto" voltou a reencontrar os seus colegas. Tendo voltado ao hotel, regressou imediatamente aos Estados Unidos.

Não refere a comunicação social se outros jornalistas estrangeiros, de ambos os sexos, foram também acometidos pelo entusiasmo sexual dos manifestantes face á queda de Mubarak. Nem presumo que esse entusiasmo se deva ao derrube do regime, antes sim à natureza fogosa dos egípcios.

Estamos, pois, perante um case study. Habituados aos milhares de mulheres e homens que se dirigem anualmente ao Egipto em busca de aventuras sexuais, o sucedido, a confiar, nas notícias, pode ter resultado de um equívoco. E, para os jovens egípcios, "em tempo de guerra não se limpam armas". Ou antes, limpam-se.

AS ARMAS DE DESTRUIÇÃO MACIÇA



O informador iraquiano Rafid Ahmed Alwan Al-Janabi, com o nome de código "Curveball", a viver agora na Alemanha, afirmou ontem ao jornal Guardian que inventou todas as histórias acerca da existência de armas de destruição maciça no Iraque. Segundo este pseudo-espião, o seu objectivo era convencer os Estados Unidos a invadir o Iraque e a depor o regime de Saddam Hussein.

As suas informações sobre o programa de armas químicas, biológicas e nucleares, que totalmente forjou, foram fornecidas aos agentes do serviço secreto alemão BND, que posteriormente as transmitiu aos seus congéneres norte-americanos. Segundo Al-Janabi, um engenheiro que tinha acesso a informações sobre armas químicas em Bagdad, o seu propósito era o derrube de Saddam, com quem tinha um problema pessoal, e a instalação de um regime democrático no Iraque. Considera-se não arrependido das suas mentiras e que voltaria a fazer hoje o mesmo se necessário.

Oito anos depois da invasão do Iraque, esta é uma história que parece muito mal contada. Se fosse verdadeira interrogamo-nos como poderá um ser humano desejar a destruição do seu próprio país e a ocorrência de milhões de vítimas. E como foi possível uma nação como os Estados Unidos da América e também o Reino Unido e quejandos, embarcarem em semelhante embuste.

Teria acreditado semelhante energúmeno que ia haver uma democracia no Iraque?

Se este homem falou verdade, deverá ser imediatamente executado. Tal como os que promoveram a guerra.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

NO IÉMEN CONTINUAM OS PROTESTOS


Continuam a verificar-se, diariamente, protestos no Iémen, em Sanaa e noutras cidades, contra o regime vigente. Os manifestantes pedem a saída imediata do presidente Ali Abdullah Saleh, há mais de trinta anos no poder.


Entretanto, alguns grupos pró-regime, apareceram também nas ruas, como a foto ilustra, tendo os grupos antagónicos entrado em confronto. A polícia interveio, como habitualmente, e impediu os manifestantes anti-regime de marcharem para o palácio presidencial. Dos confrontos resultaram vários feridos.

O Rei do Bahrain

Também, ontem, no Bahrain, foi a enterrar um jovem morto numa manifestação em Manama, a capital, numa manifestação contra o regime do rei Hamad Ibn Isa Al Khalifa e o seu eterno primeiro-ministro, Sheikh Khalifa Ibn Salman Al Khalifa.



Verificou-se uma segunda morte durante o funeral do jovem assassinado, o que fez recrudescer os protestos, tendo o rei falado, entretanto à nação, numa tentativa de acalmar os ânimos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A VEZ DO IRÃO


Hoje foi a vez do Irão. Violentos confrontos entre os manifestantes e as forças da ordem provocaram dezenas de feridos e possivelmente alguns mortos, ainda sem confirmação, além de inúmeras detenções.


Milhares de oposicionistas ao actual regime marcharam no centro da capital e noutras cidades do país, especialmente em Isfahan. Foram queimados cartazes com as efígies do ayatollah Khomeini, o fundador da República Islâmica, e do actual guia supremo, o ayatollah Ali Khamenei. Os manifestantes pediram a saída imediata do presidente da República, Mahmud Ahmadinejad, a libertação dos presos políticos e o fim do regime teocrático. Os iranianos, especialmente os jovens, não se conformam com a manutenção da lei islâmica e com a rigorosa repressão em matéria de costumes, o que é absolutamente compreensível.


Mais do que a política externa do governo, é a situação interna que é fortemente contestada. Parece que, depois das manifestações reprimidas dos últimos anos, o país, tal como o Egipto uma antiquíssima nação, herdeira da velha Pérsia e de várias e sucessivas civilizações brilhantes, será palco, a breve trecho, de ocorrências inesperadas para a actual liderança religiosa. Aguarda-se o posicionamento de um dos homens fortes do regime e antigo presidente da República, o poderoso ayatollah Ali Akbar Hashemi Rafsanjani,  actual contestatário do regime, e também a atitude do mais discreto e moderado anterior presidente da República, Muhammad Khatami. E também a dos concorrentes de Ahmadinejad nas últimas presidenciais, Mir Hussein Mosavi e Mehdi Karroubi.

RUA CARLOS CASTRO ?


Leio, no Fado Alexandrino, que um grupo de cidadãos se propõe solicitar ao presidente da Câmara que seja dado o nome de Carlos Castro a uma rua de Lisboa.

É verdade que muitas ruas de Lisboa ostentam nomes de figuras hoje totalmente desconhecidas da população mas que, na sua época, se revestiam de algum significado, pelo menos o bastante para a autarquia baptizar com eles algumas artérias. Não é o caso em questão. Carlos Castro, independentemente das circunstâncias horríveis em que ocorreu a sua morte, não foi, em minha opinião, uma figura suficientemente relevante, em termos municipais ou nacionais, que justifique a consagração toponímica. Há que ter um sentido das proporções e, não pretendendo ignorar o sentimento dos amigos ou das pessoas que lhe eram próximas, considero que esta proposta é absolutamente injustificada.

Como também me parece perfeitamente deslocado o comentário à notícia, no post do Fado Alexandrino, mas isso é outra questão.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O MUSEU DO CAIRO


 Referimos aqui que Zahi Hawass afirmara terem sido roubadas ou vandalizadas algumas peças menores (?) do Museu Egípcio do Cairo, durante os primeiros dias de manifestações.

Não se compreende como este Museu, já centenário, que sucedeu ao primitivo museu situado um pouco a norte, na zona de Bulaq, e que costuma estar permanentemente guardada pela polícia das Antiguidades e Turismo, pôde ser assaltado. Parece que os ladrões entraram pelo telhado. Entretanto, não se sabe quando estará construído o novo museu, que ficará situado próximo das pirâmides de Gizeh, e terá as condições indispensáveis que se exigem a um museu moderno. O museu da praça At-Tahrir, que abriga preciosidades de inestimável valor, em muitas zonas mais parece um armazém onde se arrumam peças do que um local de exposição. As legendas que figuram dentro das vitrinas (as poucas que as possuem), em papel amarelecido (devem ter décadas) estão escritas á mão ou dactilografadas por uma velhíssima máquina de escrever. A maior parte só em árabe, algumas também em inglês ou francês.

Um polícia da guarda ao Museu

Todavia, segundo notícias de hoje, o secretário-geral do Supremo Conselho das Antiguidades Egípcias, afirmou que desapareceram peças muito valiosas, incluindo algumas do faraó Tut-Ankh-Amon. Não se percebe como é que um homem tão zeloso pelo património faraónico egípcio, nem o director do Museu, só agora deram pela falta dessas peças, duas semanas depois dos actos de pilhagem. Mesmo considerando que não se trata de nenhuma das peças existentes na "sala do tesouro" de Tut-Ankh-Amon (espero bem), a ala direita do 1º andar do Museu e a zona do fundo, frente á "sala do tesouro" albergam peças extraordinárias do recheio encontrado no túmulo: as estátuas de guarda ao sarcófago, os tronos real e sacerdotal, as camas , os carros de guerra, os vasos canópicos e muitas outras peças de menor dimensão e mais facilmente transportáveis.

Há algo de estranho neste caso. O Museu, até por causa dos atentados que já se registaram, está guardado dia e noite; perante uma insurreição popular, a vigilância deveria ter sido imediatamente redobrada; o recheio do Museu, sendo propriedade do Estado egípcio, constitui também parte do património artístico universal. A máscara de ouro e lápis-lazúli de Tut-Ankh-Amon é uma peça única na história da arte e as jóias que se encontravam sobre a múmia e no tríplice sarcófago são de uma beleza jamais igualada na história da civilização.

A LIBERDADE NÃO É "RENTÁVEL"


L’émancipation des peuples n’est pas prête de faire recette dans les salles de marchés … La liberté n’est pas « rentable »

La chronique de Jean-Claude Guillebaud Nouvel Obs 27-01/02-02/2011
Quantité d’analystes annonçaient depuis beau temps la crise à venir. Encore fallait-il se donner la peine de les entendre L’émancipation des peuples n’est pas prête de faire recette dans les salles de marchés …
Tout à l’effervescence joyeuse de la libération tunisienne, on n’a guère prêté attention à une information stupéfiante. Celle-ci :  quatre jours après la fuite de Ben Ali, l’agence de notation Moody’s dégradait la note de la dette souveraine de la Tunisie, la faisant passer de « BAA2 » à « BAA3 ». D’un même mouvement, les agences Fitch Standard & Poor’s, de même que l’agence japonaise Rating and Investment, plaçaient la Tunisie sous « surveillance négative ». Les marchés financiers saluaient ainsi l’irruption magnifique de la liberté à Tunis : en fronçant les sourcils.
Ce signal obscène a été peu commenté. Quelques sites tunisiens ont estimé que les agences « insultaient la révolution du jasmin ». Un analyste financier a jugé «  honteux » pareille coup de poignard. Notre ministre de l’Economie et des Finances, Christine Lagarde, a réagi assez mollement en trouvant « précipitée » cette punition arithmétique.  Pour le reste, peu de commentateurs européens ou d’intellectuels sont vraiment montés en ligne pour dire leur indignation. N’auraient-ils pas saisi la vraie portée du symbole ?
On aurait bien tort d’imaginer que cette décision émane de quelques crétins, rivés à leurs écrans d’ordinateur. Elle est en tout point logique, et d’autant plus terrifiante. Au  regard des salles de marché, le triomphe de la liberté est plus « incertain », en effet, que le verrouillage d’un pays par un dictateur, même criminel. Ils n’aiment pas cela … Rétrospectivement, ils jugeraient le satrape chilien Augusto  Pinochet bien plus « rassurant » que Salvador Allende, qu’il chassa du pouvoir en Septembre 1973, dans le sang. ( A l’époque les émules américains de Milton Friedmann * saluèrent d’ailleurs Pinochet ).
Aujourd’hui, les marchés exercent une tutelle d’une toute autre nature qu’il y a trente-huit ans. Ce n’est pas un jugement, c’est un constat. Les chiffres font mathématiquement la loi. De leur point de vue, les investisseurs ont donc raison. Ils ont besoin d’être renseignés sur les risques qu’ils prennent, et les agences de notation sont là pour leur fournir ce service.  Tout est cohérent, bien huilé, imparable dans cette logique, sauf qu’elle est proprement démente.
Elle illustre, jusqu’au dégoût, la mutation que Georges Balandier ** fut l’un des premiers à dénoncer. Les défenseurs de la démocratie que nous sommes, disait-il, n’auront plus seulement à se battre contre des « idéologies » mais contre des « systèmes ». La prévalence des systèmes sur le volontarisme politique est la grande affaire de ce début de siècle. Or, les dits « systèmes » sont sans visage, sans âme, sans discours ni troubles de conscience. Glacés et « efficients » ils sont des « processus sans sujet » (Heidegger) qui avancent comme des blindés sans conducteur. Nous leur avons pourtant délégué une part notable de la décision. Nos gouvernants en sont réduits à faire des annonces à la télévision ou à chuchoter leur courroux dans des conclaves internationaux ou des G20 cafouilleux. C’est ainsi que fonctionne une mondialisation que les élus – de gauche comme de droite – promettent toujours de « civiliser ». Mais quand ?
La nouvelle hégémonie des « systèmes » fait songer au roman de Mary Shelley. La « créature » ou le « monstre » que le docteur Victor Frankenstein a eu l’imprudence de créer finit par échapper à son créateur et assassine le frère du savant et la fiancée de celui-ci. D’un certain point de vue, nos démocraties sont guettées par un péril identique. Aux yeux de cette fameuse « gouvernance par les nombres », visage post-moderne de la bêtise, la liberté est beaucoup trop imprévisible pour être rentable, sauf quand il s’agit de faire circuler librement marchandises et capitaux. Nous sommes ainsi menacés par les « systèmes » que nous avons-nous-mêmes créés. Et leur mécanique est à l’opposé de la simple logique démocratique. Là est bien la folie du moment.
A leurs corps défendant, nos amis tunisiens rudoyés par les agences de notation nous aident à mieux identifier cette folie. Reste à s’en libérer …
Jean-Claude Guillebaud est journaliste /écrivain /essayiste,ancien président de Reporters sans frontières
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sábado, 12 de fevereiro de 2011

AGORA, A ARGÉLIA


Regressaram esta manhã os protestos contra o regime, em Argel, Oran e noutras cidades do pais. Os manifestantes, cerca de 2.000, pretenderam desfilar da praça da Concórdia (antiga praça Primeiro de Maio) para a praça dos Mártires, tendo sido impedidos pelo forte contingente policial de 30.000 agentes, distribuídos pelos locais estratégicos da cidade.

Praça dos Mártires

A polícia actuou com moderação, estando colocados pela cidade carros dos bombeiros e serviços de socorros para a eventualidade de confrontações violentas, tendo em atenção os precedentes da Tunísia e do Egipto. Os manifestantes pedem a saída do presidente Bouteflika e a democratização do regime. Este protesto foi convocado pela Coordination Nationale pour le Changement et la Démocratie (CNCD), constituída por partidos da oposição.Também presente entre os manifestantes, um dos chefes do Front Islamique du Salut (FIS), Ali Belhadj.



Alguns contra-manifestantes, ligados ao Front de Libération Nationale (FLN) e ao Rassemblement Nationale Démocratique (RND), partidos da aliança no poder, exprimiram também o seu apoio ao regime, mas não se registaram até ao momento confrontos entre as duas partes, talvez devido á exiguidade dos primeiros.

Como vem sendo hábito, aguarda-se a evolução da situação, ainda que a Argélia seja diferente da Tunísia e do Egipto. Aliás, os países árabes, ao contrário de uma opinião falsamente estabelecida, são significativamente diferentes uns dos outros.