quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

NINGUÉM ESCREVE AO CORONEL


Não, não me refiro ao coronel do livro de Gabriel Garcia Marquez mas ao coronel Muamar Qaddafi, por estes dias a braços com uma contestação que se estendeu a todo o seu país. O coronel (já o era há 42 anos) perdeu o controle da maior parte do país e está entrincheirado em Trípoli, cidade capital mas também a zona onde se encontram os seus derradeiros apoiantes e os elementos da sua tribo.

Qaddafi apelou a mercenários da África sub-sahariana, sempre prestáveis para este género de serviços e outros (deve dizer-se que as profissões "humildes" na Líbia são desempenhadas por africanos negros (vi muitos em Trípoli, há alguns anos, a lavar carros nas ruas, a carregar o lixo, nos sanitários dos restaurantes, etc.), a fim de conter a rebelião contra o seu despótico regime. Diz o coronel que, se for preciso, morrerá como shahid (mártir). Mas entretanto, procurará dizimar o seu povo, com a ajuda dos filhos, que lhe comandam a guarda pretoriana, enquanto acusa a Al-Qaida de promover a contestação.

Suscitou Qaddafi alguma simpatia quando, em 1969, participou no golpe dos oficiais líbios que depôs o rei Idris al-Senussi e derrubou a monarquia. Um remake da revolução egípcia de Nasser. Rapidamente Qaddafi se apossou das rédeas do poder, apoiando-se no seu clã e nas tribos que lhe eram favoráveis. Criou um país sui generis, nem monarquia (que teoricamente não poderia ser) nem república, um governo de massas, baseado em assembleias do povo e comités revolucionários: a Jamahiriya. Entretanto, enlouqueceu.

Surge agora em Londres o príncipe herdeiro Muhammad al-Senussi, sobrinho-neto do último (e primeiro) rei da Líbia, pedindo à comunidade internacional que intervenha para pôr fim aos massacres. Estando, à partida, excluída uma intervenção internacional tipo-Iraque, encara-se uma operação de resgate dos muitos milhares de estrangeiros que se encontram no território. E receia-se o êxodo de mais de um milhão de líbios para a Europa, a juntar aos tunisinos e egípcios que já chegaram e aos outros que estão para vir. Razão tinha Umberto Eco quando  em 1997 afirmou que os norte-africanos haviam de passar ao Velho Continente. Já passavam a conta-gotas, há décadas; agora, chegarão aos milhares. Talvez esta vaga "inesperada" faça bem à Europa. Tudo depende de tudo. Vamos ver.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bem aproveitado o título do romance de Marquez. Mas Khadafi já nem atende o telefone. E os seus embaixadores estão todos a demitir-se. Só agora é que descobriram que o coronel era fascista.