segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O MUNDO, UM LUGAR PERIGOSO



Nunca o nosso planeta foi um lugar tranquilo. Guerras e revoluções sucederam-se ao longo da história. Mas parece que vivemos hoje um período atípico na marcha do tempo. A cadeia insurreccional que atinge o mundo árabe, e que contagiará a breve trecho mais países da África e da Ásia, e com toda a probabilidade também da Europa e das Américas, tornou o Mundo um lugar definitivamente perigoso.

É por isso interessante recordar alguns textos de Carl Schmitt, publicados em francês sob o título La Guerre Civile Mondiale, que não é nome de nenhuma obra deste famoso jurista e filósofo alemão (1888-1985), um dos maiores pensadores políticos do século XX, afastado cedo das lides académicas devido aos seus compromissos com o regime nazi e porque recusou submeter-se  ao processo de desnazificação. Martin Heidegger, Gottfried Benn, Ernst Jünger, e muitos mais, ultrapassaram, uns melhor do que outros, as suas simpatias ou ligações ao nacional-socialismo. Mas nem por isso a influência intelectual de Schmitt no pós-guerra deixou de se sentir. Retirado da cátedra, continuou a ser incessantemente lido. Autor de numerosas obras, muitas das quais são constituídas por textos "avulsos", o seu grande livro é a Teoria da Constituição, publicado em 1928, sem esquecer Die Diktatur (1921)

A expressão "guerra civil mundial" (Weltbürgerkrieg) não aparece simultaneamente em 1961 em Hannah Arendt e em Carl Schmitt (em On revolution e na Theorie des Partisanen. Zwischenbemerkung zum Begriff des Politischen) como afirma Giorgio Agamben, mas ao que parece pela pena de Schmitt e de Ernst Jünger, cerca de vinte anos mais cedo, respectivamente em Die Wendung zum diskriminierenden Kriegsbegriff e em Der Friede. Tornou-se, no entanto, comum atribuir a Schmitt, Arendt e Ernst Nolte a introdução do conceito de guerra civil mundial.

É verdade que este conceito, para Schmitt, se reportava especialmente ao liberalismo/comunismo/fascismo, mas não é descabido utilizá-lo na situação actual, em que se trava um combate menos ideológico e mais pragmático, devido a um certo "desencanto" dos indivíduos no seu hic et nunc . Pensador avant la lettre do pós-guerra fria, e ao contrário do que mais tarde escreveria Huntington, considera Schmitt que o antagonismo Oeste/Leste (diríamos hoje Cristãos/Muçulmanos)  não é uma confrontação essencial, já que não é a história das ideologias ou das civilizações que fornece a chave das guerras actuais, mas uma "certa" história do direito, que explica porque é que as ideologias e as religiões tomaram subitamente tanta importância na política mundial. A mutação actual do direito internacional seria para Schmitt de uma profundidade comparável à provocada pelo nascimento da Europa moderna aquando do Tratado de Vestfália (1648).

Para Schmitt, Clausewitz foi o representante do "Jus publicum europaeum", e do que ele chama o conceito "clássico" de guerra: a guerra de gabinete, prosseguindo objectivos políticos limitados. Inversamente, faz de Lenine um dos iniciadores da guerra ideológica total (a guerra de classes). Considera Schmitt que após 1789 o direito cindiu-se em legalidade e legitimidade., o que deu origem ao positivismo puro. «Acrescentou-se a cisão da legitimidade em dois tipos: a dinástica e restauradora de um lado, do outro, a revolucionária, que acabou por vencer. Napoleão, enquanto aventureiro, conseguiu navegar entre as legitimidades contrárias; Lenine escreveu o grande manifesto consagrando a vitória da legitimidade revolucionária. Agora, há apenas uma legitimidade, a revolucionária. Esta legitimou Outubro de 1917 mas continua a legitimar todas as tentativas de fazer progredir globalmente o Estado social e a democracia: dito de outro modo, os partidos de esquerda como os de direita. Face a esta vitória maciça, todas as distinções empalidecem entre direita e esquerda (a direita deverá ir buscar à esquerda os seus temas para tomar o poder), assim como entre democracia e despotismo (todas as ditaduras se qualificarão de "democráticas"). A distinção entre direita e esquerda não é mais do que uma "triste mentira", uma categoria vulgar para batalhas eleitorais».

Não se pode, é por demais óbvio, condensar o pensamento de Schmitt em meia dúzia de linhas. Mas este breve apontamento talvez incite certos leitores à reflexão sobre alguns textos de Carl Schmitt, autor de uma obra que nunca tendo perdido actualidade ilumina particularmente os conflitos presentes e futuros.

1 comentário:

ZÉ DOS ANZÓIS disse...

Isto é mais que um post, é um quase ensaio. Mas se ficamos a saber umas coisas ficamos a saber que deveríamos saber muitas mais. Que pena.