sábado, 16 de outubro de 2010

SIMPLEX


Anuncia o governo que vai ser criada mais uma comissão ou qualquer coisa do género (não sei bem o nome nem já me interessa) para traduzir para uma linguagem clara (plain language) o articulado obscuro da legislação nacional. Considera-se agora, finalmente, que a maioria dos diplomas publicados estão escritos numa linguagem inacessível à maior parte dos cidadãos, numa espécie de juridiquês, segundo ouvi alguém dizer hoje na rádio.

Tremo ao pensar nas simplificações que vão ser introduzidas na língua portuguesa, depois do famigerado acordo ortográfico luso-brasileiro de infausta memória. Vamos continuar a caminhar, agora mais resolutamente, e oficialmente, para o empobrecimento da língua nacional, já hoje suficientemente abastardada

Esquecem-se os proponentes deste simplex linguístico, ou querem-nos fazer esquecer, que o mal não está na utilização correcta da língua (ainda que por vezes possa existir algum rebuscamento na legislação). O mal reside no facto de os diplomas publicados serem suficientemente herméticos para os tornar incompreensíveis para a generalidade da população. Tem isto uma "simplex" razão de ser: obriga a frequentes consultas a advogados, ao recurso sistemático aos tribunais, etc. Mas se ainda fosse só isso! O pior é que a legislação publicada, especialmente aquela que respeita à possibilidade de realização de chorudos negócios, é ambígua e opaca e mais não digo, com o único intuito de permitir o exercício legal de actividades e a celebração de contratos da mais duvidosa seriedade. Não me esqueço de que, há anos, foi discutido com grande veemência um caso em que a introdução de uma simples vírgula num diploma da Assembleia da República alterou por completo o sentido do mesmo. E terá permitido um negócio, ao que se dizia então, de muitos milhões de contos.

Deixemo-nos pois de brincadeiras, e haja um módico de vergonha.

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