Os confrontos de ontem, no centro de Belgrado, por causa de uma manifestação do orgulho gay, provam até que ponto é necessário avaliar do estado de espírito de uma sociedade, antes de realizar iniciativas que, em determinados contextos, surgem como nitidamente provocatórias.
Sempre houve em Belgrado, e em toda a Sérvia, uma percentagem de homens mantendo, normalmente ou episodicamente, relações homossexuais semelhante à que se verifica em toda a Europa. É das leis da natureza. Aliás, o livro Serbian Diaries, de Boris L. Davidovich, professor da Universidade de Belgrado, publicado em 1996, é um relato das experiências homossexuais daquele intelectual sérvio entre 1987 e 1993.
Existem, contudo, na Sérvia, particularidades especiais, comuns aos restantes países balcânicos, mas que aqui assumem uma importância acrescida. Durante décadas, esteve o leste europeu submetido a regimes comunistas, que consideravam a homossexualidade um produto do imperialismo ocidental destinado a infiltrar-se no sistema socialista. Com a queda dos regimes das democracias populares, reemergiu a toda poderosa Igreja Ortodoxa, silenciada durante meio século, e que, na matéria, é ainda mais intolerante do que o ideário comunista. Dos países que acederam recentemente às democracias representativas, a questão homossexual colocou-se com mais acuidade, por ordem de grandeza, na Bulgária, na Polónia (o peso da Igreja Católica), na Roménia e, finalmente, na Sérvia, não tanto pelas razões comuns aos outros países citados, mas pelo facto dos acontecimentos políticos dos últimos anos, que levaram ao bombardeamento do país pelas forças da NATO, por imposição da então secretária de Estado norte-americana, a grande prostituta política internacional, a judia-checa-americana Madeleine Albright, em 1999, na conferência de Rambouillet, contra a vontade (ainda que só esboçada) da maioria dos países dessa organização militar.
Rua Kneza Milosa |
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Na generalidade, não é propriamente contra os gays que está uma pseudo-maioria de sérvios, salvo os casos dos habituais hooligans e dos fundamentalistas religiosos, que voltaram a brandir (como em Portugal, a propósito da aprovação do casamento same-sex) os ícones de Cristo, mas com a imagem que a Sérvia, com o seu secular orgulho, possa projectar no Ocidente.
Passagem Sremska |
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Duas coisas são, porém, indispensáveis: permitir que as manifestações legalmente autorizadas se efectuem pacificamente, impedindo que os que nelas participam sejam alvo de agressões e punir severamente os infractores. Há na Europa toda uma extrema-direita que se aproveita destas oportunidades para as instrumentalizar de acordo com as suas conveniências. Sabe-se lá a mando de quem.
Deve, pois, o governo sérvio prevenir os incidentes e castigar os delinquentes, por muito patrióticos ou religiosos que sejam os pretextos invocados. Há um tempo para tudo.
1 comentário:
Li em tempos o livro de Davidovich. é um must.
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