Foi publicada no mês passado a tradução portuguesa da última obra de Tony Judt Ill Fares the Land: A Treatise On Our Present Discontents. O livro, que saiu com o título Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos (o subtítulo da edição original) não teve, curiosamente, grande repercussão entre nós. Talvez porque as teses que sustenta constituem uma lúcida crítica ao actual modelo de pensamento dominante, que o autor não se inibe de censurar com os mais pertinentes argumentos.
Sustenta Judt, com a autoridade que o seu currículo lhe confere, que ninguém pode afirmar que a globalização veio para ficar; e advoga igualmente que a política de privatizações por todo o mundo ocidental, com o pretexto de economizar recursos e melhorar serviços, é absolutamente falsa. Não cabe aqui uma análise das reflexões profundas de Tony Judt. Neste post, tecem-se alguns comentários à obra, que é, realmente, um requisitório implacável, ainda que sereno, do neo-liberalismo desenfreado que assola as sociedades contemporâneas.
Transcrevo uma passagem do livro:
«Os homens e mulheres que hoje dominam a política ocidental são na sua grande maioria produtos - ou, no caso de Nicolas Sarkozy, subprodutos - dos anos 60. Bill e Hillary Clinton, Tony Blair e Gordon Brown são todos 'baby boomers'. São-mo também Anders Fogh Rasmussen, o primeiro-ministro 'liberal' da Dinamarca; Ségolène Royal e Martine Aubry, as conflituosas candidatas à liderança do anémico Partido Socialista francês, e Herman Van Rompuy, o novo presidente, meritório mas desinteressante, da União Europeia.
Este grupo de políticos tem em comum o entusiasmo que não consegue inspirar nos eleitores dos seus países respectivos. Não parecem acreditar com grande firmeza em qualquer conjunto coerente de princípios ou políticas: e embora nenhum deles - com a possível excepção de Blair - seja tão execrado como o ex-presidente George W. Bush (outro baby boomer), fazem um contraste flagrante com os estadistas da geração da Segunda Guerra Mundial. Não transmitem nem convicção nem autoridade.
Beneficiários dos Estados-providência que põem em causa, eles são todos filhos de Thatcher: políticos que superintenderam ao recuo nas ambições dos seus antecessores. De poucos - mais uma vez com a excepção de Bush e Blair - se pode dizer activamente que tenham traído a confiança democrática neles depositada. Mas se há uma geração de homens e mulheres públicos com uma responsabilidade comum pela nossa suspeita colectiva da política e dos políticos, eles são os seus verdadeiros representantes. Convencidos de que pouco podem fazer, pouco fazem. Deles o melhor que pode ser dito, como tantas vezes sucede com a geração baby boom, é que não defendem nada em particular: políticos light.» (página 133)
(Suspeito que onde escreveu 'filhos de Thatcher' Judt gostaria de ter escrito 'filhos da puta', mas a expressão não se adequava ao seu estilo).
E outra:
«No mundo anglófono, o amoralismo egoísta de Thatcher e Reagan - "Enrichissez-vous!", nas palavras do estadista francês Guizou, no século XIX - abriram o caminho ás frases ocas dos políticos do baby boom. Com Clinton e Blair, o mundo atlântico estagnou, presunçoso.» (página 218)
Referi-me a Judt, um dos mais brilhantes especialistas da história do século XX, aqui e aqui. Há neste seu último livro uma outra ideia central que, não tendo nada de original, até causa espanto e quiçá indignação, tanto ela vai contra a corrente da ideologia dominante: a de que não pode haver indefinidamente um aumento da produtividade e do consumo, já que os recursos são finitos. Isto parece evidente mas à força de ouvirmos a classe política que nos sufoca clamar pelo contrário até nos admiramos de que alguém, com a craveira de Tony Judt, possa afirmar o contrário.
Por tudo o que refiro, e também por tudo o que não escrevi, este é UM LIVRO DE LEITURA OBRIGATÓRIA.
2 comentários:
Já li o livro que é a todos os títulos notável. Quase não tive discordâncias quanto às teses sustentadas-.
Aí está Tony Judt com o seu verdadeiro testamento contra os defensores acérrimos das privatizações, enaltecendo a indispensabilidade do estado.
Enviar um comentário