Comemora-se hoje o centésimo aniversário do nascimento de Jean Genet. Poeta, dramaturgo, ficcionista, Genet nasceu em 19 de Dezembro de 1910, no hospital da Assistência Pública de Paris.
Não é este, nem o momento nem o local para traçar uma biografia de Genet, por demais escalpelizada nos livros que lhe são dedicados. Vagabundo, ladrão, prostituto, homossexual, desertor, a sua vida constitui talvez o itinerário mais extraordinário de qualquer homem de letras do século XX. As suas obras falam por si, pelo que dizem e pelo que ocultam. Sartre, fascinado pelo homem e pela obra, escreveu a imensa (692 páginas) introdução (Saint Genet, Comédien et Martyr) às suas Obras Completas publicadas pela Gallimard.
Se a obra de Genet é vasta, a obra sobre Genet é imensa. Muitos dos mais recentes estudos iluminam de forma particular o percurso sinuoso do escritor, cuja vida ajudou a construir não só a obra, mas a lenda mil vezes confirmada e infirmada das suas convicções. Amigo, e amante, dos árabes, especialmente dos palestinianos (Quatre heures à Chatila), apoiante dos Black Panthers, defensor da independência argelina, mas também fascinado por fardas, fossem de simples polícias ou soldados, ou mesmo dos SS nazis, por muitos considerado anti-semita e atraído pelo fascismo, Genet convoca todas as simpatias e todos os ódios. Condenado a degredo perpétuo, é indultado pelo presidente da República Francesa, a pedido dos mais ilustres intelectuais e artistas do tempo, como Sartre, Picasso ou Cocteau.
Alguns livros pretendem "desmascará-lo", a ele que sempre se afirmou um portador de máscaras. É o caso de Les vérités inavouables de Jean Genet, de Ivan Jablonka ou Jean Genet, post-scriptum, de Éric Marty.
No ano do centenário, merece destaque a publicação de Jean Genet, menteur sublime, de Tahar Ben Jelloun e de Jean Genet à 20 ans, de Louis-Paul Astraud, entre outras obras editadas.
A primeira peça de Genet representada em Portugal, em récita privada, foi Haute surveillance, com o título Sob vigilância, no Estrela Hall, pequeno teatro da embaixada britânica em Lisboa. Em 1972, o Teatro Experimental de Cascais pôde apresentar, por ser fora de Lisboa, Les Bonnes (As Criadas), numa encenação de Vítor Garcia, com Eunice Muñoz, Glicínia Quartin e Lurdes Norberto.
Em 1983, teve lugar a primeira representação pública de Haute surveillance, agora com o título de Vigilância Especial, no Teatro Primeiro Acto, de Algés, com produção de Júlio de Magalhães e encenação de Norberto Barroca.
O Teatro Experimental de Cascais apresentou depois Le Balcon (O Balcão) - 1987, Haute surveillance, agora com a designação Alta Vigilância, e Les Paravents (Os Biombos) - 1993 e Les Nègres (Os Negros) - 1999, todas com encenação de Carlos Avilez.
Morreu Genet num pequeno hotel parisiense, na noite de 14 para 15 de Abril de 1986 (e não de 13 para 14 como seu lê no epitáfio). Foi enterrado no cemitério de Larache, em Marrocos, com vista para a casa do seu último amante marroquino, Mohamed El-Katrani. O caixão que o transportou da França para Marrocos levava a inscrição "trabalhador emigrado".
Sobre Genet publicou Pierre Assouline um post no seu blogue "La République des livres", em 20 de Novembro passado.
O Magazine Littéraire deste mês dedica um dossier especial a Jean Genet.
Além do teatro, que referimos, registe-se tão só o nome de outras obras notáveis, como Notre-Dame-des-Fleurs, Pompes funèbres, Journal du voleur, Miracle de la rose, Un chant d'amour, Un captif amoureux ou Querelle de Brest (que Fassbinder adaptaria ao cinema). Jean Genet, apesar do seu passado, ou exactamente por causa dele, é um dos grandes escritores do século XX, não só francês mas universal.
1 comentário:
Genet foi um homem a todos os títulos singular. Um escritor fora de série. Bem haja pelo post.
Enviar um comentário