terça-feira, 19 de abril de 2011

A EUROPA E A DEMOCRACIA


As autoridades francesas impediram ontem a entrada em França de comboios vindos de Itália (Ventimiglia) que transportavam imigrantes tunisinos que entraram clandestinamente em Itália e aos quais o governo de Berlusconi concedeu autorização de residência temporária, o que lhes permite viajar pelo espaço Schengen.

A Itália atribuiu essas autorizações de residência a cerca de 20.000 tunisinos que alcançaram as costas daquele país após a revolução que depôs o presidente Ben Ali. Têm chegado igualmente a Itália outros clandestinos vindos da Líbia e do Egipto, devido às alterações políticas verificadas naqueles países.

Entretanto, a comissária europeia para os Assuntos Internos, a sueca Cecilia Malmström, afirmou hoje que compreendia a decisão das autoridades de Paris de suspender a livre circulação de pessoas "por razões de ordem pública" e que o tráfego seria reposto normalmente, segundo informação do idiota do ministro francês do Interior, Claude Guéant.

Desde Janeiro, chegaram a Itália mais de 200.000 clandestinos, número que poderá atingir nos próximos meses, segundo António Guterres, Alto-Comissário para os Refugiados, os dois milhões. É também sabido que Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, duas figuras de duvidosa moral pública, já declararam que se opõem à entrada de refugiados árabes nos seus países (nomeadamente por razões eleitorais), demonstrando assim o seu conceito de apego à Democracia. Aplaudem-se as revoluções "democráticas" no  mundo árabe mas depois fecham-se as portas aos que carecem em absoluto de entrar no Velho Continente.

O ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Franco Frattini acusou a França de falta de solidariedade, e o embaixador italiano em Paris apresentou um "veemente protesto". Neste ponto, Frattini coincide com o seu compatriota, o professor e romancista Umberto Eco, várias vezes citado neste blogue, que afirmou em tempos que os norte-africanos acabarão por entrar na Europa, a bem ou a mal.

Também, a Bélgica passou a controlar, sem aviso prévio, os passageiros que chegam ao seu território, por via aérea,  provenientes de Itália.

A comissária Malmström, ao manifestar o seu apoio a Paris, pôs em causa a sua própria reputação, pois a livre circulação de pessoas, para mais devidamente documentadas, constitui um dos pilares da União Europeia. É claro que sabemos todos que a União Europeia é uma farsa, que a sua desagregação já começou, e que ficará a breve trecho desintegrada. Mas, enquanto lá não chegamos, haveria que manter as aparências, o que estes energúmenos nem sequer conseguem.

A solução para a avalanche súbita de norte-africanos era a sua distribuição equitativa por todos os países da União, ou, em alternativa, ter a União impedido pela força a revolta dos países árabes e ter continuado a apoiar, como sempre o fez no passado, os regimes autocráticos e ditatoriais que governaram, e ainda governam, esses países.

Curiosamente não se ouviu a voz de Durão Barroso, presidente da Comissão, nem do senhor Van Rumpoy, presidente da União, pessoas cuja idoneidade deixa muito a desejar.

Estou mais do que nunca convencido que seria importante para os europeus que esta União se dissolvesse, enquanto ainda é possível fazê-lo, num clima de razoável concórdia, e que não se esperasse por uma confrontação de consequências imprevisíveis.

1 comentário:

O tal leitor disse...

"Carecem em absoluto de entrar no Velho Continente"? Ou carecem que os seus países se desnvolvam,se democaratizem,respeitem os Direitos Humanos,etc.? A visão de que a Europa tem que absorver o infindo excesso demográfico do Sul do Mediterrâneo,normalmente com cultura e religião não miscíveis com as populações (ainda) residentes,parece algo arriscada,dadas as reacções de que a francesa e a finlandesa são exemplos, entre outros que aí vêm. Julga o autor que a subida vertiginosa da Le Pen nas sondagens tem outra origem senão a xenofobia? E quanto às suas imprecações contra a ministra francesa e a Comissária, há que ver se as regras Schengen se aplicam a títulos provisórios,como os que os italianos concederam aos novos imigrantes.Parece que não,pelo que poderiam ser poupadas às suas vituperações. Quanto à União Europeia,sempre foi um processo em "pára-arranca", e se clamamos pela dissolução cada vez que há crises,não faríamos outra coisa. Melhor ou pior,a União,por imensas razões que encheriam muitas caixas de comentários,é das melhores coisa que aconteceram na Europa nos últimos séculos,sobretudo depois das calamidades destruidoras que um determinado país lhe infligiu no século passado.Nas actuais circunstâncias económicas mundiais,um Portugal isolado,embora teòricamente possivel, teria muita sorte em se assemelhar à Albânia "auto-suficiente" que vi de passagem nos tempos do Enver. O irrealismo em coisas sérias não se recomenda.