A emergência da Turquia como potência regional tem-se vindo a consolidar com o incremento das relações com os países "afins" da Ásia Central, com a Síria e com o Irão. Os recentíssimos acontecimentos verificados no Mediterrâneo, decorrentes do ataque israelita aos barcos que transportavam ajuda humanitária para a Faixa de Gaza, não só contribuíram para a sua afirmação política na região como prejudicaram, julgo que definitivamente, as suas relações com o Estado sionista.
A Turquia é, no Oriente Médio, um dos três países que mantém relações diplomáticas (e até militares) com Israel; os outros são o Egipto e a Jordânia. Inevitavelmente que o relacionamento entre os dois estados irá arrefecer substancialmente, já para não falar de um corte de relações. Governada por um partido islâmico, a Turquia (herdeira do kemalismo laico mas também da Sublime Porta) é cada vez mais um actor que não se pode ignorar no palco do mundo muçulmano. Disputando ao Egipto (em fim de ciclo político) a primazia de que este gozou durante muitos anos, e que já fora ameaçada pela Arábia Saudita, o governo de Ancara (ainda membro da NATO - por quanto tempo?), ao protagonizar acções de grande envergadura, como o recente acordo obtido com o Irão com a participação do Brasil, autonomiza-se de uma "tutela" ocidental, apesar de ser um (eterno) candidato à União Europeia, esta mesmo ameaçada de desintegração. Os olhos de Ancara já não estão em Bruxelas mas nos territórios que outrora integraram o vastíssimo Império Otomano.
Neste quadro, Israel agiu da pior forma, da maneira mais estúpida, ao "declarar guerra" a uma frota civil com o argumento de que pretendia furar um (ilegítimo) bloqueio e de que os activistas a bordo, além de remédios e mantimentos para uma região cercada, transportavam armas. Se fosse verdade, o governo de Telavive, tão presto a denunciar tais factos, já no-lo teria feito saber, com certeza. Além do que um ataque deste tipo, em águas internacionais, é de uma extraordinária gravidade, não medida por Israel, que está habituado a não cumprir quaisquer leis ou resoluções que não lhe convenham, como tem acontecido desde 1948, data da sua fundação. Sempre Israel ignorou o direito internacional e, embora afirmando-se democrático, sempre agiu como um estado totalitário, a começar pela consagração do seu carácter de Estado judaico; não pode, por isso, condenar os estados que se reivindicam islâmicos pois procede de igual forma. Uma democracia autêntica ou é laica ou não existe.
As últimas acções bélicas de Israel têm-se saldado por um fracasso rotundo. Foi a guerra contra o Líbano, onde o Hizzbullah se proclamou vencedor, foi o bombardeamento de Gaza, uma verdadeira carnificina cujo resultado só serviu para exacerbar os sentimentos anti-sionistas em todo mundo, é agora o ataque ao comboio naval humanitário. É claro que Israel se considera vencedor em cada momento, dado o seu potencial bélico e a ajuda que vem recebendo há décadas dos Estados Unidos da América. Mas começa a desenhar-se um cenário de declínio, pela incapacidade dos seus dirigentes intuírem o sentido da História; a arrogância de Netanyahu só é comparável à arrogância de Shylock, que Shakespeare magistralmente descreveu n'O Mercador de Veneza. Conhece-se o fim da peça. Assim vai Israel: de vitória em vitória (ao longo de 70 anos) até à derrota final.
3 comentários:
Este modesto comentador encontra-se numa posição politico-ideológica diametralmente (em todos os sentidos da palavra)oposta à do autor do blog,e na mesma distância quanto aos valores civilizacionais que defende,nomeadamente o valor da fruição das liberdades individuais,sociais e políticas. Sendo assim,tem-se abstido de enviar comentários nestas áreas,reservando-se para os tópicos culturais em que o blog apresenta sugestões interessantes,contrastando com a pobreza geral mas não surpreendente da nossa blogosfera.
No entanto,a saraivada actual de posts anti-sionistas,anti-semitas,anti-ocidentais,por exemplo este sobre a Turquia,fazem-me abrir uma excepção,certamente inútil para o dogmatismo do autor e seus discípulos,mas não para mim.
Relembremos que no dia seguinte (não uma semana ou um mês) à proclamação da independência de Israel,em 1948,o país foi invadido por forças militares do Egipto,Síria,Iraque,Líbano,numèricamente muito superiores ao exército israelita. O objectivo,não alcançado como se sabe,era o mesmo de sempre,a aniquilação de Israel. O país vive assim há mais de 60 anos inserido numa região composta na sua maioria por regimes bàsicamente ditatoriais e fanáticos,e que veriam com alegria a extinção de Israel e o extermínio dos seus habitantes. Não é,suponho,de admirar que não se comporte como o cordeiro que estende o pescoço para ser degolado,e que na sua defesa cometa erros,infracções por vezes graves,etc. O bloqueio de Gaza é talvez um desses erros,embora bloqueios sejam prática usual em situações semelhantes,vide o britânico que nos foi infligido ao porto da Beira quando da independência da Rodésia. Este caso dos navios turcos é complicado pois entreviam-se novas perspectivas para negociações em Washington,e convinha a Israel manter boas relações com a Turquia,que se tinha até agora esforçado por mediar o conflito.Há aqui provocação clara. Provocação cujo desenlace só joga a favor dos fanáticos vários,pois impossibilita as negociações e arregimenta as turbas,inclusive na Turquia,para mais manifestações anti-judaicas. A provocação virá dos que desejam que a Turquia se transforme em mais um país dominado por fundamentalistas islâmicos,de que é modelo o Irão? E que assim se afaste do Ocidente,enfraquecendo-o,como deseja o autor do blog? É de facto um risco grave,e nesse caso o desfecho desta provocação é um mau passo para os que como eu aspiram a uma ainda não impossivel resolução negociada do conflito Israel-Palestina,e o sucesso do modelo democrático nos países da região. Mas infelizmente para mim e felizmente para o autor do blog,os sinais não de facto os melhores...
PARA O ANÓNIMO DAS 14:02:
Conheço as ideias do "modesto comentador", pelo que tem escrito em diversos comentários a posts anteriormente publicados.
São claras as minhas posições quanto ao conflito israelo-palestiniano e sobre isso não existem dúvidas.
Mas importa corrigir que não pretendo o enfraquecimento do Ocidente, o que desejo é que o Ocidente, em nome da defesa das liberdades, deixe de interferir em todo o mundo. Será que foi para defender as liberdades e a democracia, como então Bush afirmou, que os EUA e o Reino Unido (pela mão de Tony Blair) invadiram o Iraque, com os resultados que se vêem???
Não partilho certamente com o comentador a ideia de que a civilização ocidental é superior às outras civilizações. Todas as civilizações tiveram e têm aspectos positivos e negativos. A visão unilateral de uma civilização superior, a ocidental, tal como a de uma raça superior, a branca, não se adequa ao meu pensamento.
Aliás, a situação que se vive no Médio Oriente decorre largamente dessa pretensa "superioridade" do Ocidente, que colonizou aquelas terras, criando territórios (hoje países) com fronteiras artificiais, ao sabor das conveniências do momento.
A colonização não foi feita em nome da democracia mas da economia e os resultados estão à vista.
Recomendo ao comentador a imensa bibliografia que existe sobre a matéria, embora julgue que não seja do seu agrado.
E mais não escrevo, pois sobre tão vasta matéria arriscar-me-ia a passar aqui umas dúzias de horas.
Se ao modesto comentador (sem aspas) é permitido mais algum espaço nesta caixa,apreciaria poder corrigir as interpretações que o autor elabora sobre os meus pontos de vista,e os seus próprios. Quanto ao genèricamente chamado "Ocidente",parece neste mesmo post regozijar-se com a possivel desagregação da U.E.,o que fatalmente significaria o enfraquecimento do mundo ocidental num planeta em que os países agigantados,como a China,a India,a Rússia,até o Brasil, têm cada vez mais poder político e económico. Noutros posts tenho constatado um anti-americanismo e anti-anglicismo(digamos) radicais,que parecem denotar uma aversão clara contra os modelos sociais e políticos em vigor (e permanente reconfiguração,como lhes é próprio) nesses países. Ora para mim,repito para mim,pois não pretendo impor os meus gostos a ninguém,é nessas terras e noutras do chamado Ocidente,com todas as suas inevitáveis imperfeições e desvios,que é possivel, em mais alto grau, vivenciar os tais valores civilizacionais que mencionei no comentário anterior,em primeiro lugar a fruição das liberdades individuais,sociais e políticas. Por isso,e por outras coisas mais que o tempo e o espaço limitados não permitem elaborar,prefiro viver no "Ocidente",a viver no Irão ou na Coreia do Norte. Mas trata-se de uma preferência pessoal,claro,e admito que outros,autores de blogs ou não,prefiram o regime saudita ou cubano ao dinamarquês ou neo-zelandês. Nesse aspecto não há "superiores" nem "inferiores",há simplesmente preferências,e tem sido nessa base que aqui tenho intervindo.
Quanto às colonizações de maus resultados,relembro que mesmo um apressado olhar á História,lhe dá o infalivel resultado de sucessivos imperialismos e colonizações,macedónios,romanos,árabes,turcos,etc,etc, que não fizeram outra coisa enquanto foram poderosos,e sempre com resultados positivos e negativos.Porquê castigar especialmente o ocidental,expectável dados os desiquilíbrios causados no século XIX pela sua superioridade industrial face a outros impérios em decadência ? Houve óbvios erros,como,concordo,no Próximo Oriente,mas houve tembem grandes sucessos como infra-estruturas técnicas e políticas de que muitos ex-colonizados se orgulham e alguns até têm começado a agradecer. Tal como os herdeiros de outro império,o romano,aquele com que o ocidental talvez mais se pareça. Mas nada mais que modestas opiniões de um modesto comentador.
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