Publicado hoje por Francisco José Viegas no blogue "A Origem das Espécies"
Não me faz espécie que o movimento Mulheres Século XXI reabilite os grandes temas do frentismo católico. Basta ler um pouco da literatura vagamente ultramontana do século passado para compreender o dislate da coisa — salvemos a pátria da excomunhão, da imoralidade e do pecado; e pelo caminho, já agora, salvemos a nossa alma com acções que glorifiquem o papado e o altar. O regresso dessa tentação de unir o trono e o altar é aparentemente nova mas só agora, depois do 13 de Maio e de algumas derrotas recentes, tem condições reais de se exprimir.
Como é isto possível? Simples. Primeiro, com o entusiasmo em torno da visita do Papa, que mobilizou milhares nas ruas, na altura em que Roma estava debaixo de fogo. Tamanha mobilização deixou o frentismo católico com água na boca e o desejo de transformar em força eleitoral o que era uma «demonstração de fé». Para os mais distraídos, volto a insistir que se leia um pouco dessa «literatura vagamente ultramontana do século passado»; está lá tudo. Nada de novo quando se trata de trazer a religião para a rua e de a medir em projecções eleitorais. Claro que causa estranheza o facto de a campanha ultramontana contra o Presidente ter sido lançada no site da rádio católica — foi o início de um combate às claras por parte de uma Igreja tradicionalmente discreta e que normalmente «não se mete em política». Mas as multidões fazem milagres em tempo de «casamentos gay». Só assim se explica o discurso desastrado do próprio cardeal patriarca (há muito tempo que a Igreja não usava a qualidade de católico de um político para exigir dele um compromisso público e lançá-lo às feras). Segundo: é estranha a coincidência — e só isso bastaria. Mas o que leva o cardeal patriarca, geralmente tão cordato com José Sócrates e tão ausente do debate político, a ser tão ríspido em relação a Cavaco Silva, o homem que — convém relembrá-lo — convidou o Papa a visitar Portugal? Boas almas relembram a condição «de católico» do PR, o que o colocaria sob o pastoreio do cardeal («devendo-lhe obediência» — recordações ultramontanas, de novo); não basta. É preciso fazer as contas (coisa que a Igreja, num país católico mas com poucos praticantes e contribuintes, tem feito bastante nos últimos tempos).
A Igreja não se mete na política (embora tenha negócios com ela, à semelhança da «classe empresarial», também dependente do Estado), ou, como diz o cardeal patriarca, «abstém-se habitualmente de se imiscuir no âmbito estritamente político» mas, naturalmente, incentiva os católicos a agir em seu nome («os cristãos leigos não são a isso obrigados e devem ser porta-vozes, no seio da sociedade, dos autênticos valores cristãos») sem, naturalmente, prejudicar os negócios entre a Igreja e a política. Gato escondido.
Esta curiosa coincidência de pontos de vista e de interesses pode ler-se, página a página, nos jornais e blogs das últimas semanas: o ressentimento de Santana Lopes (o menor dos males), o desejo de um frentismo católico (à semelhança dos de antigamente, também este começou no Estoril) animado pelas senhoras do Século XXI, a vontade de deslocar o centro político para a direita católica, a repentina vontade de a Igreja verificar o seu peso eleitoral (transformando matérias morais em motores de mobilização política, no que demonstra um extraordinário erro de avaliação) e o apoio de José Sócrates à nova candidatura de Manuel Alegre. No meio de tudo isto, um fenómeno: a criação de uma nova classe de actores políticos — a de idiotas inúteis.
1 comentário:
Talvez o autor do texto transcrito se tenha deixado embalar excessivamente pela graça da expressão "idiotas inúteis",por contraposição óbvia aos conhecidos "idiotas úteis". Não creio que sejam nem idiotas nem inúteis,mas que sim que trabalhem activa e organizadamente para promover e disseminar na sociedade valores não necessàriamente cristãos,mas certamente repressivos e reaccionários no que se refere à vida pessoal dos cidadãos,pretendendo impor as suas normas comportamentais a todos sem excepção. Pretendem que o que pensam sobre o aborto ou a homossexualidade,e têm direito de pensar,seja pela lei imposto a todos. E como são activos e financiados,não são,repito,nem idiotas nem inúteis,mas preocupantes para quem tenha da liberdade individual um conceito fundador de uma sociedade tão justa quanto possivel.
E já alguem reparou que na foto em epígrafe, na extrema direita, se encontra uma figura que parece igual ao icon destes movimentos actuais,o indispensável Bagão Félix? Será que as ideias moldam as caras?
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