sexta-feira, 25 de junho de 2010

EGIPTO: QUE FUTURO?


Vive o Egipto, desde há meses, momentos de grande expectativa  e de grande tensão relativamente ao seu futuro. Berço de civilizações, com 50 séculos de história, dos tempos faraónicos, aos helenísticos, aos romanos, aos bizantinos e coptas, aos islâmicos, aos otomanos, à invasão francesa, à colonização britânica, à monarquia e à república. Repositório arqueológico, artístico, religioso e cultural ímpar na longa marcha da humanidade.

Que preocupa então os egípcios? Quase tudo. A começar pela sucessão do presidente da República, o marechal Muhammad Hosni Mubarak, de 82 anos, cuja avançada idade e saúde profundamente debilitada provoca as maiores apreensões quanto à sua sucessão. É Mubarak presidente do país desde o assassinato do seu antecessor Anwar El-Sadat, em 1981, data aliás em que foi decretado o estado de emergência ainda hoje em vigor. Ao longo dos seus cinco mandatos (o quinto expirará no próximo ano), desde há 29 anos, tem Mubarak governado o Egipto, ora mais à direita, ora mais á esquerda, jogando com a progressiva influência da Irmandade Muçulmana, hoje com cerca de 20% de deputados (independentes) no Parlamento. Mas durante o seu prolongado consulado, o nível de vida do povo egípcio tem baixado, ao mesmo tempo que aumentam as grandes fortunas, ampliando-se assim o fosso já imenso entre os pobres, muito pobres e os ricos, muito ricos. Ao mesmo tempo que quase desaparece uma classe média, cuja importância foi outrora significativa. 

O facto da população se concentrar praticamente em meia dúzia de centros urbanos, ao longo do vale do Nilo, contribui para o acentuar das assimetrias. Note-se que só a cidade do Cairo tem cerca de 20 milhões de habitantes, isto é 25% da população do país, estimada em pouco mais de 80 milhões.

Há no Egipto muitos partidos políticos, mas um só tem verdadeira expressão política, o Partido Nacional Democrático (PND), que funciona realmente como o único partido do poder. E os poderes do parlamento, a Assembleia do Povo, são limitados.

Em 19 de Novembro de 2003, quando se dirigia ao hemiciclo, Mubarak desfaleceu. Houve pânico, a guarda presidencial fechou os deputados no Parlamento, a televisão suspendeu a transmissão em directo e passou a difundir cânticos patrióticos, o aeroporto foi encerrado e a circulação nas ruas suspensa. Ao fim de 45 minutos o Raïs reapareceu, alegando uma forte gripe. O regime respirou fundo.

Em 6 de Março deste ano, Mubarak foi operado na Alemanha à vesícula biliar, segundo as informações oficiais. Só em Maio regressaria ao Cairo. As especulações sobre a sua saúde avolumam-se e discute-se, em privado, e até em público, a sucessão do presidente. São vários os potenciais candidatos mas as Forças Armadas, sustentáculo do regime, terão sempre uma palavra a dizer e ela será determinante.

A exemplo da Síria, onde Bashar el-Assad substituiu seu pai, Hafez el-Assad, os tecnocratas e os homens de negócios apoiam o filho de Mubarak, Gamal Mubarak, de 47 anos, o mais novo dos dois filhos do presidente. Mas muitos egípcios insistem em afirmar que o Egipto não é a Síria e que não haverá dinastia presidencial.

Outros candidatos poderão ser o marechal Hussein Tantawi, de 74 anos, inamovível ministro da Defesa desde há 19 anos e um dos homens mais poderosos das Forças Armadas, ou o general Omar Suleiman, de 75 anos, chefe dos Serviços de Informações também há 19 anos. 

Entre os civis, contam-se dois nomes de peso mas sem real poder de intervenção: Mohamed ElBaradei, de 68 anos, ex-director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica e Prémio Nobel da Paz em 2005; e Amr Mussa, de 74 anos, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e actual secretário-geral da Liga Árabe. Embora gozando ambos de grande popularidade, não pertencem ao partido presidencial, nem estão em condições legais de se candidatar, por falta de representação eleitoral, segundo a Constituição vigente.

É claro que poderá haver uma surpresa, e poderá também acontecer que o futuro presidente seja um homem de transição que transmita posteriormente o cargo a quem as Forças Armadas considerarem mais conveniente para os interesses estratégicos do país e para os próprios interesses particulares.

Contudo, no inquietante xadrez político do Médio Oriente, e perante um avanço nítido das correntes islamistas, o futuro do Egipto é não só decisivo para os próprios egípcios, mas para toda a região, e para o mundo. Se tivermos em conta não só a posição de "equilíbrio" que o país tem desempenhado entre as várias tendências do mundo árabe, mas o papel da actual liderança na minimização do sempre latente conflito entre muçulmanos e coptas (cerca de 15% da população) e a manutenção de uma atmosfera de tranquilidade para os turistas que visitam o país numa média de 15 milhões por ano (aliás uma das principais fontes de receita do Estado), facilmente constataremos que um clima de paz é essencial para autóctones e estrangeiros. Mas será indispensável evitar uma explosão social, através da introdução, rápida, de instrumentos que permitam uma melhoria do nível de vida, mesmo nesta época de crise global que nos dizem que vivemos. A situação de indigência de parte da população, habilmente explorada pelos fundamentalistas religiosos, e a corrupção endémica instalada no sistema, terão de ser progressiva mas firmemente erradicadas, sob pena de um levantamento incontrolável como o que levou à expulsão dos ingleses na primeira metade do século XX.

Porque o Egipto é a "Mãe do Mundo", e pátria de muitos e variados saberes, merece um Futuro de liberdade, de justiça, de igualdade entre os cidadãos. Assim Allah o permita.

2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pela qualidade da análise e da informação,nestes domínios raramente disponíveis nos nossos pobrezinhos meios de comunicação. Gostei do equilíbrio geral,e das conclusões.

Anónimo disse...

É preciso que o Egipto não se deixa islamizar nem cristianizar. A civilização faraónica é que é própria do Egipto. Politeísta como deve ser. Abaixo os tabus. Queremos um Egipto laico.