domingo, 19 de fevereiro de 2012

A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL


Michel Chossudovsky, economista canadiano, professor jubilado da Universidade de Otava e professor convidado de diversas universidades americanas, europeias e asiáticas e consultor de vários governos e organizações internacionais, director do Centre for Research on Globalization (CRG) e autor de obras como The Globalization on Poverty and The New World Order (2003), America's "War on Terrorism" (2005) ou Towards a World War III Scenario: The Dangers of Nuclear War (2011), concedeu no passado dia 14, ao jornal "i", a entrevista que, pela sua importância, lucidez e oportunidade, passamos a transcrever:


Diz no seu livro que a guerra com o Irão já começou e que os Estados Unidos estão apenas à espera de um rosto humano para lhe dar. Acredita que os objectivos políticos e geoestratégicos de Washington podem levar-nos a uma guerra nuclear com consequências para toda a humanidade?

Não quero fazer previsões e ir além do que aconteceu. Tudo o que posso dizer, e tenho vindo a dizê-lo de forma repetida, é que a preparação para a guerra está a um nível muito elevado. Se será levada a cabo ou não é outro patamar, e ainda não o podemos afirmar. Esperemos que não. Mas temos de considerar seriamente o facto de que este destacamento de tropas é o maior da história mundial. Estamos a assistir ao envio de forças navais, homens, sistemas de armamento de ponta, controlados através do comando estratégico norte-americano em Omaha, Nebrasca, e que envolve uma coordenação entre EUA, NATO e forças israelitas, além de outros aliados no golfo Pérsico (Arábia Saudita e estados do Golfo). Estas forças estão a postos. Isto não significa necessariamente que vamos entrar num cenário de terceira guerra mundial, mas os planos militares no Pentágono, nas bases da NATO, em Bruxelas e em Israel, estão a ser feitos. E temos de os levar muito a sério. Tudo pode acontecer, estamos numa encruzilhada muito perigosa e infelizmente a opinião pública está mal informada. Dão espaço a Hollywood, aos crimes e a todo o tipo de acontecimentos banais, mas, no que toca a este destacamento militar que poderá levar-nos a uma terceira guerra mundial, ninguém diz nada. Isso é um dos problemas, porque a opinião pública é muito importante para evitar esta guerra. E isso não está a acontecer, as pessoas não se estão a organizar para se oporem à guerra. Isto não é uma questão política, é um problema muito mais vasto, e tenho de dizer que os meios de comunicação ocidentais estão envolvidos em actos de camuflagem absolutamente criminosos. Só o facto de alinharem com a agenda militar, como estão a fazer na Síria, onde sabemos que os rebeldes são apoiados pela NATO, na Arábia Saudita e em Israel, e como fizeram na Líbia, é chocante do meu ponto de vista, porque as mentiras que se criam servem para justificar uma intervenção humanitária.
 
Em vez de uma guerra nuclear, não podemos assistir a um cenário semelhante à Guerra Fria, com os EUA, a União Europeia e Israel de um lado e a China, a Rússia e o Irão do outro?

Esse cenário já é visível. A NATO e os EUA militarizaram a sua fronteira com a Rússia e a Europa de Leste, com os chamados escudos de defesa anti-míssil – todos esses mísseis estão apontados a cidades russas. Obama sublinhou em declarações recentes que a China é uma ameaça no Pacífico – uma ameaça a quê? A China é um país que nunca saiu das suas fronteiras em 2 mil anos. E eu sei, porque ando a investigar este tema há muito tempo, que está a ser construída toda uma fortaleza militar à volta da China, no mar, na península da Coreia, e o país está cercado, pelo menos na sua fronteira a sul. Por isso a China não é a ameaça. Os EUA são a ameaça à segurança da China. E estamos numa situação de Guerra Fria. Devo mencionar, porque é importante para a UE, que, no limite, os EUA, no que toca à sua postura financeira, bancária, militar e petrolífera, também estão a ameaçar a UE. Estão por trás da desestabilização do sistema bancário europeu.
 
E a colocação de mais tropas em torno da China vai trazer mais tensão à região.

Quanto a isso não tenho dúvidas, porque os EUA estão a aumentar a sua presença militar no Pacífico, no oceano Índico e estão a tentar ter o apoio das Filipinas e de outros países no Sudeste Asiático, como o Japão, a Coreia, Singapura, a Malásia (que durante muitos anos esteve reticente a juntar-se a esta aliança). Portanto, Washington está a formar uma extensão da NATO na região da Ásia-Pacífico, direccionada contra a China. Não há dúvidas quanto a isto. E não se vence uma guerra contra a China. É um país com uma população de 1,4 mil milhões de pessoas, com um número significativo de forças, tanto convencionais como estratégicas. Por isso, com este confronto entre a NATO e os EUA, de um lado, e a China, do outro, estamos num cenário de terceira guerra mundial. E toda a gente vai perder esta guerra. Qualquer pessoa com um entendimento mínimo de planeamento militar sabe que este tipo de confronto entre super-potências – incluindo o Irão, que é uma potência regional no Médio Oriente, com uma população de 80 milhões de pessoas – poderá levar-nos a uma guerra nuclear. E digo isto porque os EUA e os seus aliados implementaram as chamadas armas nucleares tácticas – mudaram o nome das bombas e dizem que são inofensivas para os civis, o que é uma grande mentira.
 
Mentira porquê?

Está escrito em todos os documentos que a B61-11 [arma nuclear convencional] não faz mal às pessoas e planeiam usá-la. Tenho estado a examinar estes planos de guerra nos últimos oito anos, e posso garantir que estão prontos a ser usados e podem ser accionados sem uma ordem do presidente dos EUA. Olhe para o que eles designam “Nuclear Posture Review” de 2001, um relatório fulcral que integra as armas nucleares no arsenal convencional, sublinhando a distinção entre os diferentes tipos de armas e apresentando a noção daquilo que chamam “caixa de ferramentas”. E a caixa de ferramentas é uma colecção de armas variadas, que o comandante na região ou no terreno pode escolher, onde estão estas B61-11, que são consideradas armas convencionais. Se quiser posso fazer uma analogia, é a mesma coisa que dizer que fumar é bom para a saúde. As armas nucleares não são boas para a saúde, mudaram o rótulo e chamaram--lhes bombas humanitárias, mas têm uma capacidade destruidora seis vezes superior à de Hiroxima.
 
Mas a maior parte das pessoas não parece consciente da gravidade do cenário...

A ironia é que a terceira guerra mundial pode começar e ninguém estará sequer a par, porque não vai estar nas primeiras páginas. Na verdade, a guerra já começou no Irão. Têm forças especiais no terreno, instigaram todo este tipo de mecanismos para desestabilizar a economia iraniana através do congelamento de bens. Há uma guerra da moeda em curso – isto faz parte da agenda militar. Desestabilizando-se a moeda de um país desestabiliza-se a sua economia, bloqueiam-se as exportações de petróleo, e isto antecede a implementação de uma agenda militar. Se eles puderem evitar uma aventura militar contra o Irão e ocupar o país através de outros meios, fá-lo-ão. É isso que estão a tentar neste momento. Querem a mudança de regime, o colapso das petrolíferas, apropriar-se dos recursos do país, e têm capacidade para fazer isto tudo sem uma intervenção militar, embora alguma possa vir a ser necessária. Mas o Irão é considerado uma das maiores potências militares da região e basta olharmos para as análises da sua força aérea, a sua capacidade em mísseis, as suas forças convencionais que ultrapassam um milhão de homens (entre activo e reserva), o que permite que de um dia para o outro consiga mobilizar cerca de metade, ou até mais. Tendo em conta estes números, os EUA e os seus aliados não conseguem vencer uma guerra convencional contra o Irão, daí a razão pela qual estão a tentar fazer a guerra com outros meios, e um desses meios é o pretexto das armas nucleares.
 
Acha que o Ocidente pode lançar um ataque preventivo contra o Irão mesmo sem provas?

Claro que sim! Olhe para a história dos pretextos para lançar guerras. Olhe para trás, para todas as guerras que os EUA começaram, a partir do século xix. O que fazem sistematicamente é criar aquilo que chamamos incidente provocado para começar a guerra. Um incidente que lhes permite justificar o início de um conflito por motivos humanitários. Isto é muito óbvio. Em Pearl Harbor, por exemplo, sabe-se que foi uma provocação, porque os EUA sabiam que iam ser atacados e deixaram que tal acontecesse. O mesmo se passou com o incidente no golfo de Tonkin, que levou à guerra do Vietname. E agora são vários os pretextos que emergem contra o Irão: as alegadas armas nucleares são um, outro é o alegado papel nos atentados 11 de Setembro, pois desde o primeiro dia que acusam o país de apoiar os ataques, a afirmação mais absurda que podem fazer, pois não existem quaisquer provas. Mas os media agarram nestas coisas e dizem “sim, claro”.
 
Pode explicar às pessoas de uma forma simples a relação entre guerra contra o terrorismo e batalha pelo petróleo?

A guerra contra o terrorismo é uma farsa, é uma forma de demonizar os muçulmanos e é também a criação, através de operações em segredo dos serviços secretos, de brigadas islâmicas, controladas pelos EUA. Sabemos disso! Estas forças, ligadas à Al-Qaeda, são uma criação da CIA de 1979. Por isso a guerra contra o terrorismo é apenas um pretexto e uma justificação para lançar uma guerra de conquista. É uma tentativa de convencer as pessoas de que os muçulmanos são uma ameaça e de que estão a protegê-las e para isso têm de invadir países perigosos, como o Irão, o Iraque, a Síria e a Coreia do Norte, que perdeu 25% da sua população durante a Guerra da Coreia, mas, no entanto, continua a ser tida como uma ameaça para Washington. É absurdo! Os americanos são um pouco como a inquisição espanhola. Aliás, piores! O que mais me choca é que os EUA conseguem virar a realidade ao contrário, sabendo que são mentiras e mesmo assim acreditando nelas. A guerra contra o terrorismo é uma mentira enorme, mas todas as pessoas acreditam e o mesmo se passava com a inquisição espanhola – ninguém a questionava. As pessoas conformam-se com consensos e quem assume a posição de que isto não passa de um conjunto de mentiras é considerado alguém em quem não se pode confiar e provavelmente perderá o emprego. Por isso esta guerra é contra a verdade, muito mais séria que a agenda militar. Contra a consciência das pessoas – parece que ninguém está autorizado a pensar. E depois vêm dizer-nos “Ah, mas as armas nucleares são seguras para os civis”. E as pessoas acreditam.
 
Será Israel capaz de atacar Irão sem o apoio dos EUA?

Não. Eles podem enviar as suas forças, por exemplo para o Líbano, mas o seu sistema está integrado no dos EUA e, como o Irão tem mísseis, têm de estar coordenados com Washington. É uma impossibilidade em termos militares. Em 2008, o sistema de defesa aérea de Israel foi integrado no dos EUA. Estamos a falar de estruturas de comando integradas. Quer dizer, Israel pode lançar uma pequena guerra contra o Hezbollah ou até contra a Síria, mas contra o Irão terá de ser com a intervenção do Pentágono. Embora tendo uma fatia significativa de militares, Israel tem uma população de 7 milhões de pessoas e não tem capacidade para lançar uma grande ofensiva contra o Irão.


Os mais recentes desenvolvimentos verificados na cena internacional só confirmam as previsões de Chossudovsky.  Há motivos para recear o pior.

2 comentários:

Carlos Vinícius / Recife - PE, Brasil disse...

Aqui, do Brasil, enxergo muito bem estes cenários descritos por Chossudovsky. Concordo, inteiramente, com o que ele escreveu nesta entrevista. Sou tido como "chato" por defeneder estas mesmas idéias. Há vinte anos, mais ou menos, eu e um de meus irmãos, prevemos uma guerra no Oriente Médio. E parece, infelizmente, que isto acontecerá. Tudo pela gula insaciável dos "falcões" americanos do norte, dentre outros. Que pena. Estas pessoas deveriam passar um tempo no Brasil para aprender como deve se viver. Abraço.

Anónimo disse...

A razão pela qual as pessoas são tão facilmente controláveis pelos mainstream media é que a última coisa que o ser humano quer ver (e vê) é uma realidade incómoda.
Se em vez disso se lhe oferecer uma ilusão pacata o sucesso é garantido.
Não vai ser fácil inverter a trajectória porque isto está no DNA do ser humano.
De outra forma, não existiriam aquelas ilusões colectivas organizadas chamadas religiões.
Thinking outside the box is both dangerous and extremely uncomfortable.
É por isso que o o contributo que tenta dar com o seu bloque tem, quanto a mim, um valor incalculável que vai muito além da informação prestada.
Valeria