sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

OS "AMIGOS DA SÍRIA"

Hillary Clinton e Saud Al-Faisal, responsáveis dos Negócios Estrangeiros dos EUA e da Arábia Saudita

Os "amigos da Síria" reuniram-se hoje às 15 horas num hotel de Tunis, sob a forte contestação de centenas de tunisinos e sírios que foram dispersados pela polícia.

Representantes de cerca de 60 países, encabeçados pelos Estados Unidos, pela França, pelo Reino Unido e por alguns países da Liga Árabe, procuraram articular esforços para travar a violência no país, permitir o socorro às populações, e conseguir a saída de Bashar Al-Assad e a mudança de regime. Ao mesmo tempo aprovaram novas sanções contra Damasco e um embargo ao embarque de armamento, que não o destinado aos opositores do regime, que vem em grande parte da Turquia, da Jordânia, do Qatar e da Arábia Saudita, segundo as palavras do próprio ministro Saud Al-Faisal.

As Nações Unidas e a Liga Árabe designaram o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, como enviado especial à Síria a fim de procurar uma solução para o conflito. Da reunião saiu também uma declaração em que a Liga Árabe pede ao Conselho de Segurança uma resolução para o envio de uma força de paz conjunta dos países árabes e das Nações Unidas. A Arábia Saudita e o Qatar pretendem mesmo o envio de uma força militar para derrubar o regime de Assad.  O auto-intitulado Conselho Nacional Sírio, grupo que reúne as principais facções de oposição anti-regime, considerou insuficientes as medidas adoptadas na reunião.

A Rússia e a China estiveram, obviamente, ausentes deste meeting.

"A conferência vai transmitir uma mensagem clara da Liga Árabe para travar os crimes na Síria", disse na abertura da reunião o ministro dos Negócios Estrangeiros tunisino Rafik Abdessalem (que esteve há dias em Lisboa), conforme se lê aqui. Hillary Clinton afirmou que o regime sírio "pagará um preço forte se continuar a ignorar a voz da comunidade internacional e a violar os direitos do homem", preocupação que nunca se lhe notara antes relativamente a outras violações não interessantes para os Estados Unidos.

A situação na Síria pode resumir-se, grosso modo, em poucas palavras:

1) Havia na Síria uma parte minoritária da população descontente com o regime;
2) Entusiasmados com as revoluções da "Primavera Árabe", esses descontentes começaram a manifestar-se contra o dito regime;
3) O governo sírio procedeu a uma repressão desproporcionada dessas manifestações;
4) Os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e mais alguns países ocidentais e alguns países árabes, nomeadamente as monarquias do Golfo, começaram a apoiar e, mais perigosamente, a armar os insurrectos;
5) O plano americano é simples: derrubar o regime de Bashar Al-Assad, o último regime laico do mundo árabe, e instalar na Síria um governo pró-americano, que em conjunto com o governo iraquiano pós-Saddam Hussein facilite o ataque ao Irão;
6) A "comunidade internacional" precipitou-se na avaliação da contestação da população síria ao regime: muito mais de metade da população pretende a manutenção deste regime, mesmo os que não simpatizam especialmente com ele. Tendo ao lado o exemplo do Iraque, e existindo na Síria cerca de 20 confissões religiosas, é preferível manter Bashar do que ter uma guerra civil generalizada e o inevitável caos;
7) Como a violência gera violência, aumentaram as atrocidades de parte a parte, tendo-se entrado numa espiral que começa a tornar-se incontrolável, um desígnio também da "comunidade internacional" para justificar a intervenção armada das Nações Unidas;
8) A pretensão "ocidental" foi boicotada pelos vetos russo e chinês no Conselho de Segurança, pelo que Hillary Clinton inventou esta reunião em Tunis, para tentar arranjar uma intervenção da Liga Árabe ou de alguns países árabes com a mesma finalidade de derrubar o regime;
9) Esta reunião em Tunis invocou também o auxílio humanitário para conseguir penetrar abertamente no território sírio;
10) A Rússia e a China não se fizeram representar na conferência de Tunis, porque exigem que haja diálogo com ambas as partes (governo e oposição) e estão a rever os seus programas de armamento, para fazer face à ameaça americana, que pretende atingir não só o Irão (em primeiro lugar) mas também começar a cercar a Rússia e a própria China, pelo sul, com a conivência de algumas das repúblicas muçulmanas asiáticas da antiga União Soviética;
11) Verifica-se, agora, uma estranha aliança dos Estados Unidos com os regimes árabes fundamentalistas, como o caso da Tunísia, da "nova" Líbia e do enigmático Egipto (onde os partidos islâmicos dispõem de 70% dos lugares na recém-eleita Assembleia, mas em que o governo do país ainda depende das Forças Armadas). Das monarquias do Golfo e da Jordânia não se fala, pois sempre foram aliadas de Washington. A Turquia, que não é árabe, mas tem um regime islamista, passou de aliada a inimiga da Síria. Curiosamente, o Irão, uma república islâmica, é apoiante do regime sírio, et pour cause;
12) Não deixa também de ser interessante que os Estados Unidos e os seus aliados ocidentais, que sob o estandarte de Bush decretaram que a Al-Qaeda e os regimes islâmicos representavam o Mal absoluto, se tenham tornado agora amigos e aliados dos mesmos (uma das forças que combate o regime de Damasco é exactamente a Al-Qaeda), dispensando o maior apoio aos governos fundamentalistas saídos das revoluções no mundo árabe.

Que mais surpresas nos reservará o futuro?

4 comentários:

Anónimo disse...

carssimo, a isto, chama-se politica

saudações

Anónimo disse...

Trata-se de um plano longamente amadurecido. Até já me pergunto se não terão os americanos preparado as revoluções do mundo árabe para lá colocar governos islamistas que depois derrubarão mais facilmente quando o povo estiver farto deles.

É a política de longo alcance. mas talvez se lixem.

Anónimo disse...

Mas é que é disso mesmo que se trata. A mãozinha americana já lá anda pela Síria, tratando de desestabilizar o actual regime, para mais facilmente lá entrar e ter acesso directo ao Irão. Não desculpabilizo o regime sírio pelo que tem feito nos últimos tempos, mas convém não sermos anjinhos do pau oco e acreditar que estão muito preocupados com o povo sírio. Essa é a últimas das últimas das suas preocupações.
Oxalá se lixem e bem. Tem levado nas trombas constantemente, mas como burros que são, não aprendem mesmo nada.Claro que no princípio, no meio e no fim, estão as vendas de armamento que os lobys americanos querem a todo o custo vender.
Marquis
Marquis

Anónimo disse...

Há pessoas de bom senso neste mundo. Muitas. Somos muitos. Tenho certeza disso.
Não podemos fazer nada?
Pergunta não retorica.

Valeria