quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O PROCESSO CASA PIA


O Tribunal da Relação de Lisboa divulgou hoje o acórdão relativo ao recurso dos arguidos do Processo Casa Pia, que haviam sido condenados em 1ª instância. Determinou a Relação que relativamente aos crimes supostamente cometidos numa casa em Elvas o julgamento fosse repetido, alterando assim as penas cometidas aos réus nesse particular e mantendo as restantes penas.

O Processo Casa Pia constitui já um case study da justiça portuguesa. Iniciado em 2003, por iniciativa do procurador-geral da República Souto Moura, a partir da denúncia efectuada em  2002 por uma jornalista, tornou-se, durante anos, o leitmotiv da comunicação social portuguesa. Não acompanhei o caso desde o início, mas a partir de certa altura fui obrigado a inteirar-me do facto, aliás como a maioria dos portugueses, já que todos os dias, e isto durou anos, os noticiários das televisões e das rádios abriam com informações sobre o assunto, que enchia igualmente as primeiras páginas dos jornais. A intoxicação atingiu tal nível que o presidente da República, Jorge Sampaio, chamou a Belém os directores dos principais órgãos de comunicação social para recordar que havia no país outros assuntos a merecerem tanto ou mais relevo.

Não sei se as pessoas que foram condenadas são culpadas ou inocentes e também não conheço, naturalmente, os milhares de páginas do processo. Mas não posso deixar de estranhar o emaranhado de afirmações e contra-afirmações, de voltas e reviravoltas que o processo sofreu desde há oito anos.

Gente houve que suspeita ou mesmo acusada e presa acabou por ser ilibada antes do julgamento, por se ter concluído não existirem realmente provas ou serem falsas as inicialmente produzidas. Uma revista publicou na capa fotografias de personalidades que teriam sido mostradas, pelo Ministério Público, aos rapazes supostamente abusados para eles verificarem se reconheciam em algumas delas os seus abusadores. Entre essas fotografias contavam-se o ex-presidente da República, Mário Soares, o então presidente da Assembleia da República, Mota Amaral e o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo!

Há cerca de um ano, em entrevista televisiva a Judite de Sousa, o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, afirmou publicamente que este caso, e cito de cor, se destinara a decapitar a direcção da ala esquerda do Partido Socialista, leia-se, Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso. E, ainda há dias, Mário Soares escreveu que não acreditava na culpabilidade de Carlos Cruz. No programa televisivo "O Eixo do Mal" da semana passada, Clara Ferreira Alves considerou este processo como "kafkaiano" e manifestou a sua preocupação por viver num país em que era possível ter lugar um processo com as contradições de que este enferma, no que foi amplamente secundada, pelos outros intervenientes, Pedro Marques Lopes, Daniel Oliveira e Luís Pedro Nunes.

Não me recordo dos inúmeros episódios estranhos que tiveram lugar no decorrer destes anos. Mas cito, a título de exemplo, que nunca foi explicada a razão porque o advogado Daniel Proença de Carvalho, que inicialmente tinha aceite a defesa das "vítimas", se retirou rapidamente do processo sem explicações, invocando segredo profissional. O principal acusado, Carlos Silvino, disse já após a condenação, que mentira ao tribunal por pressão da polícia, como aqui se refere. Não me consta que se tenha averiguado a matéria. Uma testemunha-chave, como se aqui se escreve, desmentiu todas as acusações que anteriormente fizera. Nada aconteceu. E os exemplos poderiam multiplicar-se por centenas.

Para além das multidões, "ávidas de sangue" e incitadas por uma comunicação social que condenou os suspeitos na praça pública antes de qualquer decisão judicial, contribuindo largamente (a soldo de quem?) para o veredicto da 1ª instância, permanecem na consciência das pessoas mais avisadas as maiores dúvidas quanto ao desencadear deste processo e à culpabilidade dos acusados. Tinham os romanos, e é o Direito Romano a fonte da nossa Lei, uma máxima que aplicavam nos seus julgamentos: In dubio pro reo.

Com todas as dúvidas que subsistem, direi mais, que progressivamente se avolumam neste mega-processo, parece que os meritíssimos juízes que têm vindo a julgar o caso ignoraram o princípio de que vale mais absolver um criminoso do que condenar um inocente.

3 comentários:

Anónimo disse...

coitadinhos,tão inocentes que eles
são.Afinal só há um culpado chamado
Bibi.
Falta a Inquisição que já tinha dado o processo como encerrado.
Saudações

Anónimo disse...

Curioso,que a Relação se tenha recusado a ouvir os testemunhos dos que vinham desmentir algumas acusações. Não lhe compete tambem analisar a prova material? Que os tabloids formatem a chamada "opinião pública" incarnada no comentário das 20.25,OK,mas os tribunais? Claro que com a Inquisição tudo seria mais simples,dada a metodologia tão eficaz para extrair confissões,certamenete apreciada pelo comentador,tal como em Salem se queimaram dezenas ou centenas de supostas "feiticeiras" por simples denúncias avulsas,no melhor estilo tabloidistico da época. Supunha que a Civilização tinha avançado qualquer coisa quanto ao respeito público pelos Direitos Humanos,mas pelos vistos não será o caso. Os tabloids acusam o Xico ou a Maria?
Fogueira com eles!

Anónimo disse...

na realidade o comentador acima nada, será que toda a gente neste
pais é ignorante?
Que justiça é esta para o Bibi e para os outros senhores tudo é diferente?
Apliquei a Inquisição no sentido figurativo, mas agora para sua informação e depois do que li
Inquisição com eles todos.