segunda-feira, 17 de outubro de 2011
A ESTRATÉGIA DA ARANHA
O cineasta italiano Bernardo Bertolucci realizou em 1970 um dos mais importantes filmes da sua carreira, ainda que hoje um pouco esquecido face às numerosas e inolvidáveis obras com que nos tem brindado desde 1962: Strategia del ragno. Retirou Bertolucci a inspiração para o argumento recorrendo a um conto de Jorge Luis Borges, esse outro incontornável vulto da literatura argentina e mundial: "Tema del traidor e del héroe", incluído no livro Ficciones (1944), publicado em português por Livros do Brasil, com o título Ficções, em 1969.
Vem isto a propósito da actual situação política, económica, financeira, social em Portugal, e, por extensão, na Europa e mesmo no mundo. A teia de aranha em que somos envolvidos, como os protagonistas de Borges e de Bertolucci, torna-se cada vez mais cerrada e atrofiante e as perspectivas de libertação afiguram-se diminutas, se não inexistentes.
A apresentação, hoje, do Orçamento de Estado para 2012, e a irreversível trajectória para os anos futuros, constitui um corte epistemológico no percurso mental dos portugueses. Ao longo de mais de duas décadas fomos sistematicamente iludidos sobre a situação do país, em que, com dinheiros alheios, foram realizadas obras supérfluas, para não falar do desbaratamento desses dinheiros ou, o que é muito mais grave, do seu roubo. Investiu-se desbragadamente em betão, criaram-se sinecuras indecorosas, realizaram-se negócios que não ouso classificar.
O Estado português acabou por se tornar um "monstro", para usar uma expressão cara a Cavaco Silva, não devendo esquecer-se que foi, aliás, nos seus governos que começaram a criar-se as "gorduras" que hoje tanto afligem os governantes. Cavaco retirou-se a tempo da governação e Fernando Nogueira perdeu as eleições para Guterres, que prosseguiu no desperdício (os estádios do Euro e a Expo são dois exemplos de como se gastaram desnecessariamente milhões). Guterres saiu pelo seu pé, para não deixar o país no "pântano" (a expressão é dele), e Durão Barroso, que lhe sucedeu, começou a sua governação por não cumprir as promessas eleitorais, visto Portugal estar de "tanga". Saiu Barroso também pelo seu pé (para um lugar bem remunerado, com menos preocupações e eventualmente com mais prestígio) deixando a herança a Santana Lopes, que pela efemeridade da sua governação não é para aqui especialmente chamado. Sócrates, que se seguiu, prometeu mundos e fundos, mas logo após a sua eleição traiu a promessa anteriormente efectuada de não aumentar os impostos, devido ao buraco que encontrou nas contas públicas, buraco devidamente avalizado pelo então governador do Banco de Portugal, o inefável Constâncio, que hoje acompanha sistematicamente, frente às televisões (como cão de guarda ?), o governador do Banco Central Europeu, na sua qualidade de "vice", talvez em pagamento dos relevantes serviços prestados à nação. Com a demissão de Sócrates, Passos Coelho eleito e nomeado primeiro-ministro, logo esqueceu as reiteradas promessas pré-eleitorais e, tendo encontrado, também ele, um desvio colossal, propõe agora, para a salvação da Pátria, as medidas mais draconianas algumas vez aplicadas em Portugal, em termos que nem mesmo Salazar, com o poder de que dispunha, ousou preconizar.
Que fazer? Não há uma resposta fácil! Acredito que o Estado se encontra em situação de pré-falência, que existem compromissos internacionais, que são urgentes reformas estruturais no país, mas assiste-se quase exclusivamente à adopção de medidas que levam ao aumento do custo de vida e ao progressivo desmantelamento do Estado Social, a pretexto da salvação do mesmo. São sempre os mesmos que pagam a crise. Assiste-se à extinção acelerada da classe média, sustentáculo dos regimes ditos democráticos. Sem ser tão pessimista como Medina Carreira hoje na TVI, ao preconizar uma vaga de tumultos, suicídios e quantas outras desgraças tecidas pelas Parcas, acredito que o que agora é retirado aos portugueses não será apenas por dois ou três anos mas jamais será reposto. Poderia ser de outra forma? Talvez, ainda que não disponha da informação necessária para o afirmar.
A teia em que estamos envolvidos obedecerá possivelmente a uma estratégia mais ou menos oculta de redução dos cidadãos à condição, a termo, de escravos numa sociedade nova concebida por espíritos inomináveis. Mas hoje não quero trilhar essa via, que logo seria apelidada de teoria da conspiração. Ficará para mais tarde.
Como este texto já vai longo, acrescentarei tão só duas notas:
1) A partir de agora nunca mais os portugueses, espero, acreditarão em promessas eleitorais;
2) A crise portuguesa, e a crise da Grécia e da Irlanda, da Espanha e da Itália, do Euro, da União Europeia e até do Mundo, porque parece que tudo está em crise, não se resolverá com as medidas que vão sendo parcimoniosamente tomadas pelos governantes, nossos e alheios. O que está em crise é o sistema de governação, a própria democracia representativa nos moldes em que actualmente funciona, a ausência de Justiça que penalize os infractores da lei, num mundo em que alguém é preso por roubar um pão e ninguém é preso por roubar um milhão ou mesmo 100 milhões.
Este sistema já deu o que tinha a dar. Ou a aranha morre ou morremos nós.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Uma análise de grande lucidez quanto á situação actual. Parabéns ao autor
Absolutamente brilhante. Está aqui tudo, não é preciso acrescentar mais nada. Salvo, uma opinião lida há dois ou três dias na comunicação social, na qual, um juiz ou professor de direito de Coimbra, ou de qualquer outra Universidade, se mostrava muito preocupado com os recentes e cada vez mais insistentes pedidos de cidadãos de todos os quadrantes, para que os responsáveis por toda esta situação fossem alvo de julgamento. Afirmava o mesmo senhor, que isso seria contrário ao sistema democrático. Curiosa personagem esta, para a qual, o estado a que chegámos, não põe em causa a mesma democracia. Para além de usar dois pesos e duas medidas, cheira-me a encomenda muito oportuna. Chumbo para cima e deles e do grosso jáaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!
Enviar um comentário