quarta-feira, 26 de outubro de 2011

UMA FLORESTA DE ENGANOS


Estão actualmente os portugueses embrenhados numa floresta de enganos. Pior que a Floresta de Birnam, que se deslocou transportada por guerreiros para derrotar Macbeth, a floresta de contradições da política portuguesa arrisca-se a destruir-se a si mesma. Com ou sem a morte de Macbeth.

Ainda ontem, o Conselho de Estado, reunido na plenitude dos seus membros, emitiu um comunicado que disse nada. Clamam as oposições contra as medidas de austeridade e especialmente contra a falta de equidade das mesmas. Protestam muitos, mesmo dentro dos partidos da coligação governamental, contra a desigualdade da atribuição da austeridade, donde saem sempre favorecidos aqueles que por natureza já o são. O próprio presidente da República inquieta-se quanto às medidas do governo. Os juízes dizem que não aplicarão leis que considerem injustas. Os polícias já se manifestaram e os militares vão manifestar-se. As centrais sindicais preparam uma greve geral, independentemente das greves sectoriais já em curso. Ignora-se a votação do PS na Assembleia da República. O povo, quando no próximo ano avaliar no seu bolso da maldade das medidas, sairá, certamente, à rua. Diz-se que Portugal não é a Grécia. A ver vamos.

O Governo invoca sistematicamente a chamada troika e as suas exigências e proclama que tem de agravá-las (é a romagem dos agravados, de Gil Vicente, que também se preocupou com a floresta de enganos, mal ele sabia o que ainda haveria de chegar) para ganhar credibilidade internacional; mas não consegue explicar porquê. Diz mesmo, pela voz do primeiro-ministro, que alguma alteração nas medidas fundamentais preconizadas inviabilizaria o país de ter dinheiro no mês de Novembro. Não sei quem lhe disse isso ou se é apenas a sua intuição.

Poucos portugueses conhecem o texto do tão invocado acordo, mas quem conhece sabe que o que consta do Orçamento para 2012 ultrapassa a matéria consignada no texto. A austeridade que nos é imposta visa outros objectivos, aliás já denunciados em numerosos fóruns. A Grécia vai obter metade do perdão da sua dívida, mas quando em Portugal se fala em reestruturar a dívida, logo alguém diz que não mais teríamos crédito internacional.

Quero registar aqui uma palavra de congratulação. Pedro Passos Coelho, apesar de fazer agora tudo o que negara durante a campanha eleitoral, sempre se considerou como um liberal (diga-se em abono da verdade) e ao elegê-lo foram os portugueses estúpidos ao conceder-lhe o voto. Eu sei, bem sei, que o bom povo português estava farto de Sócrates e só desejava vê-lo pelas costas, e como o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda ainda metem medo a muita gente, a única alternativa era votar na "direita". Julgavam que PPC não seria tão ultra-liberal. Pois lixaram-se.

A agenda de Passos Coelho, ultrapassando a de muitos chefes de governo da União Europeia (toda ela ao serviço do capital financeiro) consiste no desmantelamento progressivo (porque é impossível de realizar de uma só penada, ou neste caso ramada, porque falamos de floresta) do estado social e da destruição do sector público, que deverá ser entregue a privados, preferencialmente estrangeiros. Refiro-me à parte que dá lucro, pois a que dá prejuízo continuará na posse do Estado e será paga pelos cidadãos contribuintes.

Não quero dizer que não tenha havida nestas últimas décadas um regabofe em muitos sectores públicos, especialmente por parte dos seus dirigentes. Que a promiscuidade dos políticos que vão para as empresas, sem período de nojo, é um escândalo nacional. Que a aliança do poder autárquico com o futebol e o betão, já largamente denunciada, é coisa que nem ouso classificar aqui, por respeito para com os leitores.

Delapidaram-se nestas décadas milhões de milhões de euros (além dos que foram roubados). Desde Cavaco Silva, com Guterres, com Durão, finalmente com Sócrates. Não esquecendo Alberto João Jardim. O país foi ficando no pântano, de tanga, com um desvio colossal e monstruoso, realmente a saque. Já o general Carmona dissera, em tempos, que a Pátria estava doente. Voltou hoje a estar. Mas receio bem que o remédio prescrito pelo Governo vá matá-la com a cura.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não acredito, tal como escreve o autor do post, que as soluções do governo resolvam o problema nacional. Sendo os aspectos financeiros muito importantes, não se pode desfazer um país só para cumprir acordos indevidamente celebrados. Deveria haver outras soluções. Não sou especialista na matéria mas recuso-me acreditar que não houvesse.