segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ANGELA MERKEL UND "DAS RHEINGOLD"


É suposto que Angela Merkel, uma conhecida melómana, admire e aprecie Richard Wagner; e que conheça não só a música mas o texto das suas óperas. Não poderá por isso ignorar a edificante passagem de Das Rheingold, na Segunda Cena do Prólogo de Der Ring des Nibelungen, quando Wotan explica a Fricka, sua esposa, o contrato efectuado com os Gigantes (a cedência de sua cunhada Freia)  para a construção do Walhalla, a mansão dos deuses que mandou edificar:

"Wohl dünkt mich's, was sie bedangen,
die dort die Burg mir gebaut;
durch Vertrag zähmt ich
ihr trotzig Gezücht,
daß sie die hehre
Halle mir schüfen;
die steht nun – Dank den Starken! –
um den Sold sorge dich nicht."

Numa tradução muito livre, é mais ou menos isto: "Parece-me que eles exigem o estipulado para a construção do castelo; subjuguei por contrato a sua raça orgulhosa para me edificarem a nobre mansão; ela está hoje erguida graças aos Gigantes; não se preocupe com o pagamento". Ou seja, alguém haverá de pagar!

Também a Grécia (e a Madeira, entre nós) ergueram obra sem se preocuparem como e quando a deveriam pagar. Ontem, em Berlim, Merkel deveria ter recordado a Sarkozy (admitindo que este conhece alguma coisa de ópera, o que duvido) esta interessante passagem. Os gregos construíram, ou pelo menos gastaram, sem preocupações de pagamento. Não pensando, certamente, em Wagner.

Só que Wotan conseguiu apoderar-se do ouro do Reno e graças a ele desembaraçar-se dos Gigantes, resgatando a cedência de Freia. Papandreou, o Wotan do momento, não tem ouro nem Reno que lhe valha, e a entrega das ilhas e dos monumentos do país, sugerida por alguns próceres germânicos, é um "comércio" ainda mais vergonhoso do que aquele que Scarpia propôs a Tosca. 

Ignoro a que acordo chegaram (se algum realmente existiu) Merkel e Sarkozy, ambos em presumível fim de carreira política. Também não percebo porque sendo a União composta por 27 países e a Zona Euro por 17, assuntos que a todos interessam são primordialmente tratados apenas pela Alemanha e a França. Compreendo a necessidade de uma disciplina orçamental europeia mas reconheço igualmente a inevitabilidade de uma real solidariedade europeia. Penso que existem duas Europas, mas já que se constituiu uma só União Europeia, então terão de se respeitar ambos os aspectos. Sob pena de a União implodir, caso se verifique a falência da Grécia, com o consequente desmoronar não só do sistema monetário europeu mas da própria União. Que ninguém se iluda a este respeito, já que as previsíveis consequências políticas, financeiras, económicas, sociais e psicológicas não deixam margem para dúvidas.

Merkel, por miopia política e também por pressões do seu partido, que aspira à construção não já do Walhalla mas do IV Reich, tem tergiversado e as medidas que ultimamente foram anunciadas pecam por insuficientes e tardias. Aguardemos as próximas semanas e ouçamos e vejamos, entretanto, à falta da citada parte da Segunda Cena, o final  de Das Rheingold, numa produção da Metropolitan Opera House de Nova Iorque, com direcção de James Levine e encenação de Otto Schenk. Nos principais papéis James Morris (Wotan), Siegfried Jerusalem (Loge) e Christa Ludwig (Fricka), em 1989.



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