sábado, 15 de janeiro de 2011

TUNÍSIA - O FIM DE UM TEMPO



 (No coração do centro de Tunis: cruzamento da avenida Habib Bourguiba com as avenidas de Paris e de Carthage)


A Tunísia, e em especial a cidade de Tunis, vive uma situação caótica. A fuga precipitada do presidente Ben Ali, cujo destino inicial era a França, que lhe negou asilo com receio dos protestos da imensa comunidade tunisina existente no país, ainda não serenou os ânimos. Ben Ali acabou por aterrar em Jeddah, na Arábia Saudita, onde se encontra com a família.

Entretanto prosseguem os actos de vandalismo na capital, com a destruição de importantes infraestruturas, como a estação ferroviária. Foram especialmente saqueados os estabelecimentos ligados à família presidencial, mais propriamente à família da segunda mulher do presidente, uma ex-cabeleireira, Leïla Trabelsi, cujos numerosos irmãos se apoderaram da economia da Tunísia. Esta ex-primeira dama, odiada pelos tunisinos, e a sua família, são os principais responsáveis pelo agravamento do descontentamento popular, potenciado pelo aumento dos bens essenciais, pelo desemprego e pela corrupção, uma das especialidades da família Trabelsi. Há mesmo quem afirme que Leïla Trabelsi Ben Ali se preparava para se candidatar em 2014 à sucessão do marido, como tem acontecido noutros países.

O primeiro-ministro Mohamed Ghannouchi, que ontem assumira interinamente a presidência da República, por "ausência" do chefe do Estado, foi hoje substituído, ainda nos termos constitucionais, pelo presidente do Parlamento, Fouad Mebazaa, por se considerar definitiva a vacatura da presidência. Mebazaa encarregou o demissionário Mohamed Ghannouchi de constituir um novo governo de unidade nacional.

Sidi Bou Saïd


Qualquer que seja a evolução dos acontecimentos nas próximas horas ou dias, e independentemente da reparação de todos os estragos verificados nesta verdadeira revolução, a revolução do Jasmim, como já é conhecida (o jasmim é uma flor típica tunisina), nada voltará a ser como dantes. Os tunisinos são um povo simpático e acolhedor e aberto aos estrangeiros, ainda que essa abertura seja muitas vezes motivada por razões de ordem material, já que a população local  considera ricos todos os visitantes ou mesmo turistas que se deslocam ao país. Esse agradável convívio tem, contudo, subjacente, uma relação de dependência, já que, meio século após a Tunísia se tornar independente, subsistiu uma mentalidade, quase generalizada, de uma certa inferioridade em relação ao estrangeiro, especialmente o ocidental, o colonizador. E é essa atitude de grande prestabilidade, e por vezes também de aldrabice, que seduz a maior parte dos europeus, pelo menos desde há duas décadas, e que enche anualmente de milhões de turistas as praias mediterrânicas do país.

Ora a mentalidade dos tunisinos evoluiu, pelo menos a de larga parte da juventude. Milhares de rapazes e raparigas com cursos universitários obtidos nos últimos anos (diga-se que o incremento do ensino superior se deve aos governos de Ben Ali) pretendem um outro tipo de relacionamento, um relacionamento em pé de igualdade, com os outros países ocidentais, ditos democráticos. Mas tem sido esse tipo de relações (de relações "dependentes", mormente das classes mais "baixas") que tem permitido à Tunísia um montante elevado de receitas decorrente da actividade turística. Tal como acontece em outros países árabes, designadamente o Egipto. Ora uma alteração radical do tipo de convívio degradará irremediavelmente o fluxo turístico, e outros. É certo que o país dispõe de recursos naturais, aliás mal distribuídos, para consumo nacional e exportação) mas uma quebra significativa no turismo será fatal para as aspirações de "reconstrução nacional" agora proclamadas.

Há que aguardar o evoluir da situação, as disposições do governo transitório, as novas eleições presidenciais (que deverão ter lugar num período de 45 a 60 dias) e as próximas eleições legislativas "livres". E o relacionamento com a Europa (a França encontra-se profundamente embaraçada com a presente situação), com o mundo árabe e com os Estados Unidos e os países emergentes.

Como amante da Tunísia, que sempre fui, desejo que este acontecimento venha a ter um final feliz. Inch'allah!

1 comentário:

Anónimo disse...

Vive la Tunisie!!!