Foi inaugurada anteontem, no Musée d'Art moderne de la Ville de Paris, e estará aberta ao público até 2 de Janeiro, a grande mostra retrospectiva "Kiss the Past Hello", dedicada à obra do famoso fotógrafo e realizador norte americano Larry Clark (n. 1943, em Tulsa, Oklahoma), autor de alguns filmes célebres, como Kids (1995), Bully (2001) ou Ken Park (2002).
Desde os 16 anos que Larry Clark começou a fotografar momentos da vida íntima dos seus amigos e das pessoas que o rodeavam. Focando nomeadamente os aspectos mais controversos, em especial cenas de sexo, droga e violência.
O que torna mais controversa esta exposição é que, pela primeira vez, a visita de uma exposição é condicionada aos maiores de 18 anos. Uma situação inédita. Devido a uma nova lei da França de Sarkozy (2007), relativamente às mensagens de "carácter violento ou pornográfico ou de natureza a atentar gravemente contra a dignidade humana", foi o director do Museu, Fabrice Hergott, advertido das gravíssimas penas em que poderia incorrer com a normal abertura desta exposição, de indiscutível carácter artístico.
Transcrevo do PÚBLICO de anteontem algumas declarações de Hergott:
"O que é grave aqui é que a mais elevada forma de criação se veja reduzida ao ponto de parecer um delito. Que objectos de arte sejam tornados em objectos de delito criminal é inquietante e muito perigoso."
"O mundo mudou, a sociedade mudou e a lei mudou. A História não evolui linearmente, tem ciclos, e na Europa vivemos agora um momento de retrocesso... Hoje o mundo tem muito mais medo de tudo, e também de si mesmo."
"Esta exposição é extremamente educativa. Permite perceber a realidade, certas dificuldades. Para um adolescente, é uma grande educação visual: é como aprender a ler... Nós não nos começamos a interessar pela sexualidade aos 18 anos! Pensar isso é quase contra natura!"
Segundo Brett Gary, professor da Universidade de Nova Iorque: "A arte que provoca, que nos tira dos nossos modelos de olhar e pensar o mundo, que nos faz repensar categorias - como a de juventude e inocência - é fundamental. A sociedade decidiu que as crianças são inocentes e que essa inocência tem de ser protegida. Sabemos que elas se embebedam, se drogam e têm sexo, mas estas 'violações' passam-se fora do âmbito público. Não queremos ver isso, e quando queremos torna-se alarmante. O discurso do museu e da arte como categorias especiais é um dado adquirido. Mas esse mesmo discurso existe à volta das crianças, que decidimos que temos de proteger. Aquilo a que estamos a assistir é a uma colisão entre duas categorias especiais. Não é de solução fácil."
Se esta decisão tivesse sido tomada nos Estados Unidos, nada nos espantava. Estaria de acordo com a cultura dominante do puritanismo (hipócrita) reinante naquele país, onde se verificam e donde emanam os maiores atentados à moral universal. Mas em França, é difícil compreender este tipo de censura, que aliás se está a espalhar por toda a Europa (Union oblige). Ou talvez este processo faça parte de um desígnio maior de escravizar os europeus não só económica mas também culturalmente (moral incluída), a fim de reduzi-los a uma espécie de untermenschen, ideia que esteve em voga na Europa há meio século.
1 comentário:
Este caso Larry Clark levanta problemas muito sérios no plano das atitudes sociais,nomeadamente quanto à noção de "censura",que me parece que o autor do blogue aborda com alguma desenvoltura simplificadora,quando mereceriam outra reflexão que estes espaços infelizmente não propiciam. Para já,a exposição parisiense não é censurada nem interdita tout court,mas restrita a maiores de 18 anos. E,pelo que conheço da obra fotográfica e cinematográfica do Clark,bem. Não discuto a qualidade formal dos trabalhos,mas sim a natureza da temática e a colocação em lugar de prestígio exemplar que é habitualmente dado ao espaço museológico. Clark fotografou desde o 1º album,"Tulsa",os jovens marginais da sua terra em diversas situações reais de consumos de droga,de pré-suicídio,de prostituição,etc. Tinha todo o direito de o fazer,ninguem discute. Temos nós,ou as autoridades por nós o direito de promover essas situações como "exemplares",normais,aceitáveis,perante crianças e jovens de 10,11,12 anos? Não porque não tenham uns ou outros algum conhecimento próximo ou distante de factualidade semelhante,mas porque a sua exposição em Museu lhes confere ema respeitabilidade que creio que a sociedade não deve atribuir. Nessas idades,suponho que não há o distanciamento emocional e racional que o adulto terá. Vamos a outro exemplo,talvez mais difícil para a minha posição. Ninguem discute( ao contrário da obra de Clark) a qualidade e o valor de Pasolini. Mas se o autor tivessee (e não sei se tem) um filho ou filha de 11 ou 12 anos levá-lo-ia a ver,dando o aval do seu convite, o "Saló",apesar do valor da obra? Não acharia melhor esperar mais algum tempo? Não me parece uma questão de censura,mas de bom senso. E curiosamente,tanto o "Saló" como os filmes do Clark têem estado amplamente disponiveis nas nossas lojas. Mas uma coisa é a disponibilidade,outra é a promoção socio-cultural com alvo possivel para a primeira juventude. Quanto às ferroadas ao Sarkozy e aos E.U.A.,j'en passe,pois tradições censórias temos nós por cá que cheguem,desde a Real Mesa Censória e respectiva descendência. E que eu saiba o Clark é americano,como o Maplethorpe,como o inicio dos movimentos de libertação dos costumes dos anos 60,que só mais tarde pela cópia habitual chegaram às Europas. Mas resumindo o que interessa,claro que a lamentável actual sacralização da "criança" considerada como inocente e virginal até aos 18 anos é um disparate absurdo e patológico,mas "promover" junto dos miúdos as drogas,o suicídio e a prostituição,tambem não.
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