"L'enfer c'est les autres": palavras sábias de Jean-Paul Sartre em Huis-Clos.
Começa hoje, dia 1 de Julho, a longa caminhada de austeridade que conduzirá a maior parte dos portugueses a um limiar de miséria, senão à miséria tout court. Por culpa própria em alguns casos, mas especialmente por culpa dos outros, dos que nos governaram nas últimas décadas. Dos que nunca prestaram contas dos seus actos e, pior, dos que se aproveitaram dos dinheiros públicos para enriquecer.
Vão os portugueses atravessar um período de grandes dificuldades que se ignora quando terminará. A todos, ou melhor, à maior parte, é pedido que apertem o cinto, mas receio que se tenha atingido o último furo. Aliás o pedido de emagrecimento é feito ciclicamente, sem que nunca surja um convite em sentido contrário. Para onde foram os biliões de euros recebidos da União Europeia durante décadas? Uma percentagem para infraestruturas, para algum apoio ao Estado social, para a pretensa conversão de algumas actividades. Mas o resto? Não se sabe, nem se conhecem (nunca se conheceram) verdadeiramente as contas, nem a Justiça alguma vez descobriu o que quer que fosse. É a nossa sina.
Porque foi sistematicamente destruída a nossa agricultura, e as pescas, e alguma indústria? Por exigência da "Europa", por culpa da globalização que deslocaliza mercados, por mil e uma razões que hoje se afiguram insustentáveis. A entrada no euro trouxe vantagens ilusórias e consequências dramáticas. Será viável uma "Europa" nas actuais circunstâncias? A quem aproveita esta crise, porque as crises sempre aproveitaram a alguém?
Quanto teremos ainda de pagar para permanecer neste clube de regras estranhas onde a fortuna de poucos é construída sobre a miséria de muitos? "Quanto?", é a pergunta que Tosca fez ao Barão Scarpia. "Il prezzo?". Porque há sempre um preço, às vezes injustificado, mas há. O preço do Cristiano Ronaldo foi de cerca de 100 milhões de euros, mas por essa quantia pode comprar-se um Ronaldo. Há outros mais baratos. Há quem se venda ou alugue por 50 euros ou até menos.
Porque não podemos debater aqui todos os aspectos deste complexo problema, retomemos a expressão de Sartre: o inferno são os outros. Neste caso particular, os que desgovernaram o país em 35 anos de democracia; mas também os outros governantes europeus que servindo desígnios ocultos empurram o Velho Continente para o desastre, para sobre ele construírem, enfim, a paz. mas que só poderá ser aquela paz com que, na ópera, o Marquês de Posa invectiva Filipe II: "La pace dei sepolcri!".
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