Há na Baviera, e mais propriamente em Munique, duas figuras tutelares, uma publicamente exaltada, Ludwig II, a outra prudentemente silenciada, Adolf Hitler. Ambas são, todavia, omnipresentes.
Ludwig II, o "Rei-Virgem" ou o "Rei-Louco", ainda que nenhum dos cognomes tenha sido alguma vez comprovado, é uma figura emblemática da Baviera, não só como objecto de veneração, mas como produto turístico rentável.
Adolf Hitler, que a partir de Munique, para onde se mudou em 1913, impulsionou o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei - NSDAP), é o grande ausente, embora permaneça no pensamento dos bávaros pelas melhores e pelas piores razões.
Ambos acalentaram sonhos de grandeza e de poder. Ludwig, sonhava com a monarquia absoluta e venerava Luís XIV e Luís XV. Pinturas e esculturas do Rei-Sol adornam os seus palácios e castelos. Hitler, sonhava com um poder absoluto total, que conseguiu na Alemanha com a criação do III Reich e que pretendia estender a toda a Europa.
Ambos tributaram especial admiração a Richard Wagner, à sua música e também ao próprio homem. Ludwig, uma paixão pelas óperas e uma paixão por Richard que, julga-se, não terá sido fisicamente concretizada. Sendo homossexual, Ludwig recusou sistematicamente o casamento e mesmo quando, forçado pelas circunstâncias, aceitara casar com sua prima a princesa Sophie da Baviera, irmã da imperatriz Elisabeth da Áustria, anulou os esponsais dois dias antes da data prevista para a celebração do casamento. Hitler, e porque Wagner já tinha morrido, uma paixão pela sua música e as cordiais relações com a viúva do compositor, Cosima, com o filho Siegfried e com a nora Winifred (Winnie). O Führer tornou-se um frequentador assíduo de Bayreuth e, segundo a ficção elaborada por A.N. Wilson (Winnie and Wolf, tradução portuguesa com o título A Filha de Hitler), terá mantido uma relação com Winnie, de que nasceu uma filha. Esclareça-se que nessa ocasião Winnie enviuvara já de Siegfried, morto súbita e prematuramente de um ataque cardíaco, durante um dos Festivais de Bayreuth, de que era o director. Curiosamente, Siegfried também era homossexual e fora obrigado a casar pela mãe, aquando dos escândalos que na Alemanha envolveram as mais altas figuras políticas e militares, entre as quais o príncipe de Eulenbug, íntimo do Kaiser Wilhelm II. Não obstante, e apesar de assediar sistematicamente os rapazes do coro do Teatro de Bayreuth, Siegfried foi pai de quatro filhos, dois rapazes, que lhe sucederam na direcção do Festival, e duas raparigas.
Esta suposta paternidade de Hitler não passará todavia de uma bem construída ficção literária, já que Hitler era misógino e, com as maiores probabilidades, também homossexual. A esse respeito, deve ler-se o livro, de Lothar Machtan Hitlers Geheimnis (tradução portuguesa com o título A Face Oculta de Hitler), dotado de um aparato documental notável.
Os sonhos de grandeza de ambos tiveram um fim trágico: Ludwig delapidou o erário régio com a construção obsessiva de extravagantes palácios e castelos e, considerado mentalmente incapaz, foi deposto. Hitler, após uma recuperação económica do país e um renascer do orgulho alemão humilhado pelo Tratado de Versailles, desencadeou a Segunda Guerra Mundial que destruiu parte da Europa.
Ambos morreram suicidados ou assassinados, Ludwig no lago de Sternberg, no dia seguinte à sua deposição (continuaria formalmente como rei mas seu tio, o príncipe Luitpold assumiria a regência); Hitler, no bunker de Berlim. Não sabemos exactamente, e possivelmente nunca saberemos, as reais circunstâncias das suas mortes, apesar dos milhares de páginas que se escreveram sobre a matéria.
A verdade é que os espíritos de ambos, tão semelhantes e ao mesmo tempo tão diferentes, continuam a assombrar a Baviera.
2 comentários:
Tão iguais e de facto tão diferentes. Ambos com planos, alguns bem intencionados, mas incapazes de concretizá-los. A ambos tocou a marca da loucura. Poderiam ter sido, salvo alguns exageros, excelentes governantes. Foram o que se viu. Mas felicito o autor do blog pelo estabelecimento do paralelismo. Nunca é demais revisitar a História.
É verdade que os muniquenses estão razoavelmente saudosos de Hitler. Confirmei isso quando por lá passei. Mas também com tantos estrangeiros a residir na cidade, especialmente muçulmanos, e com indumentárias extravagantes não admira
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