domingo, 18 de março de 2018

VLADIMIR VLADIMIROVITCH PUTIN




Com cerca de 75% dos sufrágios expressos, Vladimir Vladimirovitch Putin foi reeleito presidente da Federação Russa, para um quarto mandato, que terminará em 2024. Os outros sete candidatos tiveram votações despiciendas, com excepção do comunista (milionário) Pavel Grudinin, à volta dos 12% e do ultranacionalista Vladimir Zhirinovsky, na ordem dos 6%.

O resultado obtido por Putin não constitui surpresa, na medida em que o presidente incarna os mais profundos sentimentos dos russos. Esta votação esmagadora traduz a vontade do povo na prossecução de uma política de afirmação da Velha Rússia na cena internacional, depois das humilhações sofridas no final da União Soviética e durante a presidência do ébrio Boris Yeltsin. Indubitavelmente, Putin restituiu aos russos a sua honra perdida nos anos de turbulência, em que o Mundo Ocidental assumiu com Gorbachov promessas que depois não cumpriu, a fim de promover o fim da União Soviética que foi, nas palavras de Putin, «a maior tragédia geopolítica do século XX». Existia um compromisso em troca do fim do comunismo: a não interferência ocidental nos países do bloco de Leste e muito menos nas antigas repúblicas da URSS. Pois, rapidamente, esses países ingressaram na União Europeia e na NATO e, pior do que isso, mesmo a Estónia, a Letónia e a Lituânia (antigas repúblicas soviéticas) seguiram o mesmo caminho. Pelo caminho, o Ocidente, com destaque para a Alemanha, o Vaticano e os EUA desencadearam o fim da Jugoslávia, num processo protagonizado por Bill Clinton e Madeleine Albright, a fim de serem instaladas bases militares americanas no Kosovo. Com a Ucrânia, as coisas não foram tão fáceis. Chegara a altura de Putin dizer NÃO. A queda de Yanukovitch e a instalação de um governo "ocidentalizante" em Kiev, levou o presidente a anexar a Crimeia (que aliás era russa e passara a ucraniana devido a uma estranha oferta de Nikita Khrustchov) e a apoiar os separatistas do Donbass, um situação que ainda não se encontra totalmente clarificada.

Também a intervenção russa na Síria é digna do maior aplauso. Os países ocidentais, por interesses geoestratégicos, ambições económicas ou simples caprichos, decidiram apoiar os rebeldes sírios, já então em conúbio com os terroristas do Daesh. Para evitar uma disseminação do terrorismo djihadista, Putin decidiu em boa hora intervir a favor da manutenção do regime legal sírio de Bashar Al-Assad, que preside um estado laico, não totalmente identificado com as chamadas "democracias liberais", é certo, mas mil vezes mais democrático do que a totalitária Arábia Saudita, tão incensada pelos próceres ocidentais. Eu, que estive na Síria algumas vezes, pude testemunhá-lo pessoalmente.

É verdade que existem na Rússia grupos económicos poderosos que aproveitando o fim da URSS oligarquizaram o sistema. Também é verdade que Putin tem estado constrangido a apoiar-se nesses grupos, bem como na Igreja Ortodoxa, cuja influência no país, apesar de décadas de comunismo, é muito poderosa. Tenho a certeza que Putin nutre alguma nostalgia pelo comunismo. Também sei, pelos contactos em visitas à Rússia e aos países de Leste ou pelos imigrantes desses países em Portugal, que todos acham que se vivia melhor no tempo do Comunismo (obviamente depois da época estaliniana, altamente repressiva). Com a legitimidade acrescida pela votação de hoje, seria bom que Putin promovesse uma certa re-socialização do país e se libertasse em alguma medida das pressões da Igreja Ortodoxa, ainda muito rígida em matéria de costumes.

Concluindo, penso que, a exemplo do que acabou de acontecer na China com Xi Jinping, a Constituição Russa possa ser alterada, a fim de permitir a reeleição de Putin para um quinto mandato, em 2024. Não é só a Rússia que precisa deste homem. O Mundo Ocidental, que tem estado entregue a líderes sem carisma nem projecto, carece da existência de estadistas com uma visão de futuro, que saibam definir um rumo, e prossegui-lo. No meio da mediocridade reinante, Vldimir Putin emerge como um dos poucos verdadeiros estadistas do mundo contemporâneo.


7 comentários:

Anónimo disse...

Excelente e muito sábia análise. Dá muito mais gosto ler os seus textos, que são verdadeiro serviço público, do que todos os mass media portugueses juntos, tirando uma ou outra excepção.Bem haja! Maria.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Muito obrigado, Maria.

M.G.P.MENDES disse...

Absolutamente de acordo com o seu texto!
EU SÓ NÃO PERCEBO PORQUE É QUE OS JORNALISTAS "DO OCIDENTE!" - COM RARAS EXCEPÇÕES PARA O GUARDIAN - CONTINUAM A SEGUIR A CARTILHA DISCURSIVA DOS GOVERNOS QUE NOS GOVERNAM...É UMA COMPLETA CONSPIRAÇÃO PROVOCATÓRIA...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

As "fake news" que certos governos agora querem proibir não emanam de "terceiros" mas desses próprios governos. É a desinformação promovida pelos Estados, servindo interesses que as pessoas realmente informadas contestam nos "media".

Anónimo disse...

De nada. Custa-me bastante ver o obscurantismo medieval regressar à União Europeia (e a grande parte do Ocidente), promovido pelos próprios governos sociopatas e comunicação social poodle em nome das novas ditaduras onde só a maldade, a brutalidade e a desumanidade impera. A maioria da população, ainda cega (até quando?) fica alienada com facebooks e fait divers bacocos e não desperta para a realidade. Como gado à espera no matadouro. É horrível esta letargia induzida. Maria.

Abraham Chevrolet disse...

De acordo com o que escreve. Porém notei duas pequenas frases que não me pareceram tão bem : faz notar "comunista milionário",exige-se voto de pobreza para o ser? Depois "época estaliniana,altamente repressiva": nem uma referência aos 30 milhões de mortos sofridos pela URSS na 2ª Guerra Mundial que ocorreu nesse período. Debaixo de fogo há liberdades que são mortais. Felizmente ganhou-se a Guerra.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA ABRAHAM CHEVROLET

Referi que o líder comunista era milionário porque existe na Rússia a convicção de que a imensa fortuna do mesmo foi obtida por processos que não se compadecem ou não se deveriam compadecer com a ideologia comunista.

Não fiz referência aos mortos da 2ª Guerra Mundial porque não vinha a propósito; agora o saudosismo que existe hoje na Rússia relativamente ao período comunista, e que é autêntico, refere-se a um período pós-estalinista. Não se pode ignorar os métodos que Estaline usou já muito depois do fim da Guerra e que tiveram mais a ver com o seu controlo pessoal do poder do que com o desenvolvimento do socialismo real. Esses métodos, denunciados pelo próprio Khrustchov, eram desnecessários.