quarta-feira, 7 de março de 2018
REVISITANDO A GUERRA DO GOLFO
O filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard (1929-2007) publicou em 1991, a propósito da Guerra do Golfo, três textos fundamentais: La guerre du Golfe n'aura pas lieu, La guerre du Golfe a-t-elle vraiment lieu? e La guerre du Golfe n'a pas eu lieu, antes, durante e depois do conflito. Neles, o notável pensador questiona-se, como de resto na maior parte da sua vasta obra, sobre a "verdade absoluta" e o sistema dos signos. Baudrillard é um crítico da expansão contínua das novas tecnologias geradoras de uma intoxicação mediática, que ultrapassa os limites da absorção da informação, e criadoras de um "feudalismo tecnológico", que engendra uma servidão voluntária.
Os textos em questão foram editados em 1991, sob o título do último, e constituem uma desmontagem de toda a propaganda norte-americana a propósito da primeira guerra transmitida em directo pela televisão (esta guerra mobilizou tanto os militares como os jornalistas), técnica utilizada mais tarde na invasão do Iraque em 2003, a que o filósofo francês ainda assistiu.
São pertinentes, e prenhes de corrosivo humor, as considerações sobre esta "não-guerra" (a de 2003 haveria de ser trágica para o Iraque e para o Mundo) desencadeada por Bush Pai, continuada em outros termos por Bill Clinton, e finalizada por Bush Filho, um dos grandes criminosos do nosso tempo.
Este psicodrama, que de alguma forma contou com a conivência de Saddam Hussein, um antigo aliado dos EUA na guerra com o Irão, foi um dos grandes embustes do fim do século passado, como o havia sido igualmente, em 1989, a "insurreição" de Timisoara, «un des plus beaux bluffs, un des plus beaux mirages collectifs de l'Histoire contemporaine.» (p. 68)
A campanha de des(informação) levada a cabo pelas televisões mainstream a propósito da guerra na Síria, especialmente nas últimas semanas, convidou-me a reler o livro de Jean Baudrillard, o que me proporcionou grande satisfação, por constatar que a mistificação tecnológica evocada pelo filósofo francês continua presente, com muito maior acuidade, neste conflito sem dúvida sangrento onde se convencionou (isto é, o Ocidente) estabelecer a priori qual é o lado bom e o lado mau da guerra.
Sem pretender expor o riquíssimo pensamento de Baudrillard nesta obra, não resisto a fazer a transcrição de três pequenas passagens:
«Il est quand même admirable que nous traitions les Arabes, les Musulmans, d'intégristes, avec la même répulsion que nous traitons quelqu'un de raciste, alors que nous vivons dans une société typiquement intégriste, quoique simultanément en voies de désintégration. Nous ne pratiquons pas l'intégrisme fondamentaliste dur, nous pratiquons l'intégrisme démocratique mou, subtil et honteux, celui du consensus. Cependant, l'intégrisme consensuel (celui des Lumières, des Droits de l'homme, de la gauche au pouvoir, de l'intellectuel repenti, de l'humanisme sentimental) est tout aussi féroce que celui de n'importe quelle religion tribale ou société primitive.» (pp. 89-90)
«Variante de Clausewitz: la non-guerre, c'est l'absence de politique poursuivie par d'autres moyens...» (p. 95)
«Dans ce sens, le consensus comme degré zéro de la démocratie et l'information comme degré zero de l'opinion sont en afinité totale: le Nouvel Ordre Mondial sera à la fois consensuel et télévisuel. C'est bien pourquoi les bombardements ciblés ont soigneusement épargné les antennes de la télévision irakienne (qui crèvent pourtant l'oeil dans le ciel de Bagdad). La guerre n'est plus ce qu'elle était...» (p. 97-8)
VOILÀ!
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