sexta-feira, 2 de março de 2018

O ANTI-SEMITISMO




O intelectual e universitário francês Pascal Boniface, fundador e director do IRIS (Institut de relations internationales et stratégiques), conferencista e presença frequente na imprensa, rádio e televisão, autor de numerosas obras, acaba de publicar L'Antisémite, livro em que refuta as acusações de anti-semitismo que lhe têm sido dirigidas pelos meios judaicos franceses, pelo facto de defender a existência de um Estado Palestiniano, aliás conforme determinação das Nações Unidas em 1947.

Essas acusações, que acabam por envolver também o IRIS, e até a sua família e colaboradores e amigos, constituem um assassinato de carácter, na medida em que Pascal Boniface jamais foi anti-semita, conforme prova no livro,  antes tem condenado muitas vezes e publicamente o anti-semitismo e o racismo. O que Boniface critica é a política dos sucessivos governos israelitas em relação aos palestinianos e ao seu direito a dispor de um estado soberano o que, convenhamos, está contemplado pelo direito internacional e é da mais elementar justiça.

Por causa destas sistemáticas acusações, Pascal Boniface foi constrangido a abandonar o Partido Socialista francês, onde conta, todavia, com numerosas amizades. E o IRIS tem sido objecto de uma campanha infame com vista a que lhe sejam retirados os parcos subsídios que aquele recebe do Estado francês.

Nos últimos anos, estabeleceu-se, propositadamente, no Ocidente uma grande confusão entre anti-semitismo, anti-sionismo, anti-Israel, etc., o que provocou uma amálgama de conceitos tendentes a rotular de anti-semitas todas as pessoas que não subscrevem alegremente as acções mais violentas do regime de Telavive. Assim, quem é contra as políticas dos governos israelitas é contra a existência de Israel, o que é uma conclusão no mínimo absurda. Lembramo-nos nós de que os próprios judeus religiosos mais ortodoxos foram inicalmente contra a criação do Estado de Israel, pretendendo que os judeus permanecessem nas terras onde viviam...

Não são só os não judeus que são alvo da ira do lobby judaico francês. Alguns judeus ilustres, como Rony Brauman, Esther Benbassa, Dominique Vidal, Alain Gresh, Stéphane Hessel, Edgar Morin, Charles Enderlin, têm sido sofrido ataques infames por se atreveram a criticar os governos israelitas. Existe uma atitude por parte do CRIF (Conseil Représentatif des Institutions juives de France) tendente a afastar da vida pública os indíviduos e instituições que se atrevam a emitir reservas sobre a política israelita, invocando-se sempre o pretexto de que as criticas ao governo de Israel contribuem para um aumento do anti-semitismo, o que é comprovadamente uma falácia.

Sustenta Boniface que o anti-semitismo em França é hoje muito inferior ao que existia no fim da Segunda Guerra Mundial. Segundo este, são anti-semitas os partidários de uma extrema-direita pura e dura que não despareceu e um número de jovens franceses de origem árabe, ainda que não verdadeiramente maioritário, na medida em que a posição geral dos jovens beurs é fundamentalmente contra a política de Israel respeitante à questão da Palestina, posição aliás partilhada por grande parte da população francesa. Só que hoje quaisquer actos assumem uma visibilidade que não possuíam há algumas décadas e alguns ataques terroristas registados contra judeus obtiveram uma divulgação de uma amplitude só possível nos nossos dias.

O número da revista "L'Obs"  (2779) de algumas semanas atrás consagrou um dossier a "Le Nouvel Antisémitisme", com depoimentos inflamados, especialmente de Pierre-André Taguieff. A publicação deste trabalho insere-se na linha editorial da revista e destina-se a demonstrar uma grande preocupação pelo crescimento, suposto, das tendências anti-semitas em França e noutros países da Europa. Assim, haveria uma vaga inusitada de anti-semitismo que exigiria a adopção de medidas extraordinárias de protecção das comunidades judaicas, medidas de excepção que se traduzem sempre, como sabemos, num cerceamento das liberdades públicas.

É hoje por demais evidente que a campanha conduzida pelo lobby judaico no sentido de promover um crescente clima de medo interessa principalmente a Israel, pois leva a um constrangimento de expressão daqueles que entendem dever condenar a sistemática violação dos direitos dos palestinianos. Só que, a longo prazo, creio que tal atitude acabará por resultar contraproducente aos próprios interesses de Telavive. Isso já foi compreendido por muitos judeus franceses esclarecidos que tentam, contra ventos e marés, assumir uma posição de independência no delicado problema da Questão Palestiniana.

Condeno naturalmente todos e quaisquer ataques a judeus, como igualmente condeno ataques a cristãos ou muçulmanos, ou quaisquer outros motivados por razões étnicas ou religiosas. Mas penso que o exacerbar da questão do anti-semitismo em França terá como resultado um efeito contrário ao supostamente pretendido: é que os franceses, mesmo os mais anti-racistas e anti-xenófobos começam a alienar as suas simpatias relativamente a Israel, considerando que se trata de uma questão que está a ser artificialmente empolada. E tudo o que entra numa espiral injustificada acaba por se traduzir num efeito contrário.


3 comentários:

Zephyrus disse...

Curiosamente ninguem fala do terrivel desaparecimento das comunidades religiosas do Medio Oriente. Quantos cristaos assirios havia, em percentagem da populacao do Norte do Iraque, antes da Primeira Guerra, e quantos ha agora? E cristaos sirios? Coptas egipcios? Maniqueistas? Sufis? E ha mais, o que mexe com misterios que o Ocidente ignora, mas os C-l-i-n-t-o-n sao tao cultos que devem saber, oh oh... ja agora, os druzos apoiam Israel com unhas e dentes. Mas depois temos aqueles que os portugueses no seculo XVI chamaram cristaos de Sao Joao baptista, que viviam entre o Iraque e o Irao, ja so restarao 5 mil almas... esses que rejeitam o que os outros adoram e para quem a verdade esta em Sao Joao. Gurdjieff andou por la e tera encontrado a chave... misterios do Medio Oriente onde Israel e apenas uma peca do puzzle. Que misterio e este que alegadamente se esconde algures naquela regiao? Ai nasceu o Budismo, no Afeganistao, o Hinduismo, o judaismo, Islao, cristianismo, la foi Pitagoras para ser iniciado, bem como outros gregos iniciados... de la veio o culto a Isia, a Moloch, la nasceu a Astrologia, todo o corpo daquele conhecimento, aquele... de la veio a lingua indo-europeia, a raca branca que ocupou a Europa apos a Idade do Gelo, o homem branco de barba densa e com pelos corporais, misterios, misterios...

Zephyrus disse...

Qual o verdadeiro significado da palavra Israel na Biblia, e de povo de Israel? Por aqui me fico, pois ha ja toquei em coisas que nao se devem mencionar. Fica apenas o convite a reflexao.

Adriano disse...

Não me parece que a tendência de identificação da politica israelita com o judaismo em geral esteja tão triunfante como se pretende neste espaço. Basta ir lendo o mais importante jornal israelita,o Haaretz,com edição em inglês na Net,para constatar algumas das mais impiedosas criticas contra o sr. Netaniahu e a sua politica. Basta ir lendo a prestigiosa New York Review of Books,com grande componente judaica no seu corpo de redactores e colaboradores para contactar tambem com bem elaboradas e severas criticas à actual politica israelita. As vozes judaicas e israelitas contra a politica presente de Israel são substanciais e desassombradas. O anti-semitismo é outra coisa,e está de facto em aumento em França. Os ataques aos cemitérios judaicos,aos lugares de memória das perseguições,mesmo às sinagogas,não são protestos anti-Netaniahu,são anti-semitismo puro e duro,e não será o sr. Boniface que me convencerá do contrário. Voilà.