quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

SALAZAR E A PASSAGEM DO TEMPO



Acabei de ler o livro Salazar e o Poder - A Arte de Saber Durar, de Fernando Rosas. Trata-se de um estudo objectivo e bem documentado ( Rosas indica as fontes de quase todas as citações, o que é imprescindível para a credibilidade de uma obra), dando-nos a sua visão não só de como Salazar obteve o poder, mas como conseguiu conservá-lo até à morte (cerebral).

Começa Fernando Rosas por desmistificar (e desmitificar) o que teria sido o passeio triunfal de Salazar para chegar à cadeira de São Bento. Desde a Revolução de 28 de Maio de 1926 até à sua exoneração da chefia do Governo por Américo Tomás, em 27 de Setembro de 1968, António de Oliveira Salazar é o mais influente político do século XX português.

Ingressa no gabinete de Mendes Cabeçadas a 12 de Junho de 1926, como ministro das Finanças, mas demite-se logo a seguir, na sequência do golpe militar (17 de Junho) que levou à substituição de Cabeçadas por Gomes da Costa. Volta para Coimbra e só regressa a Lisboa, definitivamente, para reassumir as Finanças, no ministério de Vicente de Freitas, a 27 de Abril de 1928, proferindo, no discurso de tomada de posse, a frase que se celebrizou: «Sei muito bem o que quero e para onde vou...».

Por demissão do presidente do Conselho, Domingos de Oliveira, Carmona nomeia Salazar para a chefia do Governo a 29 de Junho de 1932, tomando posse a 5 de Julho. Lugar que conservará, através de muitas vicissitudes, especialmente nos primeiros e nos últimos anos do mandato, até ao fim da sua vida (política) , em 1968, pois só viria a falecer (devido ao acidente que o incapacitou) a 27 de Julho de 1970.

É Fernando Rosas um especialista de Salazar, do Estado Novo, da 1ª República e, em geral, dos séculos XIX, XX e XXI portugueses. Já se preocupara com a longa duração do poder de Salazar no capítulo I da obra colectiva Salazar e o Salazarismo, publicada em 1989. No livro ora em análise, pretende o autor encontrar uma explicação mais detalhada para a longevidade política do chefe do Estado Novo. Sustenta Fernando Rosas que Salazar conquistou o poder (ainda que não absoluto), "passo a passo", em seis passos sucessivos: 1) Derrotar o reviralhismo e o movimento operário; 2) Transmutar-se de "mago das finanças" em chefe político da contra-revolução; 3) Afastar os militares republicanos da chefia do Governo e da Ditadura; 4) Estabelecer o acordo final com os militares republicanos e a institucionalização do regime; 5) Disciplinar e integrar o nacional-sindicalismo; 6) Unir numa só força, as várias direitas da direita. Um trabalho árduo, temos de concordar, para quem, como António Ferro o apresenta nas suas entrevistas: «Salazar é um homem só, acima da intriga e das conspirações políticas, sem aliados nem alianças, que só aceita, contrariadamente  (e não contrariamente, como vem escrito a páginas 49 do livro), sair do seu esplêndido isolamento para salvar a pátria».

Deve referir-se que uma obra analítica tão detalhada como esta de Fernando Rosas merecia uma cuidadosa revisão tipográfica. Abundam as gralhas. Ora se escreve Pio XI em vez de Pio XII, ora se refere Beleza Forjaz em vez de Beleza Ferraz, etc., ora se verificam falhas de concordância ortográfica, estas de menor importância. Uma atenção a ter com a eventual reedição da obra.

Acrescente-se, ainda, que no ensejo de nos proporcionar a leitura que pretende quanto à "arte de saber durar" de Salazar, o autor é obrigado (ou se obriga) a um vai-vem cronológico dos acontecimentos, que desorienta o leitor menos informado do período em apreço. À medida que percorremos a obra, tão depressa estamos no ano X como no ano Y como no ano Y-2 ou no ano X+3.

O livro está escrito na perspectiva ideológica de Fernando Rosas, mas é, antes de mais, obra de um historiador e não de um mero propagandista político. A referência à contestação do salazarismo dos primeiros anos, quer da Ditadura, quer do Estado Novo, é real, mas ela provinha, em especial (mas não exclusivamente) dos próprios políticos e militares da época (monárquicos, anarco-sindicalistas, ultra-direitistas, republicanos de direita e de esquerda, católicos ultramontanos, socialistas, comunistas, etc.); e não tanto da generalidade do "povo comum". Este pretendia, entre outras coisas, a tranquilidade, a segurança, mesmo, talvez, o "viver habitualmente" tão caro a Salazar, farto que estava das revoluções, das barricadas, dos tiroteios, dos pronunciamentos militares, dos assaltos, da confusão permanente que se vivia em Portugal desde os fins da Monarquia e durante toda a Primeira República (como muitas vezes ouvi dizer a meus pais, ambos nascidos ainda no tempo de D. Carlos). Não o refere Fernando Rosas no livro, mas essa terá sido também uma das razões que levou à consolidação do poder de Salazar, embora não explique a sua longevidade, dado que a partir especialmente do fim da Segunda Guerra Mundial, mormente depois da candidatura de Humberto Delgado e da abortada conspiração de Botelho Moniz, e com um problema colonial às costas, tão contrário aos "ventos da história", o povo português ansiasse por uma mudança de regime.

Teve a mudança de chefe do governo, mas Marcelo Caetano, excelente professor de Direito, não era (e não foi) o homem da mudança, por incapacidade própria mais do que por pressões alheias. Ambicioso, convencido, mas sempre hesitante, faltaram-lhe as qualidades que se exigem a um autêntico estadista.

A mudança só viria a 25 de Abril de 1974, verdadeiramente sem outro projecto abrangente (comungado se não por todos pelo menos pela esmagadora maioria) que não fosse o derrube do regime, e que, após 25 de Novembro de 1975, se saldaria pelo Estado que hoje temos, uma democracia formal, como a maioria das suas congéneres europeias, em que os legítimos direitos dos cidadãos são progressivamente postergados a favor de um sistema económico-social cada vez mais inegualitário e injusto.

Muito mais haveria a escrever sobre o livro de Fernando Rosas, mas nem este é o espaço próprio, nem eu sou o especialista habilitado a dissecar a obra.


5 comentários:

Anónimo disse...

Folheei o livro quando saiu,e pareceu-me nada ou pouco trazer de novo,limitando-se a rearranjar o que já é bem conhecido e estudado sobre a figura e a época. Mais tarde tentei apesar de tudo adquiri-lo mas estava esgotado pelo menos naquela livraria.No entanto,permito-me duas observações,uma da minha autoria,outra alheia,baseando-me exclusivamente no post.
1) Não vejo qualquer referência a uma das preocupações fundamentais de Salazar para a sobrevivência do regime:os sucessos na política externa. Tinha perfeita consciência que o futuro do regime dependia ao longo dos tempos do desfecho de conflitos e evoluções no plano mundial,em que a posição do país era apreciada ou eventualmente atacada. Foi assim na Guerra de Espanha,na 2ªGuerra,na reorganização dos interesses euro-atlânticos no Pós-Guerra. A documentação é abundante,desde o Livro Branco do MNE,ás correspondências com Teotónio,Armindo Monteiro,Alfredo Pimenta,etc. Estranho que Rosas não tenha dado o devido relevo a este aspecto fundamental da acção de Salazar com vista à continuidade do seu "Estado Novo". E não nos equivoquemos com ideias feitas. Já em 39,repito 39,ele contradizia Pimenta,considerando que o regime estaria em melhores condições de sobrevivência com a vitória das democracias do que com o triunfo das das ditaduras,como pretendia o futuro director da Torre do Tombo.

Como a ignorância do espaço disponivel dos comentários é preocupante,prossigo em próximo texto

Anónimo disse...

2) Estando nos antípodas das orientações políticas do autor do blogue,limito-me quanto ao (para mim) infeliz ultimo parágrafo do post,a transcrever um texto que parece elaborado propositadamente para responder ao pensamento do autor sobre o pós-25 de Abril:
"Quando se olha para estes 40 anos,acho que os portugueses se devem orgulhar. Fizemos uma mudança de regime;instaurámos a democracia;fizemos uma descolonização;tivemos dois choques petrolíferos e um PREC;aderimos à UE e à moeda única;fizemos uma revolução na saúde;modernizámos as infraestruturas;introduzimos profundas alterações na educação,nas Forças Armadas e nas forças de segurança...Há algum país europeu que tenha feito um trabalho tão importante em tão pouco tempo?"

Autor: Gen. Ramalho Eanes
Data:Ontem,26 de Janeiro de 2013
Fonte:"Expresso",da mesma data.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DO DIA 27:

Como conhece o caro comentador as minhas orientações políticas, para estar nos antípodas delas???

Tenho muito gosto em esclarecê-lo que não sigo qualquer cartilha oficial. Penso apenas pela minha cabeça, a partir do que estudo, do que observo e do que tenho aprendido com alguns mestres ao longo do tempo. Por isso, tanto posso estar mais próximo de uma ideologia A como de uma ideologia B, de nenhuma, ou até, paradoxalmente, de ambas!

Espero tranquilizá-lo com esta breve explicação.

Anónimo disse...

Acompanhando este blogue desde a sua "fundação" em Janeiro de 2009,salvo erro,e presumindo que é de autoria única,é natural que refira as opiniões do autor,embora pudesse ter mencionado as opiniões ou orientações do blogue. Ao longo de quatro anos evidentemente apuram-se necessàriamente linhas de pensamento,"orientações",que não implicam que o autor esteja vinculado a qualquer cartilha ou escola,mas que tem ideias firmes sobre muitos temas políticos,sociais,culturais,etc. Assim,tomei uma dessas opiniões claramente expressa no parágrafo em questão,quanto ao ataque aos direitos dos cidadãos e ao caminho para crescentes injustiças sociais a partir do 25 de Novembro de 1975,para contrapor a opinião oposta,julgo,do Gen. Ramalho Eanes,que até teve um papel muito relevante e positivo (para mim) no mesmo 25 de Novembro. É só isto.

jrocha disse...

Salazar Pagou as dividas,disciplinou o País, reestroturou, construiu instalações e adquiriu meios com condições minimas que não existiam, para os três ramos das forças armadas, comprou os primeiros Submarinos para Portugal, Construiu o LENEC, O LNET o ISTEC o ISEC o laboratório nuclear da Bobadela o mais equpado tecnologicamente à epoca em toda a Europa, A Praça do império o mnumento aos decobrimentos o Cristo Rei os maiores hospitais do País como Santa Maria o São joão o IPOLxº e Porto Egas Moniz das doenças tropicais, terminou as obras do Panteão Nacional construiu milhares de KM de estradas,dezenas de Pontes onde se inclui a Ponte Salazar em Lisboa e a Ponte Salazar na foz do mondego uma grande obra de arte actualmente submerssa, centenas de KM de caminhos de ferro, Milhares de escolas Primarias(17.500)liceus em todas as capitais de distrito, as cidades Universitaárias de Lxª e Coimbra, o Estádio Nacional e o Estadio Primeiro de Maio,Tudo isto e muito mais. Mas o mais importante, é que foi tudo foi feito com mão de obra e pago com dinheriro português. Não deixou dividas para as gerações vindouras pagarem,Deixou ainda nos cofres do Estado 200Milhões de contos e 860Toneladas de Ouro e um Portugal prestigiado em todo o mundo mesmo no mundo dos seus inimigos ou adversários. E estes que vieram depois do famigerado 25 de Abril de setenta e quatro? Gastaram os 200Milhões de Contos, gastaram mais de 500Toneladas de Ouro e não as ghastaram todas por que as leis internacionais o não permitem, empenharam o País em mais 200mil milhões de Euros para as gerações vindouras pagarem talvez durante mais uns quarenta anos. O que quer dizer que Salazar em 40anos pagou as dividas, que que tal como agora,pareciam impagáveis, construiu o que se sabe tudo com dinheiro português arrecadou o que se sabe, comparando com ele Salazar estes depois do 25 de Abril de setenta e quatro Não fizeram mesmo nada, porque o que fizeram até hoje, é para as gerações vindouras pagarem. Assim até um Analfabeto constroi para os outros pagarem. Se hovesse de facto democracia em Portugal, e se pesassemos os Pòs, e os Contras, (Contras quase invisiveis) de Salazar este homem estava no Panteão Nacional. Basta recordar que ao fim de 40anos de Poder este Homem Salazar estava mais Pobre que quando chegou ao Poder. Só este contraste com os falsos democratas de hoje, que não servem o País, mas se servem do País, Assaltando sem pudor o Herário publico! É caso para repetir e exigir Salazar ao Panteão Nacional. Viva Salazar Viva Portugal.Jose rocha V. Boa Castro Daire.