segunda-feira, 21 de março de 2011

O MEDITERRÂNEO DO DESASSOSSEGO




A vaga de contestação ao poder vigente iniciada na Tunísia no passado mês de Dezembro, e que progressivamente  alastrou a todo o mundo árabe, está a registar o seu episódio mais sangrento na Líbia de Muammar Qaddafi.

Tripoli - Hotel Al-Waddan

Ao contrário de Ben Ali e de Mubarak, que foram forçados a renunciar ao poder pelos exércitos respectivos, o coronel insistiu em manter-se à frente dos destinos do país, onde permanece desde há 42 anos. A sua teimosia está a provocar uma catástrofe para o povo líbio e um problema acrescido para a chamada comunidade internacional.

Tripoli - Praça Verde (As-Sadah al-Kadrah)

É certo que após o entusiasmo provocado pelas sublevações tunisina e egípcia contra os respectivos regimes ditatoriais, o mundo dito livre não poderia ficar indiferente à forma escolhida para Qaddafi para responder aos seus opositores, isto é, eliminando-os. Os outros regimes com problemas semelhantes têm tentado, vamos ver até quando, através de mudanças constitucionais, de governo, de melhoria do nível de vida, sobreviver à contestação generalizada do povo árabe que julga ser o momento, após séculos de dominação colonial (otomanos, franceses, ingleses, italianos, americanos, russos, etc.), de readquirir o brilho dos tempos passados. Isso explica as manifestações no Marrocos, na Argélia, na Arábia Saudita, no Iémen, na Síria, no Bahrein, no Omã, na Palestina (um problema ainda mais complexo), no Sudão ( desmembrado), no Líbano (sempre em equilíbrio instável), ou em menor grau nos Emirados Árabes Unidos, no Kuwait e no Qatar.

Tripoli - Castelo (Assai al-Hamra)

A criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia surgiu como a forma mais expedita para impedir Qaddafi de exterminar os seus compatriotas e de proporcionar aos opositores líbios o acesso a instituições minimamente democráticas, já que a Jamahiriya é um regime de "democracia popular" inteiramente subordinado ao poder do Chefe. Para evitar os antecedentes ilegais aquando da invasão do Iraque, foi obtido consenso no Conselho de Segurança das Nações Unidas e entregue a uma coligação ad hoc o encargo de fazer cumprir as determinações daquela organização internacional.

Tripoli - Castelo (Assai al-Hamra)

Não se tratou, por enquanto, de um ataque da NATO, mas de um grupo de países que assumiu a penosa tarefa. Os Estados Unidos, a quem coube o comando das (primeiras) operações, a França, o Reino Unido, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a Itália, a Grécia e alguns países árabes.

Tripoli - Mesquita central em obras (Antiga Catedral)

Esta intervenção militar, se parece ser imprescindível, é todavia discutível na forma, tendo em conta, especialmente, os antecedentes das relações do regime do coronel com o "Ocidente" nos últimos anos, depois da conversão forçada que Qaddafi fizera através dos bons ofícios de Tony Blair (sempre esta personagem em todos os acontecimentos trágicos das últimas décadas). 

Tripoli - Loja no suq

Também o anúncio solene e descabido de Nicolas Sarkozy, ao assumir-se como porta-voz da "coligação" constitui um erro político de incalculáveis consequências. Sarkozy é uma personagem menor que desonra a França, depois de chefes de Estado com grandeza e dignidade como De Gaulle, Pompidou, Giscard, Mitterrand ou Chirac, independentemente das respectivas convicções políticas.

Tripoli - Museu da Jamahiriya

É hoje um facto que a soberania dos estados é um mito e que depois de ter surgido no direito internacional a figura do "direito de ingerência" apareceu outra, ainda mais sofisticada, creio que devida a Bernard Kouchner: o "dever de ingerência". A partir daqui, qualquer estado, ou coligação, pode invadir outro sob que pretexto for. Foi assim com os Balcãs, o Afeganistão, o Iraque, etc.

Tripoli - Museu

Tenho por adquirido que, sem intervenção externa, Qaddafi, que ainda dispõe de alguns apoiantes e especialmente de razoável armamento, esmagaria em poucos dias a insurreição contra o seu regime, latente desde há décadas. Mas parece que o figurino para a actual intervenção não é o mais adequado. Desde a citada comunicação de Sarkozy "ao mundo" ao processo utilizado, que não deixará de provocar centenas de mortos e milhares de feridos, ainda que se tenha excluído ab initio uma intervenção terrestre (pelo menos pública). A China, a Rússia e o Brasil, todavia abstencionistas no Conselho de Segurança, já criticaram esta acção militar. Haveria alternativas?

Tripoli - Museu

Claro que o que principalmente conta para as grandes potências não são as vidas humanas mas o petróleo líbio. Sempre os interesses materiais a sobreporem-se às questões morais. Se a Líbia não tivesse petróleo desconfio que tivesse sido desencadeada  semelhante operação. Sem prejuízo de Muammar Qaddafi não ser uma pessoa frequentável.

Tripoli - Museu

O coronel ameaçou tornar o Mediterrâneo num inferno. Para garantir a sua sobrevivência e a sua imagem não duvido que o fará se puder.

Tripoli - Museu

Espero que, ao contrário do incomensurável desastre cultural em que se traduziu a intervenção no Iraque, sejam preservados os sítios arqueológicos da Líbia, de inestimável valor (as ruínas de Leptis Magna e Sabratha são os mais importantes vestígios romanos em África), bem como as preciosidades do Museu Nacional.

Tripoli - Museu (Carro de Muammar Qaddafi aquando da Revolução de 1969)
Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos.

Tripoli - Arco de Marco Aurélio

2 comentários:

O tal leitor disse...

Fico particularmente impressionado com a inegável relevância estética e histórica do "carocha" do coronel em 1969,quase fazendo sombra à interessante estatuária que o autor paaou anteriormene,infelizmente sem a proximidade e a iluminação que obteria em trabalho profissional,pois parecem ser clichés do próprio. A Líbia deve fazer parte da Convenção da Unesco sobre a protecção do Património em tempo de guerra,que infelizmente ficou no papel quando do saque do museu de Bagdad. Façamos votos para que os bens e os sítios romanos sejam devidamente protegidos.
E noutro registo,duvido que as actuais revoltas populares árabes tenham prioritàriamente em vista a recuperação do tal "brilho" histórico(talvez o do tempo em que eram eles os colonizadores imperialitas do Norte de África,da Peninsula Ibérica,do Médio Oriente não árabe,etc). Parece-me bem que aspiram simplesmente por novos regimes mais livres e menos corruptos,e por melhores condições económicas. Não será?

Anónimo disse...

Esperemos que Khadafi caia o mais depressa possível. É um assassino e um louco, um criminoso contra o seu povo. Os líbios, na sua maioria, estão fartos dele.