sábado, 12 de março de 2011
A MANIFESTAÇÃO CONTRA O REGIME
A manifestação dita da "Geração à rasca", convocada através das redes sociais e do correio electrónico, não foi apenas uma manifestação da juventude em protesto contra a falta de emprego e as más condições sociais, foi também uma manifestação da população contra o actual regime político. Congregou gente da extrema-direita à extrema-esquerda e reuniu, nas várias cidades onde foi convocada, Lisboa à cabeça, cerca de meio milhão de pessoas.
É grande a revolta contra a forma como o país tem sido governado nas últimas décadas, e nem mesmo o recente apelo de Cavaco Silva a um "sobressalto cívico", que lembra o "direito à indignação" defendido por Mário Soares, proclamações que surgiram com décadas de atraso, é suficiente para redimir as atrocidades políticas da III República.
Não se trata já de uma questão de governo, mas de regime. O sistema político português está esgotado, como o estão os sistemas políticos dos outros países que integram a famigerada União Europeia. As manifestações em Portugal são o prelúdio, nalguma coisa às vezes somos pioneiros (como nos Descobrimentos), de outras manifestações que terão lugar por toda a Europa. Paris viu há alguns anos graves perturbações nos seus subúrbios, atribuídas indevida e especialmente aos árabes, mas que eram protestos violentos de todos os franceses.
A contestação que actualmente se verifica no mundo árabe, que já provocou a queda dos regimes tunisino e egípcio e que ameaça fortemente o regime líbio, apesar da repressão de Qaddafi, e que já provocou alterações constitucionais e governamentais na maior parte dos países árabes, rapidamente se alargará aos outros continentes.
Seja pela falta de liberdade, seja pela pauperização do nível de vida ou pela especulação económica e financeira, pela degradação ambiental, pela tecnologização forçada da vida pública e privada, sempre sujeita a desnecessários up-grades, os povos sentem que não só estão a destruir o seu corpo como a alienar o seu espírito.
Ignoro quais serão os efeitos imediatos das manifestações de hoje. Não se pretende "mudar tudo para que tudo fique na mesma", como diria o príncipe Fabrizio de Salina, no romance de Lampedusa (ilha da qual hoje muito se fala), Il Gattopardo. Mas é indispensável mudar alguma coisa, para que alguma coisa mude.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Continua-se a lamentar que o autor do blogue não nos esclareça minimamente sobre as características do regime que gostaria de ver instalado no país. Na medida em que se supõe que mudar o regime significa necessàriamente mudar a Constituição ou aboli-la,já sabemos que não poderá contar com o Presidente,que acabou de jurar cumpri-la e fazê-la cumprir. Com a actual Assembleia,eleita não há muito,não se antevêm quaisquer intenções de alterar substancialmente a Constituição vigente. Resta pois um golpe revolucionário, de que não se viram sinais expressos na manifestação de hoje,mas pode ser distracção minha,pois não participei na mesma. Mas esse golpe revolucionário que aparentemente o autor propõe,dirige-se para onde e para quê? Até um golpe não muito elaborado politicamente como o do 25 de Abril,tinha um programa consistente resumido nos 3 Ds,Democracia,Desenvolvimento e Descolonização,na minha opinião pessoal bem sucedido no 1º e no 3º items. Mas qual é então agora o programa para mudar de regime? Que novo regime? Que objectivos realistas? Há que saber,pois não creio que se deva apelar às massas para mudar,por mudar,eventualmente para pior,ou para o desconhecido.
PARA O ANÓNIMO DAS 01.51:
Lamento não ter a resposta possivelmente desejada pelo comentador.
Uma manifestação de indignação, um sobressalto cívico, não implicam a existência de um programa de governo ou de um projecto definido de alteração do regime.
Os tunisinos e os egípcios que derrubaram Ben Ali e Mubarak e os líbios que tentam desembaraçar-se de Qaddafi, tiveram como único objectivo uma alteração do regime que vigorava naqueles países. Não sabiam, e não sabem ainda, o que vai suceder-lhe, mas presumem que seja melhor do que o que estava.
A manifestação de ontem, agrupando pessoas de todos os quadrantes políticos representados (ou não) no Parlamento, não foi uma manifestação apenas contra o presidente da República (que foi primeiro-ministro durante uma década, salvo erro) ou contra o actual primeiro-ministro. Foi uma geral manifestação de desagrado contra o regime político e os seus representantes.
Presumo que é inevitável uma alteração da Constituição, de forma a que o país seja mais bem governado, que haja uma clara imposição de regras que evitem a corrupção que se está a tornar endémica na vida nacional, que se reforme o sistema judicial de forma a torná-lo menos corporativo e mais eficaz, que se estabeleça uma inequívoca definição das prioridades do país, que se promova o restabelecimento do nível de vida da classe média, sem a qual, como a História nos ensina, nenhum regime subsiste, que se proceda à equitativa distribuição dos "sacrifícios" que são exigidos ao povo português, que se desista de obras para as quais não possuímos recursos, etc., etc.
Também é preciso deixar de continuar a endeusar a juventude como se não houvesse população adulta e idosa em Portugal. O aliciamento da juventude, da forma como tem sido feito, é demagógico, para o não qualificar de outra forma.
É claro que a nossa inclusão na União Europeia (entidade criada, admito, com boas intenções, mas que se está a revelar um dos maiores cataclismos políticos dos últimos tempos) não facilita a tarefa. Talvez a eclosão de uma contestação geral na "Europa" permita a realização das reformas constitucionais de que carecem todos, ou quase todos, os países que a integram.
É um "vasto programa", como diria o general De Gaulle.
Aguardemos.
Se o debate é aqui permitido,notaria que de facto o autor não respondeu às minhas perplexidades. Estas não tinham a ver directamente com a manifestação (que aliás pela maioria das entrevistas não pedia a queda do regime mas sobretudo a garantia de empregos seguros e bem remunerados à saída dos múltiplos cursos que enfeitam as nossas universidades) mas com a afirmação conhecida já no blogue,de que "o sistema político português está esgotado". Preconizando assim o esmerado autor um novo sistema ou regime, as minhas questões são de cristalina simplicidade: como e para onde? Pelas razões que já resumi,as alterações à Constituição,que o autor considera "inevitáveis", não se farão certamente com este Presidente nem com estes partidos. Novos partidos,já vimos com o PRD o que lhes sucede. Por isso assinalei que só com um golpe militar me parecia possivel tal transformação. E onde estão os militares para esse desígnio? E,fundamentalmente,que desígnio? Que novo "sistema político"? Autoritário ou liberal? Partidário ou a-partidário? Seria interessante conhecer os projectos do autor,até porque poderão ser utilizados para bases ideológicas de futuros movimentos de intervenção.Espero entretanto que a emigração não seja interdita nesse nova ordem,a fim de ir preparando as bagagens...
Enviar um comentário