segunda-feira, 14 de março de 2011
A GRANDEZA DO HOMEM
Jacqueline de Romilly, helenista insigne, falecida em Dezembro do ano passado, publicou pouco antes de morrer, quase centenária, um notável livro, La Grandeur de l'Homme au Siècle de Périclès.
Conhecedora profunda da civilização grega, a que dedicou a vida, Jacqueline de Romilly (JdeR) aborda neste pequeno livro dois aspectos fundamentais: as realizações humanas e o herói trágico.
Baseando-se, quanto ao primeiro aspecto, especialmente em Tucídides, JdeR evoca as conquistas da civilização através da relação que estabelece entre Sófocles e o autor d'A Guerra do Peloponeso, das palavras que Tucídides coloca na boca de Péricles, do desenrolar da guerra civil no século V AC, da rivalidade entre Esparta e Atenas, do poder da inteligência e da razão, da moral e da honestidade para conduzir as escolhas políticas e do que acontece quando essas qualidades faltam: «les conseils des hommes politiques (disons: des démagogues) perdent toute valeur, toute intelligence, toute prudence, puisqu'ils sont au service des caprices du peuple. De là toutes les fautes qui suivent l'arrivée des démagogues au pouvoir.»
O segundo aspecto abordado por JdeR refere-se aos heróis trágicos. Quase todas as tragédias gregas reportam-se aos heróis que haviam sido celebrados pelas epopeias de Homero e pelas outras epopeias do ciclo épico. «Esses heróis ocupavam um lugar intermediário entre os deuses e os homens. Muitos eram filhos de deuses ou descendentes de deuses, eram mais fortes, mais valentes e distinguiam-se por serviços eminentes prestados à colectividade; muitas vezes recebiam culto depois da sua morte. Representavam pois humanos superiores aos outros humanos, pelo seu estatuto e pelas suas acções. Poderia esperar-se vê-los incarnar essa grandeza do homem que foi a questão até aqui. Ora, uma considerável surpresa espera-nos: todos esses heróis da tragédia foram atingidos por desastres, morreram muitas vezes em sofrimentos atrozes, desonrados, e renunciando a qualquer respeito.» Mas JdeR esclarece: «Seria um erro grave acreditar que porque o herói foi derrubado, desonrado, humilhado, perdeu por isso a sua grandeza aos nossos olhos.»
E JdeR faz desfilar perante nós os heróis exaltados por Ésquilo, Sófocles, Eurípides, dos quais Édipo se encontra no centro do maior número de tragédias. E escreve: «Portanto os heróis da tragédia grega, conhecidos desde os começos da literatura, impostos pelas artes, pelos discursos, pelas alusões e por todas as obras que hoje estão perdidas, esses heróis gregos tinham um tal peso de notoriedade e de grandeza, um tal número de serviços e de façanhas no seu activo, que se impunham, e a infelicidade ao atingi-los não podia prejudicar a ideia do que eles eram, nem do esplendor da sua pessoa.»
Dissertando sobre a grandeza do homem, do homem grego, Jacqueline de Romilly deu-nos também a medida da grandeza da mulher que ela foi.
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6 comentários:
Tenho o maior respeito por essa notabilíssima helenista,de quem por coincidência estou a acabar de ler o seu livrinho "Petites leçons sur le grec ancien",que infalivelmente me faz regressar às minhas quão saudosas aulas de grego com o Pe.Raul Machado,e a todos esse tempos. Mas,nostalgia à parte,e só numa primeira reacção ao post,permito-me,sempre com o espírito crítico que os gregos tambem nos ensinaram,avançar pequenas notas. Édipo,precisamente,nem é referido nos poemas homéricos,nem é filho de deuses,mas simplesmente de Laio e Jocasta. Algumas figuras da Oresteia são mencionados no Homero,mas nem Agamemnon nem Helena são filhos de divindades. Pormenores. Quanto aos herois tombados,respeitemo-los se foram realamente herois,e não apenas celebridades ou aberrações históricas.
Tria merecido nota que acabou de ser publicada,com apreciável eco mediático,uma nova tradução para português da "Guerra" pelo Prof. Raul Rosado Fernandes.
PARA O TAL LEITOR:
Quanto à centralidade de Édipo na maior parte das tragédias gregas, passo a citar, no original, o livro da Senhora de Romilly, a p. 63: «Le héros qui est au centre du plus grand nombre de tragédies conservées est sans aucun doute OEdipe».
Não me permito, evidentemente, contradizer a excelsa helenista.
Caro O Tal Leitor
Helena era filha de Leda e de Zeus, portanto, de paternidade meio divina pelo menos.
H.
Caro Hugo:
Como não pensava que este debate, sepultado pela actualidade mais premente, não interessasse mais ninguem,não acrescentei mais notas ao assunto. Mas estando o caso ressuscitado,cá venho à liça.
1)Estranho de facto que a ilustre Jacqueline nos venha dizer que o Édipo é figura central da maioria das tragédias conservadas.Que isso se possa dizer de Sófocles,aceito,pois três em sete lhe dizem respeito. Mas Ésquilo? Parece-me que só os "Sete contra Tebas",e mesmo essa... E Eurípides? Onde está Édipo? Se quisermos uma família "central" na tragédia grega temos de a ir buscar aos Átridas,que esses sim estão presentes de Sófocles a Eurípides,e têm muito que se lhes diga,mesmo sem o dr.Freud.
2)Tem toda a razão quanto à Helena,presente/ausente no Homero,e presente no 2º "Fausto" que não é para aqui chamado.Deveria ter citado em abono da minha tese Electra,ou Antígona,ou Clitemnestra,nenhuma filha de deuses ou semi-deuses.
E muito folgo em ver que estes arcanos interessem o público e público bem informado. Talvez nem tudo esteja perdido no país...
Caro amigo
Com pena minha, e portanto correndo o risco de errar, não li o livro em apreço, embora conheça, mero curioso na matéria, parte da obra da autora. Talvez a helenista não se referisse à extensão das presenças (embora, de Sófocles, como sabe, nos restem 'dois Édipos'), mas à relevância 'cultural' do mito em causa, para os Helenos. Mas, é claro, que os Atridas predominam de longe (e é pena que o «Orestes» de Eurípides continue esgotado; pode ser que a reedição da INCM ainda chegue lá antes da nossa morte). A termos de escolher outro semideus, Héracles; mas esse a larga distância, no predomínio.
Saudações cordiais,
H.
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