terça-feira, 21 de julho de 2009

TEMPORADA EM S. CARLOS

As temporadas de ópera no Teatro Nacional de S. Carlos vão de mal a pior. A programação anunciada para 2009/2010, para lá de indigente, resulta de critérios (se critérios houve) de selecção no mínimo estranhos. Esta Casa, que durante mais de meio século apresentou o repertório tradicional, as óperas portuguesas e, progressivamente, as novas criações contemporâneas, em espectáculos de nível internacional e com interpretações que fizeram inveja às congéneres europeias, está reduzida a uma "apagada e vil tristeza", de que se dá conta o post do blogue "Portugal dos Pequeninos", de 18 deste mês, de que transcrevo o seguinte trecho:

««Desta vez Jorge Calado acerta até pelas comparações oportunas que faz. Dammann é das piores coisas que caíram em cima do nosso único teatro lírico onde o verdadeiro director continua a ser Mário Vieira de Carvalho. Pinto Ribeiro afirmou não concordar com a gestão em curso - a OPART - mas não mexeu uma palha. Estão todos bem uns para outros. Todavia, o público e os contribuintes é que não devem suportar tanta esperteza saloia sob a capa de um cosmopolitismo de paróquia. Como escreve Calado no Expresso, «registe-se que a Vlaamse Opera (a segunda casa de ópera belga) tem nove [produções contra seis por ano no S. Carlos], a Netherlands Opera tem 15 e a Ópera Nacional Finlandesa tem 14. Todas nações pequenas, sem grandes tradições operáticas [contrariamente ao Teatro de Lisboa] (...) que já foi de Gigli, Mödl, Kraus, Gorr, Schöffler, Resnik, Zampieri e Theodossiou.» Mais. «O que Christoph Dammann, director artístico do teatro, tem feito desde a sua conturbada nomeação é, a vários títulos, desastroso. Com as excepções que só confirmam a regra, as escolhas de repertório, de produções, elencos e maestros revelam uma gritante incompetência, reconhecida à esquerda e à direita (...). Dammann esconde-se atrás de uma pseudolealdade para com os artistas que convida, mesmo maus. A lealdade primeira deveria ser para com o público português que lhe paga (...). O problema, meus senhores, não é a falta de estrelas e de cantores caros. O problema são os maus cantores, os maestros desadequados, os encenadores patetas, o pouco respeito pelo público (...). O Estúdio de Ópera é menos um laboratório de pesquisa e formação e mais um truque para fazer mais e baratinho (três títulos entre Novembro/Dezembro) (...). O Opart e a actual direcção do São Carlos desfazem-se em estatísticas para provar a bondade das mudanças. Para eles, a ópera são números, não são pessoas.»»

Que saudades do dr. Serra Formigal e da Companhia Portuguesa de Ópera, que durante anos residiu no Teatro da Trindade!

5 comentários:

Anónimo disse...

O S.Carlos está moribundo,ligado à máquina de ventilação.Infelizmente,se a máquina fosse de qualidade e os médicos competentes,ainda haveria alguma esperança. Assim,é dificil.
Não pretenderia voltar aos tempos áureos em que graças às habilidades do Figueirinhas e aos módicos "cachets", se podia trazer a Lisboa o melhor que havia na Europa. Quando se podia fazer a tão falada Aida com o Gigli,a Caniglia,a Stignani,o Bechi,o Tajo.Isso acabou,mas confere responsabilidades de uma tradição. Mesmo mais tarde,já sem tantas facilidades,quando comecei a frequentar o Teatro,ainda pude ouvir o Gobbi no Simão e na Tosca,o Vinay no Otello e no Sansão,a fiel Cossotto no Trovador,a Teresa Stich Randall nas Bodas,e tutti quanti.Todos,ou quase todos sabemos as passadas glórias.Na minha modesta opinião,depois do Figueirinhas,o S.Carlos teve dois excelentes directores: o João de Freitas Branco e (com pouco tempo e muitas dificuldades) o seu primo João Paes. A partir daí,com um ou outro assomo de sucesso pontual,foi a "dégringolade"que culmina no estertor actual,que o Calado diagnosticou no sábado passado. Diga-se em abono da verdade histórica que houve ainda um tempo recente de alguma recuperação para o doente,e refiro-me evidentemente ao Pinamonti, que a sinistra dupla Pires de Lima-Vaz de Carvalho se encarregou de cilindrar para reconduzir o pobre à agonia que actualmente devem festejar. Quando se tem um passado com tantas glórias,não sei se não seria mais apropriado saír com dignidade,ou seja encerrar o Teatro por algum tempo para pensar e ver se é viável com um mínimo de nivel,do que mantê-lo com estas criaturas actuais em estertor prolongado.
Quanto ao sr.Formigal,que tambem colaborou no desastre,tenho ouvido dizer que tem talvez categoria para director de um daqueles teatros de provincia da Ossétia do Sul,e mesmo isso não é garantido pelas autoridades locais. Parece que é pessoa que soube habilmente navegar entre a FNAC e o P.C.,com exibição de modestas vozes e tratando bem o velho Bechi(talvez a sua única virtude). A bem da Ópera,vamos fechar este S.Carlos?

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 1312:

Não sei se o Teatro de S. Carlos deveria entrar de quarentena (estamos em tempos de uma estranha gripe, cujos contornos indefinidos não deixam perceber se se trata de um problema de saúde ou de um problema económico) ou antes sofrer, JÁ, uma remodelação total, o que não implica o seu encerramento mas a substituição dos administradores e direcção artística.

Quanto ao dr. Serra Formigal, o país, Lisboa em especial, deve-lhe inestimáveis serviços. A criação da Companhia Portuguesa de Ópera e as temporadas que durante anos apresentou no Teatro da Trindade permitiram uma sistemática divulgação da ópera entre as classes ditas mais desfavorecidas. Relembro que o dr. João de Freitas Branco, foi um dos assíduos colaboradores de Formigal nos espectáculos do Trindade (ópera, concerto, bailado) e que as récitas extraordinárias no Coliseu, quando as havia, respeitavam apenas a um pequeno número de óperas e nunca à formação de uma consciência operática como era intenção de Formigal. Além disso, através da prática, foi-se dando possibilidades de afirmação a um razoável leque de cantores portugueses, alguns dos quais se vieram a afirmar nos palcos internacionais.

Quanto à passagem da FNAC para o PC por parte do dr. Formigal, desconheço; quem passou para o PC, e isso posso garantir, foi o dr. João de Freitas Branco, que acabou apadrinhado (em 2º casamento) pelo general Vasco Gonçalves).

Acho que há da sua parte uma manifesta má vontade contra o dr. Serra Formigal, cujas razões desconheço.

João Gonçalves disse...

Serra Formigal foi porventura o derradeiro director do São Carlos digno desse nome. Depois dele houve directores artísticos com méritos e deméritos - como Ribeiro da Fonte ou Pinamonti que acumulou, erradamente,com a presidência do então conselho directivo - e o puro absurdo. A OPART, um capricho de Mário Vieira de Carvalho, o verdadeiro director do Teatro destes últimos anos, representa uma má solução gestionária que não resolve um átomo dos problemas acumulados do nosso único teatro lírico. Por isso, quando por lá passei e me demiti, entendi (como entendo) que, à semelhança do Alla Scala, o TNSC deveria fechar para ser reformado de alto a baixo - para isso, naturalmente, é preciso dinheiro e força política -, de maneira a privilegiar-se a produção artística em vez do funcionamento que leva mais de dois terços do orçamento. Quando Formigal mandava, o São Carlos jamais deixou de ser o que sempre fez a sua glória: um teatro lírico respeitador da sua história, susceptível de acompanhar (porque os recebia cá) os melhores intérpretes do momento que intercalava com "coisas nossas" mais ou menos sofríveis como são todas as coisas nossas. Pinamonti, a partir de 2001, colocou o TNSC ao passo do melhor do que se produzia na Europa o que não queria dizer que fosse invariavelmente bom. Estes anos derradeiros representam um retroceso inominável e de difícil recuperação. Nem o público (por pior e menos exigente que se tivesse tornado), nem o TNSC merecem a desfeita.

Anónimo disse...

Óbvia correcção,não é FNAC (antes fosse) mas FNAT. O Teatro da Trindade foi adquirido e administrado pela FNAT desde 1962, e lá se manifestou o dr. Formigal,suponho que em bom entendimento com a tutela, até ao 25 de Abril. Depois deu as devidas voltas e ressurgiu com os novos poderes continuando a produzir espectáculos de duvidosa qualidade. Não critico as "voltas",muita gente as deu,e são próprias das alterações de regimes,mas a qualidade do produto final. Alem disso o autor do blogue parece estar a pôr em causa o nível musical da Ossétia do Sul,o que pode ofender essa novel nação...
Quanto ao dr.Freitas Branco,pelo que sei,sempre foi simpatizante do Partido,o que não o impedia de ser amável com o pobre Thomaz,que apesar de todas as suas muitas limitações,frequentava mais o S.Carlos do que os seus sucessores,com excepção do dr.Jorge Sampaio.

Anónimo disse...

Muito folgo em ver que o dr. Gonçalves,de quem me "despedi" há uns meses,concorda com a solução do encerramento provisório do moribundo Teatro. Acrescento que outra vantagem seria o efeito de "choque cultural" que tal situação,suponho,não deixaria de produzir. Há instituições cuja solução parece apenas essa: fechar tudo e começar do zero. É o caso do Ministério da 5 de Outubro,mas aí é capaz de ser mais complicado...