terça-feira, 2 de junho de 2009

UM EQUÍVOCO CHAMADO EUROPA


Aproxima-se a data (7 de Junho) das eleições para o Parlamento Europeu e assiste-se (em Portugal, já que não tenho acompanhado o que se passa nos restantes países) a uma campanha que pouco ou nada tem a ver com o acto que se realizará nos 27 países que compõem essa agremiação que dá pelo nome de União Europeia.


Louváveis são as intenções que estiveram na base da criação de uma unidade europeia, que no entendimento do seu arquitecto supremo (mas não Supremo Arquitecto), o franco-maçon Jean Monnet, deveria contribuir para uma pacificação da Europa, vítima de duas guerras mundiais. Monnet e o luxemburguês e posteriormente ministro dos Negócios Estrangeiros francês Robert Schuman (cujo processo de beatificação corre presentemente no Vaticano) contribuíram de forma decisiva para a constituição do embrião – a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), criada em 1951 pelo Tratado de Paris – do que, ao fim de algumas décadas, viria a ser a União Europeia. Deverá acrescentar-se ainda o nome do chanceler alemão Konrad Adenauer, também grande impulsionador da ideia.


Constituíram a CECA 6 países: a França, a Alemanha (República Federal), a Itália, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Da evolução desta parceria industrial chegou-se em 1957, pelo Tratado de Roma, à criação de mais duas instituições: a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom). A CECA, a CEE e a Euratom fundiram-se em 1965 (Tratado de Bruxelas) numa única organização a que viriam a aderir em 1973, o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca, em 1981, a Grécia e em 1986, a Espanha e Portugal. Em 1992, num progressivo alargamento de competências, o Tratado de Maastricht instituiu a União Europeia (UE). A esta nova fórmula vieram acrescentar-se em 1995, a Áustria, a Finlândia e a Suécia, em 2004, a República Checa, a Eslováquia, a Hungria, a Eslovénia, a Polónia, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, Malta e Chipre, a quem as portas haviam sido abertas a partir do Tratado de Nice (2000/2001), que procurou adaptar o funcionamento das instituições à chegada dos novos países. Por fim, tornaram-se membros do clube europeu, em 2007, a Bulgária e a Roménia, Os noruegueses e os suíços rejeitaram, por referendo, a sua a adesão à União Europeia. Em 2005 iniciaram-se negociações com a Croácia, a Macedónia e a Turquia (embora a adesão da Turquia encontre fortes resistências em alguns Estados-membros) e têm sido feitas promessas à Sérvia de poder também ela integrar este espaço europeu, em troca da alteração da sua posição face ao estatuto do Kosovo, o que, na circunstância, evidencia o carácter chantagista e a falta de vergonha dos dirigentes da UE, após aquele país ter sido bombardeado pela NATO, devido principalmente à insistência daquela velha megera da política chamada Madeleine Albright.


O Tratado de Roma II, de 2004, que estabeleceu uma Constituição para a Europa, e que foi sujeito a referendo em vários países, foi chumbado pela França e pelos Países-Baixos, o que impediu a respectiva adopção. Foram então introduzidas na dita Constituição, que já não tem esse nome, algumas modificações que o Tratado de Lisboa (2007) viria a consagrar mas que foi, também ele, chumbado pelo referendo realizado na Irlanda em 2008. Propõem agora os seus autores, mediante alterações de pormenor, sujeitá-lo a novo referendo naquele país. A falta de vergonha é ilimitada!


Este sucessivo alargamento da União Europeia, descaracterizando profundamente a ideia dos “pais fundadores”, tem encontrado defensores para todo o género de argumentos invocados, desde a necessidade de construir uma Europa forte que possa competir com os EUA e com as novas potências emergentes (a Índia, a China, o Brasil) até à construção de um baluarte anti-Rússia, país que parece voltar a preocupar os Estados ocidentais.


Não constitui segredo que a ideia de uma união na Europa, na sua génese, era antes de mais civilizacional, aglutinadora de uma política do espírito, integradora (mas não uniformizadora) de culturas milenárias. E isto apesar de logo os primeiros tratados se referirem apenas a aspectos exclusivamente económicos. Parece que para as coisas avançarem, não poderia ser de outra maneira, mas avançaram mal. Sem esquecer que, por razões políticas, esta Europa nasceu como uma Europa Ocidental, amputada da sua parte Leste, então na órbita da União Soviética, mas nem por isso culturalmente menos rica de todo um passado bizantino, eslavo e ortodoxo.


O general De Gaulle, um homem cuja estatura, física e mental, era muito superior à dos actuais próceres desta União Europeia, costumava enaltecer a “Europa das Pátrias”, mas a ausência de estadistas, no Velho Continente, com a envergadura do antigo presidente francês é motivo da mais profunda preocupação para todos os europeus. Valha a verdade que o único homem que tem mostrado alguma determinação na condução de um país, nos últimos anos, é Vladimir Putin, tentando restituir um pouco de dignidade à Rússia, descomposta e decomposta pelo bêbado Ieltsin, que felizmente já abandonou o convívio dos vivos; sem que isto signifique uma total concordância com a política, quiçá controversa, do ex-presidente e actual primeiro-ministro da Federação da Rússia. Mas que dizer de Berlusconi, um clown transformado em chefe de governo, dos inconcebíveis gémeos poloneses Kaczinsky, de Sarkozy (eleito por falta de comparência de um adversário credível), de Sócrates, que após prometer durante a campanha eleitoral não aumentar impostos logo os aumentou quando assumiu o cargo (ao invés do seu homólogo Zapatero, que garantiu retirar as tropas espanholas do Iraque e que cumpriu), da senhora Merkel, comandando, a partir da Chancelaria em Berlim, um improvável bloco central, e de tantos outros, sem esquecer o inenarrável Blair, que já não sendo chefe de governo, continua sinistramente como representante especial de um Quarteto para o Médio Oriente e amealha avultadas somas das palestras que profere, um pouco por toda a parte, a convite de indivíduos incautos.


Sem negligenciar os aspectos económicos, a UE deveria ter enfatizado, desde o início, nos seus tratados, a necessidade de um convívio cultural, de um diálogo europeu de culturas e nunca da homogeneização cultural de um espaço onde, durante séculos, se desenvolveram nações com línguas, costumes, tradições, religiões e mesmo culturas diferentes. Porque não é homogénea a chamada civilização cristã ocidental, e porque a Europa tem também um oriente.




O trabalho dos dirigentes europeus nos últimos anos tem sido, simbolicamente, mais um Rapto da Europa, como tantos pintores o evocaram, entre os quais o Tiziano, do que uma “construção europeia” de que ignorantemente se ufanam.


Que Europa se espera após as próximas eleições? Deverão os europeus votar ou não? Deverão votar em branco ou em partidos? E se em partidos, em quais? Nos que, situados mais ou menos ao centro, vão prosseguir esse monstruoso edifício burocrático que são hoje as instituições europeias, devoradoras de dinheiro e que apenas desejam amalgamar os povos europeus e reduzir a zero as diferenças que os separam, ou, ao contrário, nos partidos minoritários nessa agora alsaciana, que poderão, talvez, contribuir para uma mudança de rumo, no momento em que uma crise geral assola o mundo e em que os cidadãos, descrentes de tudo e de todos, começam a perfilhar o “salve-se quem puder”, indiferentes a todos os valores que herdaram do passado?


Que cada um pense antes de decidir e que decida de acordo com a sua consciência, sem atender aos slogans da propaganda massacrante que promete o céu na terra e para já.


No dia 8 de Junho poderemos ter, enfim, uma previsão do que o futuro nos reserva!

5 comentários:

Anónimo disse...

Brilhante, pela opinião e pela documentação.
Continue.

Anónimo disse...

Primeiras questões:
1)Tem a certeza de que o alargamento descaracteriza a ideia dos "pais fundadores"? Ou não será exactamente o contrário?
2)Se a Europa tem o "seu Oriente" não deve tambem integrá-lo,alargando-se? Afinal o autor pretende uma Europa Cristã ocidental,ou uma Europa ampla compreendendo as suas componentes eslavas e até islâmicas? Em que ficamos?
3)Sabe o que representa o orçamento das instituições europeias em relação ao PIB europeu? É melhor averiguar,e depois logo verá se tem sentido repetir o slogan dos "devoradores de Bruxelas". Os slogans são como os vírus,propagam-se e custam a debelar.
4)Tem a certeza de que grassa em Bruxelas a intenção sinistra de "homogeneizar" o Continente, de destruir as diferenças,etc,ou antes de criar as condições mínimas comuns para a circulação de pessoas,bens,investimentos,ideias,que corporiza um dos objectivos essenciais da ideia europeia? Um convivio pacifico,coisa que uns "iluminados" do século XX,por acaso até do mesmo país,se encarregaram de destruir,destruindo tambem definitivamente o papel relevante da Europa no Mundo,necessitará de uma "amálgama" dos países? Não me parece,e não é o que tem ocorrido nestes 60 anos de paz,graças à domesticação dos "espíritos malignos" que conduziram às catástrofes do século passado. Só por isso vale a pena esta Europa imperfeita,confusa,vacilante,mas parece-me que no caminho certo. Os cépticos vêem sempre os esperançados com a sobranceria do seu pessimismo,mas tambem se enganam...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Resposta ao Anónimo da 1:05

Creio que não compreendeu bem o que o post pretende demonstrar, certamente por culpa minha, que não fui suficientemente claro:

1) No espírito dos "pais fundadores", em 1951, não estava prevista a queda do Muro de Berlim, pelo que a arquitectura das instituições fora moldada tendo em conta a Europa Ocidental, e só alguma. O General De Gaulle fora sempre contrário à entrada do Reino Unido;

2) Estou totalmente de acordo com o alargamento a Leste, achando que para haver uma Europa completa deveriam entrar também a Rússia, a Ucrânia, a Bielo-Rússia, a Sérvia, a Turquia, etc. Mas duvido que os condicionalismos estruturais da União o permitam. Ressalvo, contudo, que as populações desses países teriam de ser consultadas como o deveriam ter sido as populações dos outros países que estão na União sem ter havido qualquer referendo. Temos assistido a que, sempre que há referendos europeus, há contestação. Foi assim com a França, com os Países Baixos, com a Irlanda e mais haveria se mais referendos existissem. E não esquecer que a Noruega e a Suíça, referendados, ficaram de fora;

3) Basta verificar o vencimento de um deputado europeu ou de um funcionário da União, e eles são uma legião, para termos a noção de quão caro é o funcionamento da dita. Não me interessa a percentagem em função do PIB europeu mas o seu valor absoluto. Compare-se quanto ganha um funcionário europeu e um seu homólogo nacional e veja-se a diferença;

4) Com certeza que Bruxelas, com as suas "directivas" pretende normalizar tudo o que pode, desde o calibre da maçã até ao tamanho da sardinha. Como calculo que saiba, a burocracia vive de si mesma, tem de se alimentar. Se os não impedirem, os eurocratas não pararão. Além disso, a União Europeia impõe o mesmo sistema económico a todos os países, pelo que é incompatível a um país alterar o seu sistema, sendo o vigente o único admissível, isto é o capitalismo neo-liberal. Não vale
pois a pena realizar eleições nos estados-membros que não seja para eleger um governo do sistema; a alteração obrigaria certamente a uma ruptura com a União.

Como não o menciona, ignoro a que país se refere quando fala de uns "iluminados" do século XX que se encarregaram de destruir o papel relevante da Europa no mundo!

ZÉ DOS ANZÓIS disse...

BRUXELAS É UMA EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ÚNICO. EXCLUI A DIVERSIDADE. O RESTO SÃO CANTIGAS

Anónimo disse...

Desde o Platão que se sabe que os diálogos nem sempre conduzem a esclarecimentos ou entendimentos,mas às vezes só à re-enunciação de problemas. Abordarei apenas alguns pontos(outros precisam de melhor verificação)da resposta do autor do blogue:
1)Certamente que as minhas dúvidas resultam das minhas limitações,e nunca da clareza meridiana com que se exprime o autor.Óbvio. No entanto,quanto às intenções dos "pais fundadores",lá fui ver o Tratado de Roma(1957)e lá encontrei no preâmbulo,o seguinte: "Determined to establish the foundations of an ever closer union among the European peoples,etc" o que é complementado com o artigo 237: "Any European State may apply to become a member of the Community". A ideia de alargamento está assim implícita em todo o Preâmbulo e explícita depois. Como conciliar isto com a frase do autor do blogue:"Este sucessivo alargamento da U.E.,descaracterizando profundamente a ideia dos "pais fundadores""? São as minhas limitações que certamente não me permitem conciliar o contraditório.
2) Para vermos se as instituições europeias são caras ou baratas para a Europa,evidentemente (para mim) que é preciso ver o peso das ditas em relação à riqueza global,se falamos a sério,claro. Se puser os funcionários internacionais a ganhar com os parâmetros búlgaros(porque não,seguindo o seu raciocínio) teremos excelentes reultados. Os funcionários internacionais ganham bem (e não só na U.E.,mas na OCDE,ou nas N.U.,etc) porque se pretende atrair os melhores para condições de trabalho e exigências fora do habitual. Mas isto são ideias limitadas.
3)Se tem dúvidas sobre quem é responsável pela destruição de boa parte da Europa no século XX e pela redução do seu papel no Mundo,facilitando brutalmente a emergência dos E.U.A. e da URSS como super-potências,paciência.