Realizaram-se ontem eleições no Irão para a Presidência da República. Dois candidatos principais: Mahmud Ahmadinejad, Presidente ainda em funções, que se recandidata, e o antigo primeiro-ministro Mir Hussein Musavi.
Segundo as mais recentes notícias, Ahmadinejad terá ganho à primeira volta, com 60% dos votos expressos, numas eleições em que 80% da população participou no escrutínio, o que não deixa de ser interessante quando se procede à comparação com a taxa de abstenção na Europa.
O resultado não foi bem aceite pelos partidários de Musavi, que acusam Ahmadinejad de fraude eleitoral, e nas últimas horas têm-se verificado confrontos de rua entre a polícia e os manifestantes.
Herdeiro multissecular de civilizações brilhantes, o Irão foi conquistado pelos árabes no século VII e o zoroastrianismo substituído pelo islão. Ocupado por dinastias diversas e sucessivas, fruto da cobiça das grandes potências por causa do petróleo, transformou-se numa monarquia constitucional no princípio do século XX.
Em 1979, o Xá Muhamad Reza Pahlavi é deposto e tem início a Revolução Iraniana, conduzida pelo ayatollah Ruhollah Khomeini que assume o título de Guia Supremo, sendo o país convertido numa república islâmica em que o presidente da república, chefe do executivo pela inexistência de um primeiro-ministro, é a segunda figura do Estado. Esta dualidade de poderes não só é fonte de internos e secretos conflitos como causa de atritos protocolares nas relações com os outros Estados.
O Guia Supremo, actualmente Ali Khamenei, que sucedeu a Khomeini, é eleito pela Assembleia dos Peritos, o seu mandato é vitalício e pode demitir o Presidente; o Presidente da República é eleito de quatro em quatro anos por sufrágio universal. Existe ainda um Parlamento (Majlis) a quem compete o poder legislativo, um chefe do Poder Judiciário, que nomeia o Presidente do Supremo Tribunal e o Procurador Geral, a Assembleia de Peritos, o Conselho dos Guardiães e o Conselho de Discernimento, a que preside o antigo presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani.
Complicada a arquitectura política desta República Islâmica, que adoptou como lei fundamental a charia (a lei do islão, baseada no Corão e na Sunna), que contraria em tudo a política de ocidentalização (diga-se que acelerada e forçada) imposta pelo Xá Pahlavi.
A revolução de 1979, que impôs o exílio do Xá, foi inicialmente apoiada pela maioria da população mas veio a provocar um certo desencanto no país pelas medidas repressivas tomadas pelo clero (que se apoderou do regime), nomeadamente em matéria de costumes. Sendo já uma sociedade culta, evoluída, em larga medida familiarizada com os códigos ocidentais, sem que tal significasse uma renúncia às suas tradições ancestrais, a permanente vigilância dos Guardas da Revolução (os Pasdaran) e do Basij faz lembrar, num outro contexto a vigilância da Savak, a temível polícia secreta do Xá.
É evidente que a República Islâmica do Irão é uma aberração política como o foram e são todos os regimes que se reclamam do “direito divino”. Já vão longe (não tanto como isso) os reis “pela graça de Deus” e o mundo árabo-islâmico que trilhara durante décadas o bom caminho vê-se agora confrontado com monarquias anacrónicas, como a inefável Casa de Saud (por culpa de ingleses e americanos que traíram o Xerife de Meca, Hussein ibn Ali) e as monarquias do Golfo ou esta República Iraniana, instalada obviamente com a conivência ingénua dos Estados Unidos.
Sempre defendi que a religião é um assunto privado, nunca do foro estatal, e nada me incomoda o comportamento de qualquer cidadão, desde que não interfira com a minha liberdade individual e com a organização social laica do Estado. Por isso, quando no Ocidente se reprova o uso do hijab ou mesmo do niqab, já para não falar da burqa, não me repugna que haja mulheres que queiram usar tais vestes, desde que o façam de livre vontade, nem considero isso verdadeiramente um sinal de atraso cultural mas tão só o da manutenção de uma tradição antiquíssima. Outra coisa é serem obrigadas a usá-las tal como no Irão, por exemplo (e disso nunca se fala), os homens serem igualmente obrigados a não usar gravata, não lhes sendo também permitido rapar a barba. Tudo isto evoca tempos não muito distantes, em que o camarada Mão Zedong impôs a todos os chineses uma horrorosa veste uniformizada para milhões de seres, embora, nesse caso, talvez fosse melhor envergar aqueles trapos do que andar nu.
Nesta matéria, mais valiam os regimes laicos do Partido Baath, de Hafez al-Assad, na Síria e de Saddam Hussein, no Iraque, este último derrubado pela aliança anglo-americana, que numa acção criminosa e irresponsável provocou até hoje vários milhões de mortos, feridos, estropiados, desaparecidos e exilados e uma incomensurável destruição material que a História registará como um crime contra a Humanidade.
Outro caso diariamente discutido no Ocidente é o uso da energia nuclear iraniana e a possibilidade de construção de uma bomba atómica. Mera hipocrisia ocidental! Por um lado, não há a certeza de que as centrais nucleares do Irão se destinem a fins militares mas tão só à produção de energia para fins pacíficos, como os seus dirigentes apregoam, um tão vasto país carece e a Agência Internacional de Energia Atómica até agora confirma. Mas ainda que o Irão se pretenda dotar de armas atómicas, mais não faz do que imitar os seus vizinhos: Israel, o Paquistão, a Índia e a China. Quem define, e com que competência, quais os Estados que podem possuir a arma nuclear? Há Estados irresponsáveis capazes de lançar uma bomba atómica que destrua cidades e mate milhões de pessoas? Que eu saiba, o único país até hoje capaz de semelhante proeza foi os Estados Unidos da América! Aliás reincidente! Primeiro Hiroxima e depois Nagasáqui!!!
Aguardemos, pois, o resultado definitivo das eleições iranianas e o discurso político subsequente.
1 comentário:
Bom post. Obrigado por ter prazer em informar os outros.
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