Tomei conhecimento há dias, através de uma entrevista no PÚBLICO realizada por Alexandra Lucas Coelho, da recém-publicada edição portuguesa do pequeno (grande) romance O filho da mãe, do escritor brasileiro Bernardo Carvalho.
Trata-se de uma obra curiosa tendo por fundo a Rússia Eterna. A acção decorre em 2003 (por ocasião do tricentenário de São Petersburgo), mas perpassam no texto (em sombra) o Império Russo, o Império Soviético, o período de desmoronamento do bêbado Ieltsin (1991-1999) e a tentativa de restauração do prestígio ancestral da nação levada a cabo por Putin.
São algumas estórias cruzadas (na verdade uma só estória) relativas à guerra na Tchetchénia, cuja invasão foi ordenada por Ieltsin quando aquela república da Federação Russa declarou a independência, luta que custou já muitos milhares de vidas e que ainda não terminou. O cenário fundamental é São Petersburgo, o cenário secundário é Grozny, a capital tchetchena. Bernardo Carvalho recebeu uma bolsa para passar três meses numa cidade estrangeira e escrever um livro cujo enredo nela tivesse lugar. Escolheu a antiga capital russa e serviu-se desta guerra como pretexto para denunciar a sociedade disfuncional resultante da queda do comunismo e do estabelecimento de um capitalismo ultra selvagem, que permite a actuação das mais terríveis máfias, de uma corrupção inimaginável, de uma insegurança a todos os níveis, da descrença nos valores tradicionais.
A guerra na Tchetchénia tem ceifado a vida de milhares de jovens russos; e levou a que as mães desses jovens se organizassem em associações para saber do destino dos seus filhos, incorporados à força para combater um (suposto) fundamentalismo islâmico, que talvez não seja mais do que uma afirmação de nacionalismo, numa zona que é problemática desde há muitas décadas.
Mas o autor, achado o pano de fundo, preocupa-se especialmente com a vida das famílias, particularmente dos jovens, de que é exemplo a prostituição dos soldados russos com homens, a fim de receberem dinheiro de que uma parte entra nos cofres dos quartéis ou pelo menos no dos oficiais que organizam os esquemas. E também com as injustiças (mas onde é que elas não existem?) da vida e com os momentos de amor, ainda que fugazes e por vezes subconscientes.
Escreve a certa altura o autor: "Quando não há mais nada, há ainda o sexo e a guerra" (pág. 139) ou "As histórias de amor podem não ter futuro, mas têm sempre passado" (pág. 186). E de facto, é à volta do sexo e da guerra que este livro gira. Vale a pena ler as 200 páginas de O filho da mãe, um livro pequeno mas suficientemente original e bem escrito.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Provavelmente não lemos o mesmo livro. O autor deste blog,ainda com os óculos embaciados pela comoção da leitura de Soeiro Pereira Gomes ou Alves Redol,apresenta o romance como uma "denúncia da sociedade disfuncional que resultou da queda do comunismo".Claro que a sociedade anterior era certamente cheia de virtudes,sobretudo as "tradicionais", mais ou menos massacre étnico,Goulag,purga política,etc,etc. Só falta dizer que a Akhmatova e o Mandelstam são citados por terem louvado o tio José... Muitas das disfunções actuais são as de sempre,nomeadamente o péssimo tratamento dos jovens militares,outras acompanham os choques de transformações políticas súbitas,nomeadamente as do estabelecimento de alguma liberdade,esta aliás cada vez mais condicionada pelo simpático(para o autor do blog) senhor Putin. Mas o que conta no livro é uma original história de amor,ou de amores vários e entrecruzados,e o fracasso de algumas esperanças. Não há agenda política,ou pelo menos, "essa" agenda política.
Enviar um comentário