terça-feira, 15 de outubro de 2013

O PALÁCIO YUSSUPOV



Palácio Yussupov, em 26 de Julho de 2013

O Palácio Yussupov, situado no Cais do Moïka, em São Petersburgo, é um dos mais notáveis edifícios da antiga capital russa. Construído num terreno pertencente à tsarevna Praskovia Ioannovna, irmã mais nova da imperatriz Anna Ioannovna, sofreu diversas modificações ao longo do tempo, até apresentar a imagem actual. A primitiva edificação foi erguida pelo general conde Piotr Chuvalov (que adquirira a propriedade à tsarevna) entre 1742, data em que o espaço foi desocupado pelo regimento da guarda Semionovski, e 1752, em que já há notícia de um jantar oferecido à imperatriz Elizabeta Petrovna, embora pareça que o palácio propriamente dito tenha sido construído nos anos 1760.

Por morte do general, o palácio passou para seu filho Andreï, que morreu prematuramente em 1789, e depois para a filha deste, Alexandra. Em 1795, Catarina II adquiriu a propriedade e ofereceu-a à condessa Branitskaïa, sua amiga íntima, que o vendeu, em 1830, ao seu cunhado, o príncipe Nikolaï Borissovitch Yussupov, por 250.000 rublos. Este acontecimento abre a página da gloriosa história do palácio.



O príncipe Nikolaï Yussupov era uma das personalidades mais cultas e mais ricas da Europa. Alto dignitário, confidente de Catarina II, marechal da Corte, mecenas célebre, fino diplomata, notável bibliófilo,  pessoa de profunda erudição e fervoroso coleccionador, reuniu na sua residência um dos mais importantes conjuntos de pintura e escultura de toda a Europa. Não admira que Catarina II e depois seu filho Paulo I lhe confiassem o encargo de comprar as obras de arte para o Ermitage e para as residências imperiais de Tsarskoye Selo, Gatchina e Pavlovsk.



O príncipe vivia habitualmente na sua residência de Arkhanguelskoïe e adquiriu o palácio para o seu único filho e herdeiro, o príncipe Boris Nikolaïevitch Yussupov, que procedeu a uma significativa reconstrução e modernização, levada a cabo pelo arquitecto Andreï Mikhailov II, adepto do neoclassicismo tardio. As obras do palácio demoraram sete anos, e para ele  foram transferidos, depois da morte do velho príncipe, as colecções de arte que se encontravam em Arkhanguelskoïe. Entre os grandes artistas representados figuravam Rubens, Van Dick, Rembrandt, Tiepolo, David, Robert, Boucher e Canova.



A reabertura do palácio teve lugar em 27 de Fevereiro de 1837, com um baile de gala, sendo anfitriã a princesa Zinaïda Ivanovna Yussupova, segunda mulher de Boris. O local continuou a ser frequentado por todos os espíritos cultos da época.



Nos anos 1860, o novo proprietário, o príncipe Nikolaï Borissovitch Yussupov, escritor, filósofo, compositor, músico e coleccionador de jóias e de instrumentos musicais, procedeu a nova reconstrução da residência, tendente a que a mesma satisfizesse as suas necessidades pessoais e o gosto da época.



Em 1892-1894 houve uma nova restauração do palácio, que também contemplou o teatro, uma pequena maravilha, onde em 1 de Fevereiro de 1836 se estreara a ópera Жизнь за царя (A Vida pelo Tsar), de Mikhaïl Glinka. No seu palco, poetas como Alexandre Blok e Sergeï Essenin (que se suicidou num quarto do relativamente próximo Hotel Angleterre) leram as suas obras.

Por morte de Nikolaï o palácio passou para sua filha única, a princesa Zinaïda Nikolaïevna Yussupov e seu marido, o conde Félix Sumarokov-Elston, que foi autorizado pelo imperador a usar o título da mulher. O filho de ambos, Félix Félixovitch Yussupov, casado com Irina Alexandrovna Romanova (neta de Alexandre III e sobrinha de Nicolau II, foi o último proprietário da residência, e involuntariamente o mais célebre.

Príncipe Félix Yussupov


De facto, numa noite de Dezembro de 1916, ocorreu no palácio o assassinato de Grigori Efimovitch Rasputin, um monge siberiano considerado pela família imperial como starets (místico, santo, vidente, curandeiro), e que terá sido um dos causadores da queda da dinastia dos Romanov, ou que, pelo seu comportamento, terá apressado essa queda.



No dia 19 de Dezembro de 1916 (Era Juliana, Estilo Antigo), correspondente ao dia 1 de Janeiro de 1917 (Era Gregoriana, Estilo Novo), apareceu a flutuar nas águas geladas do Canal Moïka um corpo com o rosto mutilado e as mãos atadas, que estranhamente ainda parecia ter vida. Tratava-se do corpo de Rasputin. A notícia alvoroçou a população da cidade, tendo muita gente afluído ao local antes do corpo ser retirado.

A história da morte de Rasputine no Palácio Yussupov tem sido relatada em versões diferentes, quanto aos pormenores, convergindo as opiniões quanto ao essencial. Não podemos descrever aqui detalhadamente este caso que, atendendo à sua aura de mistério, apaixonou a Rússia e o mundo.

Resumindo: Grigori Rasputin fora introduzido na Corte e a sua fama de homem santo e milagreiro espalhou-se, tornando-se indispensável à família imperial, especialmente à tsarina Alexandra, mulher de Nicolau II, já que lhe atribuíam qualidades únicas no tratamento, talvez por hipnose, das crises do tsarevitch Aleksey, que era hemofílico. Tendo ganho acesso quase discricionário aos aposentos imperiais, Rasputine, que era um homem nada ascético mas antes um bissexual debochado, passou não só a intrometer-se na vida familiar dos Romanov mas a interferir nos negócios de Estado, pretendendo a nomeação ou a queda de ministros, a designação dos seus amigos para altos cargos e toda uma série de interferências na vida pública. Não admira que as suas atitudes, e também o seu comportamento privado (participava habitualmente em orgias) provocassem o escândalo e indignassem os russos, já que Rasputin contou sempre com o apoio da tsarina e do próprio tsar. Durante anos (Rasputin chegou a São Petersburgo em 1904) o pretenso starets teceu uma rede de amizades e cumplicidades a nível público e privado que lhe garantiu uma certa tranquilidade, ainda que tivesse sido vítima de duas tentaivas de assassinato.

Com o agravamento do clima político na Rússia, a presença de Rasputin na Corte tornou-se insuportável.  A sua influência junto da tsarina Alexandra era tão grande que corria o boato de que a soberana era sua amante. Impunha-se eliminá-lo, já que se tornara uma ameaça para o Império. Assim, a 29 de Dezembro de 1916, um grupo liderado pelo príncipe Félix Yussupov, de 30 anos (que era homossexual) e pelo grão-duque Dmitry Pavlovitch, de 26 anos, neto de Alexandre II e primo direito de Nicolau II (que era bissexual e amante do príncipe Félix) atraiu Rasputine ao palácio para um serão em que estaria também presente a princesa Irina (mulher de Félix), que aliás se encontrava na Crimeia.

Ou porque pensasse numa oportunidade de se encontrar na intimidade com a princesa, ou porque se sentisse atraído pelo próprio príncipe (Rasputin era ambivalente e não escondia as suas preferências sexuais), o monge não recusou o convite. No palácio, Félix conduziu-o às caves, onde tinha aposentos privados, e ofereceu-lhe vinho e bolos envenenados com cianeto de potássio que chegava para matar imediatamente cinco pessoas. Rasputine comeu, bebeu e continuou a conversar. Surpreendido, e ansioso pois teria de esconder o corpo antes que amanhecesse, Félix Yussupov subiu então ao andar superior, pegou na pistola do grão-duque Dmitry, desceu à cave e deu-lhe um tiro. Rasputin caiu, moribundo. Os outros amigos desceram também à cave e apoderaram-se das vestes e das botas de Rasputin para queimá-las. Algum tempo depois, movido por uma força estranha, Yussupov voltou à cave para olhar para o morto. E aconteceu então o impensável. Rasputin ergueu-se e atirou-se ao príncipe tentando estrangulá-lo. Travou-se uma luta feroz. Ouvindo os gritos da contenda, o deputado Vladimir Purishkevitch, que fazia parte da conjura, desceu novamente à cave e, aterrorizado com a imagem do "ressuscitado", disparou quatro vezes. Rasputin finalmente caiu.

Yussupov e Rasputin (em figuras de cera)


A tsarina Alexandra ficou profundamente chocada com a morte de Rasputin e ordenou que fosse sepultado nos jardins de Tsarkoye Selo. O príncipe Yussupov e o grão-duque Dmitry foram acusados do assassinato e exilados de São Petersburgo, o primeiro para a Crimeia e o segundo para a Pérsia, o que lhes salvou a vida devido aos acontecimentos subsequentes. Aquando da Revolução de Fevereiro (Março na era actual), que levou à abdicação do tsar, um grupo de trabalhadores do palácio descobriu os restos mortais e levou-os para um bosque para os queimar, mas, segundo os testemunhos, e devido possivelmente ao efeito do calor, o cadáver ergueu-se nas chamas, o que aterrorizou os presentes. Era, afinal, a última surpresa do diabólico monge.



A Revolução de Outubro (Novembro no calendário actual) de 1917, desencadeada pelos bolchevistas, instalou na Rússia o poder dos sovietes. Em 1918, a família imperial, que se encontrava então detida em Yekaterinburg, na Sibéria, foi executada por ordem das novas autoridades, sendo controversa entre os historiadores a determinação da responsabilidade pessoal da decisão.

Com o exílio do príncipe, o palácio foi deixado ao cuidado de pessoas de confiança. Em 1917, abrigou o consulado da Suécia, o consulado da Alemanha e a Comissão alemã para troca de prisioneiros de guerra.  Em 22 de Fevereiro de 1919, o jornal "Severnaïa Kommuna" (A Comuna do Norte) publicou um decreto do governo soviético assinado pelo primeiro comissário da Instrução Pública, Anatoli Lunatcharski, que estipulava: «O palácio do antigo príncipe Yussupov, cais do Moïka, 92/94, que é um monumento de arte e de história e que encerra uma colecção de quadros e de objectos de importância artística, é proclamado bem nacional e passa para a jurisdição do Comissariado da Instrução Pública,  Departamento dos Museus e da Conservação dos Monumentos de Arte e de História».



Foi então constituída uma comissão especial para inspeccionar o palácio e proceder ao inventário. Entre os quadros encontrados, mais de mil, contavam-se obras de David, Fragonard, Corot, Vélasquez, Van Dick, Rubens, Rembrandt, etc. Havia também 128 instrumentos de música, miniaturas, pedras gravadas, porcelanas, jóias, medalhas, moedas, tapeçarias, armas antigas, etc. A colecção de manuscritos era notável. Cartas e textos autografados de Gavriil Derjavin, Piotr Viazemski, Gogol, Nicolaï Iazikov, Aleksey Khomiakov, Friedrich Schiller, Victor Hugo, Mérimée, Beaumarchais e muitos outros escritores. No arquivo, encontravam-se ainda rascunhos, cartas e poemas assinados por Pushkin.

Em 1919, foi organizada uma exposição no palácio então transformado em museu. Em 1923, encerrado este, os livros e os manuscritos foram confiados à Biblioteca Pública e à Biblioteca da Academia das Ciências. Os objectos de arte foram distribuídos pelo Museu do Ermitage, pelo Museu Russo, pelo Museu das Belas Artes Pushkin de Moscovo e por outros museus do país.



Em 1925, o Palácio Yussupov foi entregue ao sindicato dos professores do ensino primário de Leninegrado (hoje São Petersburgo), abrigando desde então o Palácio da Cultura dos professores.

Em 20 de Março de 1935, o Comité Executivo Central da República da Rússia colocou o Palácio Yussupov sob a protecção do Estado, classificando-o como monumento nacional.

Tendo sido poupado, ao contrário de outros palácios de São Petersburgo, às destruições e pilhagens que se verificaram aquando dos acontecimentos revolucionários de 1917, o facto de se encontrar estatizado permitiu a sua conservação e a realização de diversos restauros. Só durante a Segunda Guerra Mundial é que partilhou a sorte trágica da maior parte dos monumentos arquitectónicos da cidade. Os bombardeamentos nazis começaram em Setembro de 1941 e desde o início o Palácio Yussupov foi atingido. Sobrevivendo ao ataque e ao cerco, Leninegrado sofreu danos que se afiguravam irreparáveis. Contudo, o drama desencadeou um poderoso movimento destinado à salvaguarda e renovação dos tesouros de arte e de arquitectura. Ainda em plena guerra, foi criada uma Inspecção dedicada aos problemas da conservação e da fixação dos monumentos danificados tendo em vista o seu restauro.



A reconstrução prolongou-se de 1946 a 1955. Todavia, as obras, procurando reconstituir todos os interiores segundo os desenhos conservados, estenderam-se até 1990, sendo utilizados os processos mais modernos com vista a obter uma decoração tão próxima quanto possível do original anterior aos bombardeamentos. Aliás, os trabalhos ainda hoje prosseguem, dada a dimensão da empresa.



Nas caves foi instalada, para ilustração dos visitantes, uma reconstituição, em figuras de cera, do que teria sido a ceia oferecida por Yussupov a Rasputin.

O Palácio, que se encontra aberto ao público, desenvolve também uma intensa actividade cultural, com espectáculos de teatro e de música, bailes, recepções, sessões de poesia, etc.



Pelo seu interesse, registámos aqui os trezentos anos de história de uma das mais belas casas senhoriais de São Petersburgo

3 comentários:

Anónimo disse...

Agradeço ao autor do post ter publicado tanta informação e imagens sobre este famoso palácio. Bem haja

Anónimo disse...

Percebe-se pelas fotos que terá sido/será ainda deslumbrante, bem como o brilhante texto do autor que, como aliás há muito nos habituou, nos faz através das suas criações literárias viajar até um mundo que já não volta.
Muito obrigado por esta lição de História; mais uma aliás!

Anónimo disse...

UM ÓPTIMO POST. HÁ REFERÊNCIAS DE QUE O PRÓPRIO PRÍNCIPE YOUSSOUPOV TERIA MANTIDO UMA RELAÇÃO ÍNTIMA COM RASPUTINE. O QUE JUSTIFICARIA QUE O MONGE FOSSE AO PALÁCIO SEM AS PRECAUÇÕES HABITUAIS. RASPUTINE ERA UM HÁBIL MANIPULADOR. PRETENDERIA ELE O FIM DA MONARQUIA? NÃO SE SABE. O QUE É CERTO É QUE A OBSTINAÇÃO DE ALEXANDRA E A INCONSCIÊNCIA DE NICOLAU II DETERMINARAM O FIM DO IMPÉRIO RUSSO.