segunda-feira, 7 de outubro de 2013

AS VIAGENS DE BOWLES



Foi recentemente publicada, com o título Viagens, a obra de Paul Bowles (1910-1999) Travels, em que o autor reúne diversos textos sobre as viagens (viagens autênticas,  não meras viagens turísticas) que efectuou e os locais onde permaneceu por um largo período de tempo, nomeadamente Tânger, que foi, de certo modo, a sua casa.

Já conhecíamos alguns dos factos através dos relatos consignados em outras das suas obras, em especial em Without Stopping, An Autobiography (Memórias de um Nómada, em português). Porém, em Viagens, uma colecção de artigos publicados em revistas ou no seu diário, Bowles delimita geograficamente os textos, enfatizando os aspectos mais relevantes do percurso ou da estada. E assim o vemos em Marrocos ou no Sri Lanka, na América Central, na Tailândia  ou na ilha da Madeira. O autor descreve-nos, com a abundância de relevantes pormenores, que só um viajante interessado poderia reter, os locais e as pessoas, e a sua atitude perante uns e outras. Discreto, omite factos da sua vida pessoal, que certamente ocorreram nesses períodos, fornecendo-nos, contudo, subtilmente, a chave que nos conduzirá à sua descoberta.

A cidade de Tânger, que habitou, com poucas intermitências, desde os anos 40, é-nos soberbamente retratada, num quadro que regista a sua evolução (Bowles diria certamente destruição pelo "progresso") ao longo de meio século. Evoquei, aqui a Tânger dos anos 50, onde se reuniram tantos escritores e artistas que Bowles encontrou, como Tennessee Williams, Francis Bacon, William Burroughs, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Lucien Freud ou Gore Vidal. Aliás, pelo Marrocos e pelo norte de África passariam também Jean Genet, André Gide, Oscar Wilde, Truman Capote, Henry de Montherlant, Gertrude Stein, Michel Foucault, Roland Barthes, Samuel Beckett, Camille Saint-Saëns, etc. Com a extinção da Zona Internacional e a integração no Marrocos, Tânger perderia a aura de cidade do prazer, que conquistara durante anos, "normalizando-se" e tornando-se naquilo que é hoje, uma cidade entre as cidades do Reino.

O livro tem um conveniente prefácio de Paul Theroux, também ele incansável viajante e grande escritor, que ilumina as partes mais discretas da obra.


A  presente edição portuguesa, apesar de alguns percalços de tradução, lê-se fluentemente, não obstante ter utilizado o português acordês, essa variante bastarda da língua. Já não se compreende a omissão da Cronologia de Paul Bowles, que figura no fim da edição inglesa. Uma omissão verdadeiramente lamentável.

1 comentário:

Anónimo disse...

Paul Bowles teve o privilégio de habitar Tânger nos bons velhos tempos. E de disfrutar da liberdade sexual então reinante. Todo o norte de África foi um paraíso para todos quantos estavam possuídos pela "paixão árabe". Hoje já não é assim. Afinal, perdem uns e outros.