domingo, 7 de agosto de 2011

PORTUGAL E O SOCIALISMO


A evolução do socialismo (democrático) ou social-democracia em Portugal desde 1974 ou, se preferirmos, desde 1976, tem conhecido os mais estranhos avanços e recuos, especialmente recuos, vindo desaguar na situação actual.

É um facto que o problema não é exclusivamente português, mas é de Portugal que nos ocupamos agora. Tendo-se arvorado em arauto do socialismo no nosso país, o PS impediu o PSD de aderir à Internacional Socialista, o que, bem vistas as coisas, até terá sido útil para este ultimo partido. Mas, por razões da mais diversa ordem, o PS descaracterizou-se ideologicamente e, pior, tornou-se na prática idêntico a um partido do Centro, lugar ocupado pelo PSD, que se viu na necessidade de se deslocar para a direita, tornando-se agora claramente neo-liberal.

Não são alheias a estas voltas as reviravoltas do mundo em geral, nem as intenções ocultas de quem controla, ou tenta controlar, à escala mundial, o planeta que nos foi dado ocupar.

Os partidos socialistas ou sociais-democratas foram, pouco a pouco, e por pressão dos mercados (sempre os "famigerados mercados") perdendo a sua identidade, abdicando da sua ideologia, e entregando-se a uma praxis em que já pouco ou nada os distingue dos partidos ditos conservadores.

Num post publicado, hoje, João Gonçalves, a propósito de um artigo saído no Público, debruça-se sobre "factos e ideologias" e traça um panorama dos equívocos resultantes da confusão dos líderes nos últimos 35 anos, concluindo que a partir da "terceira via" para o socialismo (a do sinistro Tony Blair) e das que lhe sucederam, os pobres ficaram mais pobres e os ricos mais ricos. Aqui, e por essa Europa. Já todos o sabemos, mas é bom vê-lo escrito de vez em quando.

É por isso que muitas vezes me interrogo se, para lá dos condicionalismos internacionais e das organizações às quais, em boa ou má hora aderimos, e tomando como padrão o Estado Novo, não estaremos hoje mais à direita do que no regime de Salazar, admitindo que as expressões direita e esquerda ainda mantêm o significado que outrora lhes era atribuído. Não me refiro, obviamente, ao ponto de vista formal, à democracia representativa incensada por todos, especialmente pelos que dela retiram os mais vultosos proveitos. Refiro-me à questão substantiva, ao exercício dos direitos económicos e sociais. Eram eles largamente condicionados no Estado Novo, com algumas aberturas episódicas, designadamente na chamada primavera marcelista. E os direitos políticos resumiam-se ao que a Situação abnegadamente permitia.

O que pretendo explicitar é que no Estado Novo, e falo de uma regra geral que sempre contém excepções, havia ainda uma noção de HONRA e de VERGONHA que desapareceu quase por completo. Não existia o fosso, que todos os dias se aprofunda, entre uma classe minoritária cada vez mais rica e uma classe maioritária cada vez mais pobre, ainda que esse desígnio possa fazer parte da VONTADE  de outros poderes que analisaremos mais tarde. A existência de uma razoável classe média que, sabemo-lo hoje, suportava equilibradamente o regime, permitiu a este durar quase meio-século, só vindo a cair pela concorrência de circunstâncias internas e externas que lhe foram adversas.

E quando hoje nos lamentamos de um crescimento negativo ou do débil crescimento das últimas décadas, se consultarmos as estatísticas confirmaremos que foi durante o Estado Novo que a riqueza mais cresceu em Portugal. Eram os salários baixos: com certeza. Mas também não era caro o custo de vida e o nível de vida foi sempre subindo, lenta mas seguramente, durante o consulado salazaro-marcelista. É verdade que havia as "grandes famílias" aliás pouco numerosas. Mas hoje, como nos é dado constatar, há muito mais grandes famílias, grandes pelo menos na fortuna, que não nos pergaminhos. Nunca em tão pouco tempo se roubou tanto e por tantas formas, com a aquiescência do poder e a cumplicidade da justiça. Nunca tantos criminosos ficaram impunes. Porque o Estado Novo manteve este lema: roubar sim, mas devagar, pouco e devagar, e quando alguém passava o risco, era despedido com um simples cartão de visita.

Os tempos hoje são, por todo o lado, diferentes, Mas não deixa de ser sintomático evocar situações como aquela que citamos: nos anos cinquenta, um comerciante que se encontrasse insolvente, digamos falido, em defesa da honra dava um tiro na cabeça; hoje, o mais provável é matar os credores.

Esta completa inversão de conceitos, devido também a uma febre consumista exacerbada por uma publicidade indecorosa, conduziu-nos ao beco (sem saída?) em que nos encontramos.

Neste mundo globalizado, não poderemos fazer muito sozinhos. Mas se os outros, também os outros, fizeram alguma coisa, talvez possamos ainda vislumbrar não exactamente os amanhãs que cantam mas os hojes em que passaremos os derradeiros dias.

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