terça-feira, 18 de agosto de 2009

LIPOVETSKY E O ESTRELATO

Em entrevista ao último número do Nouvel Observateur (Nº 2336), Gilles Lipovetsky, o filósofo da "hipermodernidade", afirma:

Le Nouvel Observateur - Como se explica a tendência para a pipolização da nossa sociedade?

Gilles Lipovetsky - O fenómeno ilustra o aumento da importância da lógica das marcas num mundo de profusão e de desorientação generalizadas. O objecto já não chega para fazer a diferença num universo em que os produtos se assemelham: daí as marcas associarem-se a figuras do cinema ou do desporto para personalizar a sua oferta. Acontece o mesmo na política: com a erosão da dicotomia esquerda-direita, os eleitores de convicções fluidas votam cada vez mais numa personalidade que apreciam e não num programa. Os people funcionam como uma forma de singularizar e de personalizar um mundo vivido como impessoal e confuso. O hiperconsumidor deseja incessantemente renovação mas deseja igualmente "pontos fixos" que são fornecidos precisamente pelo sistema mediático da celebridade: os people têm a virtude de responder a essa dupla necessidade.

N.O. - Em que é que isto é realmente novo?

G.L.
- O sistema de produção de celebridades é uma invenção das sociedades modernas industrializadas. Antigamente, os pintores, os escritores ou os grandes homens políticos aspiravam à glória. Não à celebridade. A glória dirige-se à eternidade, mas a celebridade ao presente, ao tempo dominante da "cultura-mundo". O cinema no século XX inventou o star-system construindo personalidades "artificiais", imagens de sonho para consumo de massas. Maquilhagem, cirurgia estética, fotografias, estórias criam ídolos de que as revistas contam a vida privada. A pipolização é a generalização desta lógica alargada a outras esferas: top models, desportistas, cozinheiros, chefes de orquestra, intelectuais, homens políticos. Outra evolução: a intensidade feérica ou mítica do fenómeno atenuou-se. A celebridade de hoje já não é um "monstro sagrado" como Greta Garbo ou Marilyn Monroe. Aproximou-se de nós, interpelamo-los desta forma: «Sarkozy, estou a ver-te!». Enfim, com a telerealidade apareceram quaisquer celebridades, sem talento nem feitos particulares. O sistema caiu na era da banalização democrática e consumista.
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N.O. - Deveríamos regozijar-nos com a pipolização da nossa sociedade?

G.L. - Não podemos regozijar-nos com a evolução de uma sociedade que faz sonhar as pessoas através do consumo de celebridades efémeras. E o ideal democrático não é conhecer a vida privada dos nossos dirigentes! O fenómeno está a ir demasiado longe, há excessos: como em todo o lado, devem ser encontrados limites para a escalada consumista.

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Dado a imundície em que diariamente chafurdamos, esta lúcida entrevista dispensa comentários.

2 comentários:

Anónimo disse...

"A imundície em que diariamente chafurdamos" vírgula. Só lê as revistas "sociais" quem quer,só vê programas parvos quem quer,só vai a festas "people" quem quer. O facto de o sr. Lipovetsky ser francês e Nouvel Obs.,não lhe permite ou devia ser permitido dizer asneiras dignas dos nossos analfabetos escribas. Afirmar impunemente que "O sistema de produção de celebridades é uma invenção das sociedades modernas industriais" é duma ignorância histórica demasado imbecil,mesmo para o Verão francês,quando os pensantes e amigos vão todos para banhos.Então o que é a Corte francesa precisamente,sobretudo a partir de Luis XIV, senão um sistema de produção de celebridades,aliás extraordinàriamente bem elaborado e eficaz,promovendo de todos os modos a celebridade do Rei,e dos nobres enquanto cortesãos? Imitando o "Sistema" de Versailles,a maioria das cortes europeias transfoma-se com grande sucesso em produtora de celebridades. E a difusão de jornais e panfletos,mesmo anterior ao Industrialismo,tambem não é outra coisa. O gosto por "saber das celebridades" é simplesmente humano,natural da vida em sociedade,e com exageros como tudo mas que não somos obrigados a partilhar. A austeridade jansenista,sobretudo a imposta, nunca foi do meu gosto,nem o célebre franciscanismo revolucionário,pelo que vou defendendo,como posso,o meu liberalismo...

filipe disse...

O Lipovetsky tem uma grande visão. Tudo que escreve, é mesmo realidade que nos rodeia... A verdade é que pessoas são infelizes, apesar de aparantemente parecerem felizes. Não é por acaso que o liberalismo impõe no ser humano um individualismo e materialismo exarcebado. Ao Sr. Anonimo se quer viver numa felicidade paradoxal, boa sorte para si. Mas um dia há de perceber, que o neoliberalismo é um beco sem saída que leva ao egoismo e a infelicidade...