quarta-feira, 13 de agosto de 2014

RAPAZES DA TUNÍSIA



A literatura de temática homossexual tem-se desenvolvido extraordinariamente nas últimas décadas.  E com especial incidência localizando a acção em regiões supostamente exóticas, como o Mundo Árabe, a Índia, o Extremo Oriente, o Brasil. Contudo, muitas das obras produzidas só dificilmente se poderão considerar literárias, situando-se a grande distância das experiências descritas em autores como Gide, Barthes, Bowles, Loti, Burroughs, Kavafis ou mesmo Adolfo Caminha. Os livros mais recentes apelam ao imaginário dos potenciais leitores, servindo-lhes um produto vulgar, com o colorido - e trata-se realmente de uma questão de cor - das personagens locais.

Um dos países árabes que se tornou recorrente em matéria de comércio (utilizo a palavra no sentido mais amplo) homossexual é a Tunísia. Pela beleza dos autóctones, pela facilidade dos contactos, pela simpatia das gentes, pela amenidade dos lugares. Desde há muitos anos que a Tunísia seduz os viajantes (hoje os turistas) que por lá passam. Nunca é demais referir que André Gide teve a sua primeira experiência homossexual, em Sousse, na Tunísia, em 1893. O escritor descreve-a em Si le grain ne meurt (1926):

André Gide

« (... ) Je ne sortais jamais sans emporter manteau et châle : sitôt dehors, quelque enfant se proposait à me les porter. celui qui m’accompagna ce jour-là était un tout jeune arabe à peau brune, que déja les jours précédents j’avais remarqué parmi la bande de vauriens qui fainéantisaient aux abords de l’hôtel. Il était coiffé de la chéchia, comme les autres, et portait directement sur la peau une veste de grosse toile et de bouffantes culottes tuniques qui faisaient paraître plus fines encore ses jambes nues. Il se montrait plus réservé que ses camarades, ou plus craintif, de sorte que ceux-ci, d’ordinaire, le devançaient ; mais ce jour-là, j’étais sorti, je ne sais comment, sans être vu pr leur bande, et, lui, tout à coup, au coin de l’hôtel m’avait rejoint.

L’hôtel était situé hors la ville, dont les abords, de ce côté, sont sablonneux.(... ) mais, si fatiguante que fût la marche dans le sable, je me laissai entraîner dans la dune par Ali - c’était le nom de mon jeune porteur; nous atteignîmes bientôt une sorte d’entonnoir ou de cratère, dont les bords dominaient un peu la contrée, et d’où l’on pouvait voir venir. Sitôt arrivé là, sur le sable en pente, Ali jette châle et mantea ; il s’y jette lui -même et, tout étendu sur le dos, les bras en croix, commence à me regarder en riant. Je n’étais pas niais au point de ne pas comprendre son invite ; toutefois, je n’y répondis pas aussitôt. Je m’assis, non loin de lui, mais pas trop près pourtant, et , le regardant fixement à mon tour, j’attendis, fort curieux de ce qu’il allait faire.

J’attendis! J’admire aujourd’hui ma constance... Mais était-ce bien la curiosité qui me retenait? Je ne sais plus. le motif secret de nos actes, et j’entends: des plus décisifs, nous échappe; et non seulement dans le souvenir que nous en gardons, mais bien au moment même. Sur le seuil de ce qu’on appelle: péché, hésitais-je encore? Non; j’eusse été trop déçu si l’aventure eût dû se terminer par le triomphe de ma vertu - que déja j’avais prise en dédain, en horreur. Non; c’est bien la curiosité qui me faisait attendre... Et je vis son rire lentement se faner, ses lèvres se refermer sur ses dents blanches; une expression de déconvenue, de tristesse assombrit son visage charmant. Enfin, il se leva 

- Alors, adieu, dit-il.

Mais, saisissant la main qu’il me tendait, je le fis rouler à terre. Son rire aussitôt reparut. Il ne s’impatienta pas longtemps aux noeuds compliqués des lacets qui lui tenaient lieu de ceinture; sortant de sa poche un petit poignard il en trancha d’un coup l’embrouillement. Le vêtement tomba; il rejeta au loin sa veste, et se dressa nu comme un dieu. Un instant il tendit vers le ciel ses bras grêles, puis, en riant, se laissa tomber contre moi. Son corps était peut-être brûlant, mais parut à mes mains aussi raffraîchissant que l’ombre. Que le sable était beau! Dans la splendeur adorable du soir, de quels rayons se vêtait ma joie !»

André Gide

Creio que Gide refere noutro texto, que agora não consigo localizar, que o jovem Ali teria uns 13 anos. Não me admiro, o escritor sempre apreciou os rapazinhos. A grande paixão da sua vida, Marc Allégret, filho do seu preceptor, tinha apenas 15 anos quando Gide (então com 47 anos) o tornou seu amante, uma relação que duraria por mais de dez anos.

André Gide, um dos maiores escritores do século passado, Prémio Nobel da Literatura em 1947, seria hoje certamente acusado de pedofilia, preso e condenado a pena maior. O tempora, o mores!



Vem isto a propósito de um livro publicado em 2002 - Le Garçon de Tunis, de Alexandre Legrand  -  que descreve a atracção de um rapaz francês por um rapaz tunisino a viver em Paris, que o convida para passarem umas férias na Tunísia, na casa da família. Em terras africanas, o jovem sucumbe, porém, ao encanto de outro tunisino por quem se apaixona. Tenta levá-lo para França, mas o seu desejo é frustrado porque o novo amigo não consegue obter o indispensável visto.

Este romance (assim é apresentado) tem um enredo vulgar e uma prosa pobre. Agradará aos turistas que já fizeram a sua "experiência tunisina" ou estão em vias de fazê-la. Mas nada, ou quase, revela dos costumes locais, nem da cultura do povo ou da geografia dos lugares. Valerá tão só para recordar quão difícil é para um tunisino obter um visto de entrada na Europa. Para um tunisino ou, em geral, para um africano. Mas todos conhecemos já os barcos carregados de migrantes que chegam (ou não) a Lampedusa.

Acontece que chegou recentemente às minhas mãos um livro com o mesmo título, mas de outro autor: Le Garçon de Tunis, de Hugo di Verdura (2009). Tive curiosidade de saber que abordagem do tema seria feita neste novo romance. Mas, oh! Surpresa. Trata-se da reedição pura e simples do texto anterior. Afinal, Alexandre Legrand e Hugo di Verdura são uma e a mesma pessoa.

Estamos, pois, perante uma publicação desonesta aliada a uma produção medíocre. Os tunisinos merecem melhor.


1 comentário:

Zephyrus disse...

A descrição destes costumes entre os portugueses continua por fazer. Existe todo um mundo subterrâneo na intimidade dos homens lusitanos que permanece oculto. Pouca gente teve coragem para levantar o véu em público, mas os factos estão à vista de quem investigar. Há praias conhecidas como pontos de encontro entre homens (caso da praia 19 na Costa da Caparica ou da praia oeste da Manta Rota no Algarve), muito concorridas durante os meses mais quentes do ano, e mais de 100 mil perfis em sites para encontros masculinos. Nem menciono o roteiro da noite, pois é apenas procurado por aqueles que já se «assumiram», e que constituem apenas a ponta do icebergue dos que apreciam as relações masculinas. E ainda há o que ocorre, e ocorreu, no Colégio Militar, quartéis, seminários, ou residências universitárias masculinas. Fica pois a sugestão, e a esperança que algum escritor português com talento se debruce sobre este tema.