O estado mental em que se encontra hoje a sociedade portuguesa, sem dúvida muito pior do que no tempo de Salazar, apesar, ou por causa, dos acquis comunitários, é exemplarmente descrito por José Pacheco Pereira no seu blogue Abrupto:
Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate
... como no Inferno quando se entra pela porta maldita e se deixa a dita
esperança à entrada. Agosto é um bom mês para percebermos tudo.
Milhares e milhares de jovens que não lêem um livro, passam o mês em
festivais no meio do lixo, do pó, da cerveja e dos charros. Milhares e
milhares de adultos vão meter o corpo na água e na areia, sem verdadeira
alegria nem descanso. Outros muitos milhares de jovens e adultos nem
isto podem fazer porque não tem dinheiro. No interior, já que não há
correios, nem centros médicos, nem tribunais, proliferam as capitais, da
chanfana, do caracol, do marisco, do bacalhau, dos enchidos, da açorda,
as "feiras medievais" de chave na mão, as feiras de tudo e mais alguma
coisa desde que não sejam muito sofisticadas. Não é uma Feira da
Ciência, nem Silicon Valley.
As televisões, RTP, SIC e TVI “descentralizam-se” e fazem arraiais com
umas estrelas pimba aos saltos no palco, mais umas “bailarinas”, nem
sequer para um grande público. Incêndios este ano há pouco, pelo que não
há imagens fortes, ficamos pelo balde de água. Crimes violentos
“aterrorizam” umas aldeias de nomes entre o ridículo e o muito antigo,
que os jornalistas que apresentam telejornais com tudo isto gostam de
repetir mil vezes. Felizmente que já começa outra vez a haver futebol,
cada vez mais cedo. O governo, com excepção das finanças e dos cortes
contra os do costume, não governa, mas isso é o habitual.
A fina película do nosso progresso, cada vez mais fina com a crise das
classes ascendentes, revela à transparência todo o nosso ancestral
atraso, ignorância, brutalidade, boçalidade, mistura de manha e inveja
social. No tempo de Salazar falava-se do embrutecimento dos três f:
futebol, Fátima e fado. Se houvesse Internet acrescentar-se-ia o
Facebook como o quarto f. Agora não se pode falar disso porque parece
elitismo. Áreas decisivas do nosso quotidiano hoje não são sujeitas à
crítica, porque se convencionou que em democracia não se critica o
"povo".
Agosto é um grande revelador e um balde de água fria em cima da cabeça para aparecer na televisão ou no You Tube. Participar num rebanho, mesmo que por uma boa causa, podia pelo menos despertar alguma coisa. Nem isso, passará a moda e esquecer-se-á a doença. Pode ser que para o ano a moda seja meter a cabeça numa fossa séptica, a favor da cura do Ebola.
Assim não vamos a lado nenhum. Como muito bem sabem os que não querem que vamos a qualquer lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário