terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O ANÚNCIO FEITO A MARCELO




O título do post nada tem a ver com a peça de Claudel. É pura coincidência, se coincidências existem.

Ao anunciar o perfil desejado pelo PSD para futuro presidente da República, na sua moção de estratégia ao Congresso do partido, o primeiro-ministro Passos Coelho, enumerando as características pretendidas, excluiu ab initio uma candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa.

Sendo público o desejo de Marcelo de concorrer à eleição presidencial, declarou este, todavia, no comentário do passado domingo na TVI, a sua desistência de se apresentar ao escrutínio nacional.

Por muito ineptos que Passos Coelho e a sua entourage possam ser, não é crível que não tenham intuído o disparate gratuito que tal enunciação de perfil, por demais desnecessária neste momento, constituiu, sabendo-se que Marcelo Rebelo de Sousa, apesar da sua evidente inconstância, desfruta de alguma popularidade e que, segundo as sondagens, seria o único potencial candidato da "direita" capaz de vencer um candidato da "esquerda".

Importa, por isso, encontrar uma explicação convincente para este exercício aparentemente desastroso. Sendo que um candidato da "esquerda", maxime António Costa, parece ter garantida a sua eleição caso concorra, carece a "direita" de uma vitimização para tentar obter ganhos de causa.

Considerando que Passos Coelho é, desde sempre, o chefe de Governo da República mais odiado pela maioria da população do país, muito mais do que Salazar, mais ainda do que Afonso Costa, é evidente que a exclusão que fez de uma candidatura de Marcelo só pode granjear ao professor simpatias que não reuniria antes deste episódio. Assim, tem-se por certo que Marcelo concorrerá às eleições presidenciais e que muita gente do "centro" poderá votar no seu nome exclusivamente por aversão a Passos Coelho, o que permitiria instalar em Belém um presidente "não de esquerda" à falta de um presidente da "direita ultra-liberal", como Durão Barroso, cuja eventual candidatura afastaria, como se calcula, os eleitores do "centro" e da "esquerda" e até de alguma "direita".

Estaremos, pois, perante uma jogada de antecipação, uma manobra política que, contudo, não se afigura susceptível de render votos ao "actual" PSD, demasiadamente empenhado na aplicação de medidas que decorrem mais da imposição de um programa marcadamente ideológico do que da necessidade de diminuir o défice e a dívida.

Porque ainda faltam dois anos para as eleições presidenciais de 2016, muita água correrá sob as pontes.

Como na peça de Claudel, cuja leitura se recomenda, também há nesta intriga doméstica e provinciana os indispensáveis ingredientes dramáticos: a cruzada (do monoteísmo de mercado), o repúdio (de Marcelo), a traição (de Passos), a lepra (das medidas de austeridade), a perversidade (de Barroso), a inocência (dos portugueses que votaram no PSD) e o mistério da anunciação (que se revelará no fim).

Quem viver, verá.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito jogo.