sábado, 17 de janeiro de 2009

EM MEMÓRIA DO PAI

Dominique Fernandez, escritor francês laureado com os Prémios Médicis e Goncourt, autor de obras fundamentais da literatura francesa do século XX, acaba de publicar Ramon, um volume de 800 páginas sobre o seu pai. Esta obra, que é também um exorcizar dos fantasmas que acompanharam o autor desde a infância, relembra a vida e a obra de Ramon Fernandez (1894-1944), escritor, diplomata, membro da SFIO, próximo do Partido Comunista, co-fundador da União dos Escritores Revolucionários, íntimo de Proust (a quem dedicará um ensaio), amigo de Gide, Mauriac e Martin du Gard, militante activo de duas organizações antifascistas e que em 1937 adere ao PPF de Jacques Doriot, que se tornará o principal partido colaboracionista com a ocupação alemã.

Insondáveis os caminhos do destino e , como afirmou Ortega y Gasset, o homem nunca é só ele, mas sempre ele "e a sua circunstância". O que levou Ramon a inflectir o seu caminho desconhece-se, e jamais se saberá, mas a obra do filho lança alguma luz sobre o caso. Uma mãe possessiva que o impede a seguir Raymond Aron para Londres, o divórcio da mulher, a homossexualidade recalcada, a ilusão de um "nacional-socialismo à francesa", enfim.

A evocação do pai, já aflorada em obras anteriores de Dominique Fernandez, tornou-se em certo momento uma verdadeira obsessão e, quando eleito para a Academia Francesa em 2007, inicia assim o seu discurso de recepção sob a Cúpula: "Mesdames et Messieurs de l'Academie, je vous demande d'accueillir avec moi l'ombre de quelqu'un qui avait plus de titres à prendre ma place, et à qui je dois d'être celui que je suis: Ramon Fernandez, mon père. Il s'est fourvoyé en politique, et j'ai toujours condamné, publiquement, sa conduite pendant l'Occupation. Mais est-ce une raison pour oublier, occulter son oeuvre littéraire?" . E ainda esta semana, em entrevista a Jérôme Garcin, no Nouvel Observateur, D.F. afirmava: «Il y avait deux raisons à ma candidature: mon homosexualité, que je voulais voir affichée sous la Coupole. Et le nom de mon père, que je voulais entendre résonner, le jour de ma réception, à côté de celui de Richelieu. Vaincre à la fois l'homophobie et l'oubli».

Criticando a obra, no Magazine Littéraire deste mês, escreve Pierre Assouline: «Huit cents pages plus tard, Dominique Fernandez n'est pas seulement le fils du collabo, mais celui d'un homme pétri de contradictions, qui mit un point d'honneur à n'être pas antisémite et même honorer Proust et Bergson sous la botte allemande, et qui fut le plus éblouissant critique littéraire de sa génération. Le sentiment du gâchis n'en est que plus grand. Ce que c'est de se sentir dépositaire de la vie d'un autre quand cet autre vous a donné la vie.»

Leia-se, pois, Ramon, de Dominique Fernandez e também as obras de Ramon Fernandez que acabam de ser reeditadas: Messages e Proust. E Molière, que se seguirá.

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